Adela Cortina. Aporofobia

Adela Cortina. Aporofobia


O conceito, aporofobia, permitiu a criação de um delito criminal específico, bem como deu ensejo a que associações como a Caritas, a Cais, académicos de diferente recorte pudessem tornar visível um fenómeno que se queria escondido e silenciado. Enquanto atitude vital, a aporofobia engloba, aliás, o repúdio para com aqueles que, em cada situação, mesmo…


1. A palavra aporofobia, que significa “a aversão, desprezo ou ódio aos pobres”, foi a palavra do ano em Espanha, em 2017, apesar de utilizada pela primeira vez, no “ABC Cultural”, em 1995, cunhada pela filósofa Adela Cortina, Catedrática de Ética e Filosofia Política na Universidade de Valência, com vasta obra produzida e várias vezes premiada. O conceito, aporofobia, permitiu a criação de um delito criminal específico, bem como deu ensejo a que associações como a Caritas, a Cais, académicos de diferente recorte pudessem tornar visível um fenómeno que se queria escondido e silenciado. Enquanto atitude vital, a aporofobia engloba, aliás, o repúdio para com aqueles que, em cada situação, mesmo que não pobres, se encontram pior situados.

2. Em 2015, registaram-se, oficialmente, 17 delitos por aporofobia, em Espanha. O número tem crescido, sucessivamente, todos os anos, mas conseguir determinar-se que um agente cometeu um delito com este específico móbil nem sempre se afigurará tarefa fácil, seja para a polícia que carece de formação ulterior – com vista a percepcionar/descortinar/identificar tais ocorrências -, quer, mesmo, para o julgador. De aí, uma parte da possível justificação dos números oficiais reduzidos relativamente à ocorrência deste concreto delito (no país vizinho). Dados dos EUA indicam que nos últimos 15 anos, 85% dos agressores de pessoas sem-abrigo tinham menos de 30 anos, e 93% eram homens. Em um estudo realizado durante cerca de meio ano, em meses dos anos 2014 e 2015, em Espanha, com sem-abrigo, 47% dos inquiridos responderam ter já sofrido algum delito relacionado com aporofobia; 60% afirmaram que esses incidentes ocorreram de noite ou de madrugada, enquanto dormiam; em 28,4% dos casos, os agressores eram jovens que estavam em festa; 2/3 das experiências foram presenciadas por outras pessoas; em 68% das situações, as testemunhas nada fizeram; destas, só 2,7% chamaram a polícia; uma percentagem muito escassa de sem-abrigo apresentou queixa. Este último ponto foi motivado pelo facto dos sem-abrigo temerem represálias e entenderem que não adiantaria nada apresentar queixa.

3. A filósofa espanhola, no seu ensaio, buscando sacudir as cascatas de senso comum em que nos vemos envolvidos, começa por nos interrogar: será que existe mesmo uma "aversão natural" ao estrangeiro, ao diferente, ao outro? Em realidade, face aquele que vem de longe, de outra cultura, de outros costumes e hábitos, de outra etnia, de uma cor de pele diversa da que nos é mais comum (observar no nosso dia-a-dia), que frequenta outros templos diferentes daqueles de que nos abeiramos (quando, e se, o fazemos), mas que se dirige para as nossas terras com vista a, durante 15 dias, instalar-se num hotel, frequentar os nossos restaurantes, entrar nos nossos mercados, levar para o seu país de origem o nosso artesanato, o que mais evidenciamos é uma hospitalidade no trato, um entusiasmo no acolhimento, uma vontade de (lhe) agradar e ser prestável, um desejo de que o visitante se sinta confortável, que esteja tão bem como em sua casa. Há, aqui, bem o podemos afirmar, uma verdadeira xenofilia, uma amizade para com o estrangeiro. 

Depois, contudo, há os que vêem de longe, fugindo da miséria, da fome, da guerra, da perseguição étnica ou religiosa, de catástrofes naturais – e a esses, em muitos casos, na melhor das hipóteses, oferecemos-lhes a selva de Calais, um gueto em alguma metrópole.

A questão não parece, pois, ser a do estrangeiro, do diferente, do outro – ainda que, note-se, diversos estudos apontem para uma tensão entre pessoas pertencentes a quadros culturais dissemelhantes (Amartya Sen, em "Identidade e Violência" (Tinta da China, 2007), assinala que os ambientes não homogéneos são os mais dados à criatividade e inovação, têm uma energia que falta onde a diversidade rareia, mas concede que se sente, em tais lugares também, uma tensão latente). 

A questão parece, aqui, residir, pois, claramente, não no estrangeiro, mas no tipo de estrangeiro de que falamos. Neste caso, entre o estrangeiro turista, e o estrangeiro refugiado há, quase sempre, uma diferença fundamental: o dinheiro que cada um deles possui (e, para a nossa sociedade, abismal diferença quanto, aparentemente, ao que cada um "vale" – como que, desta sorte, identificando, e não já distinguindo, essa mesma nossa sociedade, "preço" (d)e "valor").
Enquanto esperamos vir a beneficiar da estadia do estrangeiro turista, no nosso território, tendemos a imaginar nada receber, a não ser aborrecimentos – quando não supomos mesmo pressão sobre os serviços públicos de que dispomos, acréscimo de desemprego, terrorismo a caminho – com o refugiado que chega à nossa beira. Quando, ademais, passamos a configurarmo-nos como, não já economias de mercado mas verdadeiras sociedades de mercado (para me referir à tipologia proposta por Michael Sandel, em "O que o dinheiro não pode comprar" (Presença, 2015), isto é, sociedades em que a lógica mercantil, de lucro aplicada a todas as realidades/esferas da vida, sem excepção, sejam a família, a amizade ou outras que se julgava, e julga, deverem estar a salvo de tal contabilidade e de uma estrita racionalidade de tipo instrumental), a recusa daquele que vemos como incapaz de nos fazer lucrar (alguma coisa) impõe-se com especial força.

Na síntese de Adela Cortina, "é impossível não comparar o acolhimento entusiástico e hospitaleiro com que se recebem os estrangeiros que vêem como turistas, com a rejeição sem misericórdia da onda de estrangeiros pobres. Fecha-se-lhes as portas, levanta-se-lhes muralhas, impede-se que atravessem fronteiras".

4. Quase até aos nossos dias, entendeu-se que a pobreza era um mal, mas um “mal inevitável”; havia a convicção de que “sempre haveria pobres” e que a “pobreza não era causada por nenhuma injustiça social que seria obrigatório remediar”. Efectivamente, a ideia de que a pobreza involuntária tem causas sociais e que o pobre tem direito a ter oportunidade de levar adiante uma vida boa apenas surgirá no final do século XVIII. Até há um par de séculos, a situação geral da humanidade era de pobreza. Depois, com a tecnologia, o emergir do carvão, as forças do mercado, a divisão do trabalho, o parlamentarismo, as teorias do contrato social, a situação altera-se: em nossos dias, “há recursos suficientes para erradicar a fome”. Em síntese, nos últimos 200 a 300 anos, assistimos à passagem do entendimento da pobreza como uma questão (apenas) pessoal ou grupal, a uma outra compreensão que a toma na sua dimensão social.

O imperativo categórico kantiano, a pessoa olhada como fim em si mesmo, seria a melhor expressão do fundamento do direito dos pobres a serem empoderados – e da devida actuação do Estado nesse sentido. Nos seus Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, formulados no ano 2000, a ONU colocou a meta de ausência de pobreza extrema e da fome para o ano de 2015; nos Objectivos do Desenvolvimento para 2030, sobe um patamar nas pretensões: não já o fim da pobreza extrema, mas sim da pobreza tout-court.

Adela Cortina distingue o combate à pobreza, enquanto manifestação da protecção da sociedade (evitar, eliminando ou mitigando a pobreza, problemas de segurança, de coesão social, de delinquência), daquele outro realizado em função da promoção da própria pessoa que passa por uma situação de pobreza. O primeiro Tratado sobre a pobreza surge em 1526, numa altura em que cresciam prodigiosamente o número de pobres, mendigos, mulheres dedicadas à prostituição, feiticeiras e bruxas. Todavia, já 500 anos a.C., Confúcio considerava a pobreza uma das “seis calamidades” que havia que tratar para salvar a ordem social. O “Tratado de Socorro aos Pobres” foi da autoria do humanista Juan Luis Vives, com o objectivo de averiguar o número de pobres, o tipo de pobres existentes, e propor medidas para os aliviar – tudo isto realizado, sempre e em todo o caso, para protecção da sociedade. Naquela segunda década do século XVI, podia ler-se no Tratado: “é coisa vergonhosa, para nós cristãos, a quem nenhuma coisa tanto nos encarrega como a caridade, e só ela creio que nos encarrega, consentir entre nós a cada passo tantos pobres e mendigantes. Para onde quer que coloques os olhos verás mil pobrezas e mil necessidades, mil mãos forçadas a pedir, por pobreza”. Talvez o mais surpreendente nesse livro seja a defesa, nele realizada, de que a luta contra a pobreza não deveria ficar a cargo de instituições caritativas ou da esmola individual, mas sim a cargo dos poderes públicos, nomeadamente os municípios. Para a ensaísta, aqui estará prefigurado, em gérmen, o Estado de Bem-Estar ou Estado Social.

Porém, será necessário esperar até aos anos 60/70 do séc.XX para que medidas anti-pobreza – subida de salários, sistemas de educação, mercados financeiros – permitissem a promoção do pobre. Será só, ou sobretudo, a partir do pós-guerra e muito na década de 60 que da protecção da sociedade se passa à promoção do pobre. É preciso, neste âmbito, não cair em anacronismos e perceber, ainda, que a chave de compreensão do mundo moderno é a era do indivíduo e seus direitos, pelo que, diversamente, não poderíamos pretender que o mundo medieval ou, mesmo, o Renascimento, onde as chaves de leitura eram outras, firmassem sobre a pobreza conclusões que não era possível retirar a partir da sua pré-compreensão do mundo.

A professora de Filosofia sublinha o grande contributo e o carácter pioneiro das religiões monoteístas na luta contra a pobreza: “em realidade, foram as religiões monoteístas – judaísmo, cristianismo e islão – as que colocaram, em primeiro termo, que a pobreza é um problema, e que contribuir para a sua eliminação, partilhando os próprios bens, é um compromisso que se segue com a [para quem tem] fé” (p.137). Essa partilha fazia parte da ortopraxis (a correcta prática do crente). Situando-se numa área cultural muito marcada pela tradição judaico-cristã, a filósofa guia-nos pelas mais conhecidas passagens do Antigo e do Novo Testamentos para concluir, sem dúvidas, que aí se espelha a opção preferencial pelos pobres de que fala a Doutrina Social da Igreja Católica. E mostra como os textos dos Evangelhos inspiraram multidões de revoltas, no mundo medieval, de movimentos cristãos que reclamavam a atenção aos pobres e a purificação da Igreja (com o célebre caso de Thomas Muntzer).

5. As noções religiosas de pecado original, ou o conceito kantiano de mal radical exporiam uma compreensão assente em um cepticismo/pessimismo antropológico que avalizaria a ideia de que estando os humanos predispostos para o/ao egoísmo, a tendência para ir atrás dos bem situados seria algo próprio da natureza humana. A pergunta que se impõe, neste contexto, é, pois, a seguinte: haverá raízes biológicas para rejeitar os pobres? 

A indagação, recorrendo à (investigação realizada na) “ciência-estrela do nosso tempo”, as neurociências, impor-se-á, ainda que principie por uma pergunta muito filosófica sobre a natureza do cérebro: será este uma máquina que responde mecanicamente a um meio, ou um sistema autónomo activo, que faz valorações? (p.69). A Professora de Ética concluirá pela segunda das hipóteses, e registará que há tendências conflituantes no interior do cérebro – é como se estivéssemos perante duas equipas a actuar e negociar entre elas. Animal dissociativo, o humano, quando colocado perante informação que o perturba, coloca-a entre parêntesis; o afã de sobreviver, de controlar o entorno básico, de buscar o familiar, o conhecido, situá-lo-ia na esfera do autointeresse (e daí a aporofobia biológica). E, no entanto, o facto de haver uma predisposição não implica que vá suceder – que a pessoa vá operar – de certo jeito, até porque o cérebro tem uma grande plasticidade e pode reforçar outras tendências evolutivas (p.74): há um lado egoísta, mas também um outro cooperante, no cérebro e na evolução (p.80). O cérebro é bio-social e, portanto, influenciável socialmente (p.81). Ou, na síntese de Rob Riemen, em O regresso da princesa Europa (Bizâncio, 2016, pp.61-62):  “tudo isto me pareceu irritante. Primeiro, a ciência e a tecnologia eram absolvidas quanto ao seu papel na suprema barbárie [holocausto], agora, subitamente, as possibilidades tecnológicas eram equiparadas a uma lei natural à qual não se podia escapar. Isto é não compreender a essência de se ser humano, ou pelo menos da humanidade como é entendida pelo humanismo europeu: a humanidade é livre. Podemos fazer escolhas. É esta a própria essência de ter moralidade, do conhecimento do bem e do mal. O facto de a natureza humana conter muita agressividade e, de todos sermos capazes de homicídio, pilhagem e violação, não significa que tenhamos de aceitar tal agressividade segundo o princípio de que simplesmente nos temos de habituar a ela, é assim que as coisas são e não podemos escapar-lhe. A civilização é precisamente a capacidade de dizer «não»”.

6. A académica lembra o Nietzsche de A Gaia Ciência para escrutinar a ideia, ali expressa, de que nos ajeitamos melhor com a má consciência, do que com a má reputação (se quisermos, preferimos ter a nossa consciência a acusar-nos, do que ter a má opinião dos outros sobre nós). Em assim sendo, se o que for injusto resultar (para nós) vantajoso, provavelmente, fá-lo-emos. Interrogação – perversa ou realista (?) interrogação -, neste âmbito: “e se a consciência moral mais não fosse de que o cálculo prudencial de perceber até onde pode chegar a busca pelo benefício próprio sem provocar a rejeição do corpo social”? (p.85). O triunfo do naturalismo parece impor esta definição, face aquela outra que observava ser a consciência moral uma voz interior, o daimon (de que falava Sócrates). E, se o naturalismo estiver certo, a conclusão derradeira a registar é da impugnação da educação, no sentido em que se questiona como educar sujeitos morais, se carece de sentido formar a sua consciência (?). Durkheim e Jonathan Haidt concordam em considerar Moral (como) tudo o que é fonte de solidariedade, aquilo que força o homem a regular as suas acções por outra coisa que não o seu egoísmo (p.86), sendo que o segundo destes autores propõe, mesmo, uma completa definição: “os sistemas morais são conjuntos (…) de valores, virtudes, normas práticas, identidades, instituições, tecnologias e mecanismos psicológicos evoluídos, que trabalham em conjunto para suprimir ou regular o auto-interesse e fazer sociedades o mais cooperativas possível” (p.86). A moralidade consistira, então, no conjunto de valores, princípios e costumes que levam a controlar o egoísmo e a reforçar a cooperação e solidariedade, em princípio entre os seres humanos mais próximos, paulatinamente também no conjunto da humanidade (p.87). A convivência entre seres egoístas tornar-se-ia inviável, pelo que a moralidade deve ser vista como um produto da selecção natural. Darwin observa, a propósito, que aquilo que nos diferencia dos animais inferiores é o sentido moral ou a consciência. Se entre os humanos e os animais haveria uma coleção de disposições protomorais – reciprocidade, consolo, aversão à iniquidade, empatia, seguimento de regras de conduta reforçadas por terceiros -, “o nosso sentido moral ou a nossa consciência é um sentimento muito complexo: origina-se nos instintos sociais, é conduzido em grande parte pela aprovação dos nossos semelhantes, regido pela razão, o interesse próprio, e, nos últimos tempos, por sentimentos religiosos profundos, e confirmado pela instrução e pelo hábito” (Darwin).Porquê o altruísmo, porquê o gene altruísta (para contrapor ao título de uma obra de Richard Dawkins [O gene egoísta])? Porque vingou o altruísmo, porque foi necessária esta característica para o humano se adaptar e permanecer? Ser altruísta não proporcionará vantagens aos indivíduos dentro de um grupo, mas permitiria a selecção entre grupos, porque os grupos internamente mais solidários/coesos, resistiriam melhor à luta pela sobrevivência. Portanto, não é que um altruísta, isoladamente concebido, adquirisse vantagem sobre um egoísta, na luta pela sobrevivência; é que o humano, necessariamente gregário, vingou porque o seu grupo venceu a batalha e, para a vencer, necessitou (este grupo) da presença de grande altruísmo no seu seio, solidariedade, coesão dos seus membros. O surgimento da consciência moral requer a consciência de que existem as leis do grupo e de que violá-las vai comportar castigos físicos ou espirituais e, em qualquer caso, o desprezo dos companheiros, com a perda da reputação (p.90) – o corarmos, ruborescermos – nomeadamente, em função de uma norma grupal, p.ex. – é algo universal. E único na espécie humana. Assim se afirma, de novo, a reputação como essencial para a sobrevivência (da pessoa); com efeito, a preocupação com o elogio ou crítica alheios é um factor fundamental para desenvolver virtudes sociais (consciência da lei, e vergonha por infringi-la parecem encontrar-se nas origens da consciência do bem e mal moral, p.91).

7. Acontece, porém, que nem sempre as leis do grupo são justas – e, se temos consciência moral, e se a consciência da lei e a vergonha de infringi-la estão na sua origem, então bom seria que a lei, que a regra de grupo, fosse rejeitar condutas aporófobas e, simultaneamente, aposta no empoderamento dos indivíduos. O desprezo deveria dirigir-se à estupidez e ao vício; não à pobreza. Se estas fossem as regras, as crianças poderiam aprendê-las por osmose. Além das leis do grupo poderem ser injustas, não menos relevante, (no grupo) castiga quem pode e não necessariamente quem tem razão (p.91). 

Na explicação naturalista acerca da consciência moral não parece, como pudemos constatar, haver espaço para aquele entendimento que a situa(va) como voz interior que nos diz como devemos agir, sejam quais forem as consequências (p.96). Mas, será que não obriga, ainda hoje, a consciência moral a um ponto de obrigação incondicional que não se submete ao jogo da reputação? A consciência é igual, sem um plus, a “regras da sociedade”? Não existe qualquer dissemelhança entre estas e aquela? A história prova que assim não é: há quem sacrifique a sua comodidade e/ou paz em função de normas que considera mais humanas (agindo motivado pela “lei de Deus”, por uma “lei de humanidade”, ou por uma “lei de autenticidade” tais pessoas não seguem, em dado momento, a regra do grupo). O naturalismo não explica, desta sorte, os criadores morais, os inovadores morais que lançaram propostas superadoras das leis sociais – casos de Jesus de Nazaré, ou de Buda, por exemplo. 

Para Kant, a chave de todo o edifício moral é a auto-obrigação – os deveres para consigo próprio, anote-se, nascem da civilização; não existiam nas sociedades “bárbaras” (pp.97-98). Essa capacidade é a chamada autonomia ou liberdade moral. Força interior que não está ligada à sobrevivência, mas ao desejo de viver bem, de acordo com a lei da própria razão, segundo a lei de Deus, de acordo com o fundo incorruptível da pessoa (p.99). Sem essa obrigação, ficamos sempre à mercê do grupo, da reputação. Nas palavras de Adela Cortina, “educar para a autonomia, educar para forjar uma consciência que se tece através do diálogo e da argumentação e por isso não se deixar alucinar pela força da pressão social nos casos em que essa pressão é arbitrária, continua a ser indispensável para que não se extinga a vida moral” (p.99).