Memória. Gonçalo Ribeiro Telles, o ecologista visionário

Memória. Gonçalo Ribeiro Telles, o ecologista visionário


Pioneiro em Portugal na defesa do ambiente, o arquiteto paisagista morreu ontem, em casa, aos 98 anos. Deixa-nos os seus jardins e os seus preciosos ensinamentos sobre a paisagem.


Gonçalo Ribeiro Telles morreu ontem, em casa, aos 98 anos. Arquiteto paisagista, ecologista e político português, foi um dos principais defensores da do causa meio ambiente desde o 25 de Abril. Deixa-nos os seus espaços verdes, tendo sido o autor do projeto do jardim da Fundação Calouste Gulbenkian – valeu-lhe o Prémio Valmor em 1975 –, e do jardim Amália Rodrigues, ambos em Lisboa. E será sempre lembrado pela luta pelo ambientalismo e pela valorização da paisagem. “A paisagem sempre foi cultura”, dizia.

No que diz respeito ao campo profissional, foi um dos pioneiros do ecologismo na política portuguesa. Bateu-se pela mata nacional mediterrânica, contra a proliferação de monoculturas (nomeadamente pinhais e eucaliptais), advogou a causa das hortas urbanas – “Tudo começou na horta, passou da horta para a quinta de recreio e passou da quinta de recreio para o parque”, diria numa entrevista à RTP2 – e preconizava um equilíbrio entre a pastorícia e a agricultura._Nascido em Coruche em 1922, licenciou-se em Engenharia Agrónoma pelo Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa – onde acabou por formar-se como arquiteto paisagista. Deu início à sua vida profissional na Câmara de Lisboa, onde estaria durante largos anos e lançaria a ideia inovadora de um corredor verde, assumindo funções de arquiteto paisagista no Gabinete de Estudos de Urbanização, em 1955. Dois anos depois, em 1957, criou o Movimento dos Monárquicos Independentes, em 1957. Católico e com uma grande atividade de intervenção cívica e política, fez depois parte da Comissão Eleitoral Monárquica, um ano após ter apoiado a candidatura presidencial de Humberto Delgado.

Um dos seus legados mais evidentes no mundo político foi a fundação do Partido Popular Monárquico (PPM), logo após o 25 de Abril. Durante a sua presidência do PPM, Ribeiro Telles acabou por ser um dos subscritores da Aliança Democrática, em 1979, ajudando no processo de estabilização da democracia em Portugal após o rebuliço do período revolucionário, ao lado do CDS de Freitas do Amaral e do PSD_de Francisco Sá Carneiro. Mas outros tantos cargos políticos lhe passaram pelas mãos e pelo seu vasto percurso. Um ano depois foi eleito deputado à Assembleia da República e acabou por ser secretário de Estado do Ambiente e mais tarde ministro de Estado e da Qualidade de Vida durante dois anos, entre 1981 e 1983, no_VII Governo Constitucional, liderado por Francisco Pinto Balsemão.

A saída de Ribeiro Telles do Governo não significou o abandono da atividade política. Funda o Movimento Alfacinha, candidatando-se posteriormente à Câmara de Lisboa, tendo sido eleito vereador. Quase dez anos depois, em 1993, funda o Movimento Partido da Terra, do qual foi presidente honorário desde 2007.

 

“Ecologista convicto, lisboeta apaixonado”

A longa e profícua carreira como paisagista foi distinguida com inúmeros prémios. Em 2013, recebeu o prémio Sir Geoffrey Jellicoe, por muitos, considerado o Nobel da arquitetura paisagista. O galardão, atribuído pela Federação Internacional dos Arquitetos Paisagistas em Auckland, na Nova Zelândia, distinguia “um arquiteto paisagista cuja obra e contribuições ao longo da vida tiveram tido um impacto incomparável e duradoiro no bem-estar da sociedade e do ambiente e na promoção da profissão”. Já a Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP), viu aí o coroar de “uma excecional carreira de setenta anos, poucos meses depois de ver garantida a continuidade do corredor verde de Lisboa, uma ideia que lançou em 1968”.

A Câmara Municipal de Lisboa foi uma das muitas entidades a reagir ao falecimento de Gonçalo Ribeiro Telles. “Lisboa despede-se de um dos seus. Gonçalo Ribeiro Telles, o mestre da arquitetura paisagista, ecologista convicto e lisboeta apaixonado”: foi assim que o lembrou através de um tweet da CML. Embora fosse natural de Coruche e se tenha sempre batido pela valorização da vida rural, Gonçalo Ribeiro Telles residiu até ao fim em Lisboa.