1. Não admira que António Costa tenha chamado Santos Silva para assumir parte das responsabilidades que caberiam ao primeiro-ministro enquanto presidente da União Europeia, neste semestre. Desde logo, a decisão não prestigia e mostra uma óbvia incapacidade para a função, por muito que Costa queira explicar a necessidade pelas excecionais circunstâncias resultantes da pandemia. Canta bem, mas não embala. Na realidade, António Costa tomou esta decisão para evitar o evidente desmoronamento do Governo. Vários ministros estão metidos em trapalhadas que deveriam ser suficientes para os remover se fôssemos um país normal.
Basta citar alguns exemplos. O ministro Eduardo Cabrita está sem condições políticas de se fazer respeitar, depois do assassinato de um cidadão ucraniano por agentes do SEF e das sucessivas tentativas de encobrimento do caso. Mais recentemente viu-se, e continua a ver-se, a GNR e a PSP a disputarem a escolta de vacinas na via pública, sem que o ministro imponha ordem.
A ministra Marta Temido está também fortemente fragilizada por opções estratégicas erráticas, embora tenha a óbvia desculpa de estar a lidar com coisas desconhecidas. Até por isso, devia recolher-se e estudar dossiês em vez de andar a multiplicar aparições de mera propaganda terceiro-mundista.
Já a ministra da Justiça está, há dias, indissociavelmente ligada à nomeação controversa e política do procurador José Guerra para uma função europeia, a qual foi apoiada por um documento trapaceiro que, objetivamente, continha mentiras. Noutro país, Van Dunem não teria outra solução que não fosse a saída pelo seu pé ou a demissão pelo primeiro-ministro. E não é o afastamento de um diretor-geral (culpado e queixinhas) que vai diluir a responsabilidade da ministra, que não podia obviamente desconhecer os sinuosos meandros do processo. A mentira tem perna curta, diz sabiamente o nosso povo. Tem mesmo!
Do lado da Segurança Social, a respetiva ministra não consegue dar resposta a nada do que é prometido, reinando o caos nos seus serviços, com desempregados aos milhares sem nada receberem do muito que demagogicamente lhes prometeram. Isto enquanto o ministro da Economia multiplica apoios de reconstrução económica que normalmente não passam do papel ou são impraticáveis. Dois ministros claramente incapazes.
A seguir há o caso de Pedro Nuno Santos, que fala grosso e tem a TAP num caos total, sem que se saiba o futuro da companhia, a não ser que o seu novo presidente executivo viu o salário passar de 17 mil para 35 mil euros. Percebe-se que a TAP vai a caminho de ser mais um centro de custos de milhares de milhões para os contribuintes, por culpa de uma opção política de reverter uma privatização que estava a correr razoavelmente bem.
A ministra da Agricultura andou desaparecida meses, enquanto os agricultores empobrecem e as indústrias do setor abusam. Porém, há dias foi falada por ter estado envolvida numa perseguição a um desgraçado cidadão da zona de Abrantes que anda há 20 anos num litígio com a câmara que a ministra presidiu vários anos. O homem perdeu a cabeça, irrompeu numa sessão de câmara com um cajado, usou-o na cabeça do atual presidente e acabou preso.
Há, depois, o cómico ministro do Ambiente, senhor de uma voz grossa e tonitruante mas que, quando abre a boca, ou entra mosca ou sai asneira. As trapalhadas nas suas vastas áreas são tantas que seria precisa uma edição interna deste jornal para contá-las todas e, mesmo assim, em versão sintética.
Na Educação há dois ministros e reina o caos habitual. A prova mais óbvia é que os resultados comparativos dos nossos alunos na Matemática são cada vez piores em relação aos da União Europeia. A explicação dada foi simples: a culpa é do Crato e do Passos.
Além deste fabuloso naipe citado, António Costa dispõe de mais uns quantos ministros que não se sabe exatamente o que fazem e para que servem, uma vez que as suas tarefas se encavalitam umas nas outras (Modernização Administrativa, Planeamento, Coesão Territorial).
Há, depois, o caso de Mariana Vieira da Silva que, na prática, apoia Costa na condução desta fanfarra desafinada, que conta ainda com um ministro do Mar que deve ter naufragado algures, pois não há notícia do dito.
Como se vê, António Costa tem muito para fazer internamente, designadamente pôr ordem no processo de vacinação antes que derrape e deitar a mão ao seu ministro das Finanças, que está ainda em fase de estágio. Santos Silva é um político experiente e matreiro que gosta de bater na direita. Cabe-lhe a função de primeiro suplente na representação de Portugal, numa presidência que tem cerca de 250 grupos de trabalho e muitas cimeiras pela frente. Costa só aparecerá nos momentos essenciais, com muitas televisões e fotografias. É a opção pelo panache e de acudir à dramática situação interna. É, porém, duvidoso que sirva para recompor um Governo a cair aos bocados e que pode afundar o país. Mas, tal como no Titanic, a orquestra continua a tocar. Como se vê pelas gloriosas sondagens, o mais curioso disto tudo é que o PS vai de vento em popa, enquanto o salva-vidas de Rui Rio não consegue fazer-se ao mar.
2. Há quase um século que Portugal não via morrer tanta gente num ano. Foram 123 683 pessoas que desapareceram. Segundo os dados mais recentes, morreram de covid cerca de 7 mil pessoas em 2020. Há, portanto, qualquer coisa como 11 mil e 300 óbitos que não se justificam, a não ser por ausência de acompanhamento de outras doenças. Esta é a realidade crua e triste dos danos colaterais da pandemia que nos assola a nós e ao mundo. Muitas das mortes inexplicadas têm causas óbvias: a falta de articulação entre a saúde pública e privada e o pânico que se instalou em certos serviços hospitalares, que optaram por fechar portas e adiar consultas. Isto sem falar do próprio medo dos cidadãos.
3. Entre mimos, palhaçadas e altercações, os debates presidenciais cumprem o ritual da democracia, como tem de ser. No entanto, sempre que se chega à altura de renovação do mandato presidencial, fica a dúvida se não seria melhor um mandato único de sete anos. Poupava-se um desfile de vaidades e de oportunistas sem sentido. Por outro lado, isso fazia com que o Presidente eleito não ficasse condicionado e pudesse ser ele próprio. Na prática, entre nós, os mandatos serão sempre duplos, ou seja, dez anos. É tempo a mais.
Escreve à quarta-feira