Portugal assumiu eficazmente as medidas de protecção necessárias para evitar a chegada da covid-19 às prisões portuguesas. Efectivamente, sabendo-se do elevado grau de transmissão do vírus SARS-CoV-2 numa população confinada, tornou-se absolutamente imperioso evitar a chegada do coronavírus às nossas prisões, para o que foi necessário reduzir a população prisional. Foi assim que, através da lei 9/2020, de 10 de Abril, foi aprovado pelo Parlamento um regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença covid-19. Esse regime foi depois aplicado de uma forma muito célere pelos nossos tribunais que, mesmo trabalhando ao fim-de-semana, conseguiram aplicar imediatamente o diploma e evitar o que poderia ter sido uma catástrofe nas nossas prisões.
Lamentavelmente, no entanto, não se actuou da mesma forma perante outra população que se sabia estar também confinada e que, por isso, necessitava igualmente de protecção especial: os idosos internados nos lares. Na verdade, o que se verificou foi que não houve o cuidado necessário para evitar a propagação do vírus, o qual, segundo declarações públicas da directora-geral da Saúde, terá entrado nos lares especialmente através dos profissionais que lá trabalham que, em muitos casos, até trabalhavam em mais do que uma instituição. Por isso, no passado dia 10 de Julho, a ministra da Saúde reconhecia que os óbitos acumulados nos lares em resultado da covid-19 ascendiam a 628 dos 1646 óbitos existentes à data. É um número perfeitamente arrasador, que demonstra que quase 40% das vítimas mortais da covid-19 em Portugal ocorreram nos lares de idosos. Mas essa catástrofe era absolutamente previsível, perante a muito maior taxa de mortalidade da população idosa, ainda mais quando colocada em lugares confinados, o que exigia a adopção de medidas rigorosas para evitar a contaminação.
A situação é ainda mais grave pelo facto de estarmos a falar de uma população extremamente frágil, em situação de grande vulnerabilidade física e psicológica e, em muitos casos, até com deficiências cognitivas, provocadas pelas doenças associadas à idade. Em relação a estas pessoas, medidas como a colocação em isolamento, afastando-as do contacto com a família, a deslocação para outro lugar, em consequência da contaminação do lar em que estavam internadas, ou até mesmo a visita de estranhos para testes de saúde podem ser causa de grande sofrimento, perante o choque com uma nova realidade que não conseguem compreender e que, por isso, as assusta profundamente. Na verdade, se uma pandemia como esta é susceptível de assustar e perturbar profundamente a população activa, em relação aos idosos internados em lar, a mesma pode causar pânico, até pela dificuldade de compreender o que está em causa.
É, por isso, absolutamente essencial que sejam adoptadas medidas para compensar os graves danos causados às vítimas da covid-19 nos nossos lares, garantindo o apuramento das competentes responsabilidades pelo sucedido. A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, na sua tarefa de defender os direitos humanos, especialmente dos cidadãos mais vulneráveis, iniciou já um trabalho de averiguação das diversas situações ocorridas nos lares portugueses e que conduziram ao elevado número de óbitos acima referido. Mas é especialmente necessário que tais situações não voltem a repetir-se e que os nossos lares voltem a ser lugares seguros e tranquilos onde as pessoas idosas possam viver a sua velhice nas necessárias condições de segurança e sem medo de serem contaminadas no lar onde estão internadas. O nosso dever para com os nossos idosos assim o exige.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção
das regras do acordo ortográfico de 1990