O ano de 2020 tem sido particularmente ingrato para o transporte aéreo, com o impacte da covid-19 e respetivos confinamentos na redução da procura e consequente suspensão de operações. Em todo o mundo se observam quebras acentuadas de 75% de receita para as companhias aéreas e aeroportos e, nalguns casos, ainda mais. Mesmo as empresas internacionais com melhor performance económica se viram na necessidade imperiosa de serem intervencionadas pelos seus Governos, nas mais diversas formas, para que possam retomar o curso das suas estratégias e repor os níveis de desempenho.
Em todo o mundo observamos injeções de liquidez nas companhias aéreas. O Governo alemão injetou cerca de 20 biliões de euros na Lufthansa. O Governo espanhol injeta cerca de 750 milhões de euros na Iberia e cerca de 260 milhões na Vueling. O Reino Unido injeta cerca de 1 bilião de euros na British Airways. Os Governos francês e holandês injetam 10,8 biliões na Air France-KLM.
Obviamente que uma análise mais profunda é necessária e exige saber o estado económico e financeiro em que estas empresas estavam antes da pandemia, e qual a forma adotada para a injeção de capital. A covid-19 não é responsável por tudo.
Importa perceber que os aportes de capital que o nosso Governo está a fazer para manter a TAP Air Portugal não são um caso de exceção – toda a Europa está em situação idêntica, salvaguardadas as devidas proporções entre as companhias aéreas, onde a Iberia sobressai pela positiva com um valor relativamente baixo de injeção financeira.
A exceção em Portugal reside no estado de desorientação em que o setor mergulhou.
O acordo previsto para “salvar” a TAP prevê um empréstimo, de acordo com notícias publicadas, de cerca de 946 milhões de euros, com possível extensão de mais 254 milhões – ao todo, cerca de 1200 milhões, mas nada se sabe sobre a reestruturação da empresa, para que são estas verbas, quais os objetivos da reestruturação, qual a estratégia subjacente. Nenhuma resposta para todas estas e muitas outras perguntas que deveriam ser respondidas perante uma injeção financeira desta dimensão.
Pelo contrário, e por demais insólito, só se sabe que a reestruturação implica cortes nas rotas e nos recursos humanos, mas não se sabe para que serve essa reestruturação nem que objetivos temos. Esta operação foi baseada no argumento público da importância da TAP para o país. Será possível que tão elevada importância possa ser definida sem estratégia? Não é credível.
Mas o nosso estado de exceção neste setor não se limita à TAP.
A SATA, deixada em estado crítico há demasiado tempo não obstante o seu potencial e comprovada importância fundamental para a região, e detentora de um plano estratégico, pede apenas uma garantia para empréstimo de cerca de 166 milhões. Até parece pouco, no atual quadro do setor!
Mas como se articula a SATA com uma estratégia nacional de transporte aéreo? Também não sabemos.
O aeroporto do Montijo ora avança, ora recua, mantendo, aliás, o estilo dos últimos 50 anos de indecisão (espantemo-nos!). A covid-19 veio, infelizmente, aliviar a pressão da procura sobre o aeroporto de Lisboa…
O regulador ANAC mantém silêncio. O Governo mantém hesitações.
Tudo isto denota uma enorme desorientação no setor do transporte aéreo, uma total ausência de estratégia e uma incapacidade de realizar diagnósticos objetivos que sirvam de ponto de partida para uma reflexão estratégica competente e responsável.
Justiça seja feita, a ausência de estratégia no transporte aéreo em Portugal não é de agora, é de sempre, e é certamente uma das causas de termos chegado ao atual estado do setor.
Não saber o que fazer não é crime. Não reconhecer essa limitação e não tomar ação de contingência é muito grave do ponto de vista económico, social e ético. Em síntese, é mesmo um desrespeito pelo cidadão que vai suportar com os seus impostos os muitos milhões que estão a ser aplicados neste setor, sem que se saiba porquê e para quê. É uma irresponsabilidade sem dono.
É necessário reunir os recursos humanos necessários e disponíveis no país (com independência: nas universidades, nos centros de investigação, no mundo empresarial) para produzir um diagnóstico e um plano estratégico para o transporte aéreo em Portugal.
Ainda que seja com o beneplácito da Comissão Europeia, não é legítimo continuar a resolver os problemas que surgem em sede de emergência, e sempre e só com uma única solução: cobrir défices. Num país com as carências que Portugal tem, o custo de oportunidade destas verbas é enorme e o cidadão tem o direito de exigir qualidade e transparência nas decisões tomadas.
Professora no Instituto Superior Técnico