Férias judiciais. Depois de confinamento, chega um mês e meio de férias

Férias judiciais. Depois de confinamento, chega um mês e meio de férias


Tendo em conta o contexto de pandemia, e os cerca de três meses em que os tribunais estiveram a meio gás, muitos defendem que as férias judiciais deveriam ter sido este ano repensadas.


Os tribunais preparam-se para dar início às férias judiciais e, entre 16 de julho e 31 de agosto só serão tratados processos de caráter urgente, como violência doméstica, por exemplo. Mas este é um ano atípico, uma vez que durante o confinamento – que durou cerca de três meses – houve suspensão de prazos, tendo a covid-19 obrigado ao cancelamento de cerca de 48 mil diligências só até ao final de abril. 
A redução do período de férias judiciais esteve em cima da mesa, mas acabou por não ser feita qualquer alteração. E as empresas que têm processos a decorrer na justiça queixam-se da lentidão e veem nesta segunda paragem do ano um impacto económico negativo. O i contactou os partidos e o Bloco de Esquerda tem a mesma leitura: “depois de uma paragem quase total dos tribunais por causa da pandemia, manter sem alteração as férias judiciais é uma decisão que vai prejudicar grandemente muitas pessoas e empresas”. 
Um dos exemplos é o caso do processo do Parque Mayer, em Lisboa. A Câmara Municipal de Lisboa foi condenada a pagar uma indemnização de cerca de  200 milhões de euros à empresa Bragaparques, mas continua à espera do acórdão do Tribunal Central Administrativo. Enquanto a decisão não é tomada, os juros continuam a somar, tendo o município da capital pedido uma aceleração processual para que haja uma decisão célere no processo relativo ao litígio com a Bragaparques. O recurso está pendente há três anos, num processo que se iniciou há quinze. 
No final de junho, a ex-Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, em entrevista ao Público, defendeu que as férias judiciais deveriam ter sido encurtadas este ano. “A argumentação de que 15 dias não fazem diferença é falaciosa, porque todos os dias fazem a diferença. Eram mais duas semanas em que os prazos não estavam suspensos”, disse a ex-PGR, acrescentando que “era quase um dever cívico dar um sinal de que somos solidários com a resposta às consequências desta crise, que atingiu toda a gente”. 
Tendo em conta o contexto atual, e os três meses de confinamento em que os tribunais trabalharam a meio gás, Manuel Monteiro, antigo líder do CDS, defendeu ao i que existe “a urgência, não dos casos urgentes, mas a necessidade de dar resposta a determinado tipo de situações que podendo não ser consideradas urgentes, nem por isso deixam de ser necessariamente importantes para os visados”. 
Repensar as férias judiciais este ano “só contribuiria para ajudar a dignificar os tribunais em geral e todos aqueles que servem a justiça em particular”, defendeu Manuel Monteiro, acrescentando que “essa possibilidade deveria ter sido equacionada de uma forma muito objetiva, atendendo à situação excecional que o país vive”. 
Da mesma opinião é a Iniciativa Liberal, partido que defende que “uma emergência exige capacidade de reação por parte de quem tem responsabilidades institucionais”. “O serviço que prestam aos cidadãos não pode ser prestado por outros e, por isso, os titulares do poder judicial terão de estar disponíveis para esforços adicionais, incluindo naturalmente prescindir de parte das férias judiciais”, disse fonte do partido liderado por João Cotrim de Figueiredo ao i, acrescentando que este cenário “é, mais uma vez, o Estado a falhar às pessoas que devia representar”. 
Já o PCP referiu ao i que, neste momento, o assunto “não está em cima da mesa”. 
Também defensor da ideia de que este deveria ser um ano de exceção é o constitucionalista Vital Moreira. “Se as férias judiciais de dois meses já constituem em geral um privilégio injustificável, menos ele se compreende nas atuais circunstâncias excecionais, sendo perfeitamente razoável uma solução excecional para o corrente ano e não havendo nenhum obstáculo constitucional a uma derrogação temporária”, escreveu o ex-deputado do PS no final de junho, no blogue Causa Nossa. 

 

Uma questão de produtividade

Voltando a Joana Marques Vidal, a ex-PGR deu a sua opinião sobre as férias judiciais, mesmo sem contexto de pandemia: “Sempre defendi que não devia haver férias judiciais, para que os prazos judiciais não fossem interrompidos. Funcionários e judiciais organizavam as suas férias quando entendessem. Mas os advogados estão contra”. 
Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados (OA), concordou com a ex-PGR, mas só quando esta disse que os advogados estão contra o fim das férias judiciais. “Se houvesse redução das férias judiciais, o resultado seria que a esmagadora maioria dos advogados não conseguiria tirar férias”, afirmou Menezes Leitão. Além disso, o bastonário da OA explicou que já houve uma tentativa de reduzir este período de paragem para um mês, “mas percebeu-se que não era sustentável”. 
À sustentabilidade, António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, acrescenta o fator produtividade. E explica: “É como numa fábrica, se quiser manter a linha de produção 12 meses, sempre a funcionar, tem de ter funcionários em excesso para assegurar que continua sempre tudo a funcionar”. Acontece que na Justiça não há recursos suficientes para assegurar sempre a mesma produtividade ao longo do ano, se as férias forem tiradas noutros meses. No futuro, a “questão pode ser discutida, mas é uma questão que vai muito mais longe do que aquilo que estamos a pensar”, defendeu Ventinhas. Sobre uma eventual redução das férias este ano, primeiro o presidente do SMMP diz que “parte-se de um princípio falso que é que na pandemia os tribunais estiveram fechados”. “E do ponto de vista efetivo e processual não vejo que isso trouxesse uma mais valia, porque teríamos de reorganizar todo o serviço que já está organizado”, acrescentou.  
Já fonte do PS, também em resposta ao i, referiu que “a solução para as pendências processuais derivadas dos constrangimentos do sistema judicial durante a fase de confinamento é multidimensional, pelo que é redutor pensar que é solucionável apenas através do encurtamento das férias judiciais”.