Soraia Mendes, 32 anos, nasceu, cresceu e vive até hoje na mesma casa no Bairro Amarelo, no Monte da Caparica, construído nos anos 80. Em setembro, a propósito das declarações da presidente da Câmara Municipal de Almada, Inês de Medeiros, sobre a “vista invejável” do bairro, Soraia falou com i sobre as condições da casa onde está com os três filhos: não tem vidros nas janelas.
“Sabe o que é você ter uma casa grande e os seus filhos não dormem no quarto deles desde que nasceram? Têm de dormir com a mãe porque o frio é demais”, conta.
Apesar de a casa ter quatro quartos, os filhos mais pequenos, Isaac, de quatro anos, e Enzo, de cinco, têm de dormir com Soraia na mesma cama, uma vez que a janela do quarto da mãe, apesar de também estar partida, é a única que vai resistindo, com algumas mantas a cobrir as brechas. A humidade, que também vai aparecendo nas paredes e atrás dos móveis, causa mau cheiro e, à noite, o quarto passa a ser o refúgio desta família. “Sabe o que é a gente ter de comer dentro do quarto? Jantamos dentro do quarto, fazemos a vida dentro do quarto”, diz, emocionada. No quarto do filho mais velho, Leandro, com 17 anos, a janela, apenas suportada por umas dobradiças improvisadas, já caiu em cima de um dos irmãos, fazendo com que tivesse de levar sete pontos na cabeça, e no pé de Soraia, que ficou com um golpe. “Isto aqui está a afetar-me a cabeça completamente! Eu não sei mais o que hei de fazer”, desabafa.
Quem espera desespera No dia da primeira entrevista ao i, a 29 de setembro, mais tarde, o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), entidade responsável por garantir a manutenção de todas as casas do Bairro Amarelo, enviou um empreiteiro a casa de Soraia para avaliar o espaço e, em poucos dias, serem instaladas novas janelas. “Estava na porta sentada a falar da entrevista com as minhas vizinhas, o senhor chega e diz-me que vem pôr as janelas, e eu ainda pensei que fosse uma brincadeira de alguém que tivesse visto a entrevista. O senhor dizia-me: “Tenha calma, isto é verídico!” Eu fiquei nervosa, ansiosa, foi uma mistura de emoções… e depois foi tudo em vão”. Passaram duas semanas e, desde então, o IHRU nunca mais voltou nem a contactou. “Sinto-me exausta!”, afirma, frustrada, depois de anos a pedir obras, fazer queixas e preencher documentos do IHRU. A pequena janela entre a sala e a cozinha também está degradada e sem vidros e, para que as crianças não brinquem naquele espaço por ser perigoso, correndo o risco de cair, Soraia entretanto arranjou uma solução: fez um pequeno muro com as próprias mãos. “Andaram a fazer umas obras aqui nuns cafés em baixo e sobraram tijolos, e eu pedi-os ao senhor do café” explicou a moradora. Agora, ainda sem obras do IHRU, Soraia explicou que vai tentar fazê-las sozinha com uns vidros que lhe deram. “Eu não tenho dinheiro para pôr janelas mas, agora, um vizinho deu-me uns vidros e eu vou tentar pô-los”.
IHRU vai receber 10 milhões de euros do Orçamento do Estado
O Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) vai receber 10 milhões com o objetivo de recuperar património do Estado para fins habitacionais. O IHRU vai voltar a ficar com parte da receita gerada pelo aumento do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) do alojamento local em zonas de contenção.
De acordo com uma versão preliminar da proposta de Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021), a que a Lusa teve acesso, “parte proporcional da coleta do IRS que corresponder ao agravamento do coeficiente para determinação do rendimento tributável aplicável aos rendimentos da exploração de estabelecimentos de alojamento local localizados em área de contenção” em 2021 é transferido para o IHRU, “para recuperação do património do Estado para fins habitacionais e oferta pública de habitação a preços acessíveis, o valor de 10 milhões de euros”. O mesmo aconteceu este ano mas, em vez de 10 milhões de euros, o IHRU arrecadou sete milhões.
O IHRU vai voltar também a ter autorização para “contrair empréstimos até ao limite de 50 milhões de euros, para financiamento de operações ativas no âmbito da sua atividade e para promoção e reabilitação do parque habitacional”.