António Costa, a justiça e a corrupção


Nos quase seis anos que já leva como primeiro-ministro, o fenómeno da corrupção em Portugal não apenas sobreviveu como cresceu.


O primeiro-ministro, António Costa, fez declarações sobre o caso de Tancos num programa humorístico, infelizmente com pouca graça, declarações que são reveladoras da sua impreparação para o cargo que ocupa. Ou, pior, mostram que a sua posição anterior relativamente ao caso Marquês, de que à política o que é da política e à justiça o que é da justiça, foi a fórmula que encontrou para fugir às suas próprias responsabilidades – não para deixar a justiça funcionar, mas antes a maneira de ignorar a má governação de José Sócrates, a corrupção envolvida e os corruptos potenciais acusados.

Ao dizer, relativamente a uma primeira decisão da justiça sobre o caso de Tancos, que “à política o que é da justiça”, além de uma crítica velada ao funcionamento da justiça, mostra a sua total incompreensão dos deveres políticos e éticos de um primeiro-ministro.

António Costa referiu-se ao caso de Tancos como uma “narrativa” em que o “crime verdadeiramente grave foi recuperar as armas”. Para além de a palavra narrativa ter sido popularizada por José Sócrates e pela sua defesa para desvalorizar as acusações da Procuradoria-Geral da República e os crimes cometidos, isso revela também que António Costa não compreendeu que, na verdade, o roubo das armas não passou de um vulgar furto, enquanto o seu achamento foi um crime muito mais grave que envolveu as Forças Armadas, o Governo e o poder político, configurando um verdadeiro ataque à democracia e às instituições democráticas. Aparentemente, António Costa não deu por isso e, infelizmente, o Presidente da República também não.

O primeiro-ministro não levou em conta, ou desvaloriza, o facto de o seu Governo, através do ministro da Defesa, ter tentado prejudicar a investigação da PGR e ignorado os telefonemas da procuradora Joana Marques Vidal a avisar o ministro da Defesa da existência de abuso de poder da parte da Polícia Judiciária Militar. Ou seja, como ficou demonstrado, o ministro da Defesa escolhido por António Costa escondeu da justiça portuguesa um crime grave, conluiando-se com os criminosos. Aliás, o problema seria sempre o mesmo, envolvendo ou não o ministro da Defesa – trata-se de uma responsabilidade do Governo.

Ao desvalorizar o crime de ocultação da verdade e de encobrimento dos criminosos, o primeiro-ministro revelou várias coisas: (1) como sempre estive convencido, António Costa soube desde o início do que se passava e aceitou uma manobra política do achamento das armas para valorizar a sua governação; (2) a manutenção no Governo e o apoio dado a Azeredo Lopes até o último minuto possível são reveladores, no mínimo, da sua convivência com o crime de ocultação da verdade à justiça e aos portugueses; (3) António Costa revelou com estas últimas declarações a sua posição crítica relativamente ao trabalho da justiça portuguesa de combater a criminalidade e a corrupção em geral, o que só pode ser entendido como ausência de apoio à justiça ou, no mínimo, boa convivência com a corrupção.

Há muito que considero António Costa em tudo semelhante a José Sócrates e um defensor convicto do ex-primeiro–ministro. Há razões para isso: (a) a sua longa convivência com José Sócrates, como amigo pessoal que foi visitá-lo à cadeia; (b) enquanto ministro do mesmo Governo, corresponsável por todos os erros e desmandos cometidos e que conduziram Portugal à bancarrota e a pedir ajuda externa pela terceira vez, sempre com Governos socialistas; (c) a inexistência de qualquer incómodo da parte do PS relativamente a ter como militante um primeiro-ministro acusado de corrupção; (d) o desconhecimento formal dos comportamentos pessoais aberrantes de José Sócrates e o encobrimento político de decisões abusivas do interesse nacional que António Costa não podia desconhecer; (e) a recusa em explicar aos portugueses decisões governativas incompreensíveis, como é o caso do SIRESP. Trata-se de factos, não de opiniões, que apenas os cegos, surdos e mudos militantes do PS podem não querer ver.

Mas não só: nos quase seis anos que António Costa já leva como primeiro-ministro, o fenómeno da corrupção em Portugal não apenas sobreviveu como cresceu, sem que o Governo, os deputados do PS e o próprio partido tenham assumido, ou apoiado, quaisquer medidas sérias para combater esse fenómeno destruidor dos regimes democráticos. Mesmo as próprias regras europeias de combate à corrupção conduzem o Governo de António Costa a arrastar os pés na sua implementação; ou a convivência histórica do PS com os contratos por ajuste direto, que se sabe serem uma das mais importantes vias para a corrupção. Também, como explicar o cerceamento dos meios dados ao Ministério Público e à PJ, nomeadamente nas áreas técnicas, bem como a substituição da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, sem razões conhecidas ou evocadas? São factos bem conhecidos dos portugueses que só podem ser compreendidos pela convivência do PS com o fenómeno da corrupção – aliás, bem visível no número de militantes do PS que, como governantes, autarcas e simples funcionários e dirigentes da administração, são acusados de corrupção, sem quaisquer consequências partidárias e, não poucas vezes, jurídicas.

Por todas estas razões, como outras que o espaço de um jornal não permite, acredito há anos que António Costa é uma outra versão de José Sócrates, com os mesmos tiques e os mesmos truques, a mesma falta de transparência e a mesma recusa em informar a sociedade sobre atos e decisões do Governo, mesmo os mais graves e questionáveis, como a bitola ibérica na ferrovia, a linha circular do metro, o aeroporto do Montijo, o porto do Barreiro, a TAP e, agora, os negócios do lítio e do hidrogénio.

Presentemente, temos meio mundo a tentar obter os estudos feitos com o dinheiro dos contribuintes sobre os investimentos do Estado, como a linha circular do metro, sem o conseguir, e as recusas ou não são explicadas ou são-no através de razões de absolutismo governativo.

Claro que poderá haver muita boa gente que não concorde comigo, mas basta esperar mais algum tempo para ver. Já vivi a mesma história com José Sócrates para ter dúvidas.

 

Empresário
Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”