Ensino à distância, distante ou online?

Ensino à distância, distante ou online?


Uma aula presencial desprovida de interação ou debate, focada em detalhes que podem ser perdidos num momento de desatenção, é desmotivadora.


Em consequência das medidas de confinamento tomadas após a chegada da pandemia de covid-19 a Portugal, as escolas, do básico ao superior, sofreram de um dia para o outro uma transformação profunda. Isto obrigou alunos e docentes a adaptarem-se de um ensino presencial tradicional a um ensino remoto, do qual poucos tinham experiência.

Esta situação gerou reflexões sobre o futuro da educação à luz da experiência adquirida, com projeções que vão de uma visão economicista do ensino futuro, explorando a oportunidade de o ensino completamente remoto eliminar despesas diversas e a escola física até aos que temem um mundo distópico em que os jovens são ensinados via internet e em escolas virtuais, passando pelas diversas combinações intermédias destes cenários.

Não creio que qualquer das partes tenha uma visão correta e penso que resultam de uma confusão entre ensino online e ensino à distância. Procurarei aqui expor o que penso ser uma visão mais positiva do futuro da educação no ensino superior, baseada na minha experiência como docente e em abordagens internacionais ao ensino online, e que poderia resumir numa afirmação: ensino online não é ensino distante. Focar-me-ei apenas no ensino superior, que conheço melhor e apresenta características distintas do ensino básico e secundário.

O desenvolvimento do conceito de universidade posterior à Academia de Platão, há 2400 anos, fê-la alternar entre momentos em que foi essencialmente um local de debate e outros em que serviu apenas de exposição da matéria pelos professores. Em décadas recentes, parcialmente coincidindo com a disponibilização crescente de material de ensino online, em particular dos massive open online courses (MOOC), assiste-se a um fenómeno relacionado com esta dialética entre conceitos de universidade: o crescente afastamento dos estudantes do ensino superior das aulas expositivas, em que o professor “explica” a matéria, com pouca ou nenhuma interação. Este fenómeno não tem explicações fáceis, já que parece depender de inúmeros fatores: a forma como o professor ensina, o seu grau de interação e capacidade de motivar os alunos, o tipo de matéria lecionada e/ou o período do ano (por exemplo, o maior decréscimo costuma registar-se após os primeiros testes intercalares do semestre). Mas a verdade é que isto acontece com cada vez mais disciplinas e com professores com os quais não acontecia há 10-20 anos.

Uma possível explicação para esta situação é hoje relativamente clara. Uma aula presencial desprovida de interação ou debate, focada em detalhes que podem ser perdidos num momento de desatenção, levando à incapacidade subsequente de seguir a matéria, é desmotivadora. Já uma aula gravada em vídeo realizado profissionalmente, lecionada por um professor particularmente dotado pedagogicamente, ilustrada por materiais gráficos bem conseguidos e que pode ser consultada, interrompida ou revista no local e momento mais adequados para o aluno, apresenta vantagens evidentes.

Será então passar para um ensino completamente à distância a solução? Claramente, não! Ambas as alternativas acima falham a componente de interação e debate. A virtude do ensino online não está em transformar uma aula presencial expositiva noutra aula remota mas também expositiva e igualmente desmotivadora, com a agravante de reduzir a interação. Mas ele permite que os alunos estudem os detalhes das matérias através de materiais de ensino modernos, assincronamente, em momentos intercalados com o ensino presencial, em que os professores expõem de forma motivadora e abrangente os assuntos envolvidos, promovendo o seu debate. A presença na universidade é também o momento do esclarecimento das dúvidas decorrentes do estudo online, do contacto com laboratórios e equipamento físico e da execução de projetos em grupo, atividades que requerem a socialização e a presença físicas, mediadas pelos professores.

A crítica ao estudo “olhando para o ecrã” faz supor que muitos dos que agora criticam o uso de materiais digitais de ensino seriam os mesmos que, no séc. xv, criticariam o aparecimento da imprensa de Gutenberg. Os novos textos escritos em papel provavelmente desviaram a maioria dos alunos da aprendizagem por transmissão oral para, assim como fazem agora com o seu computador ou tablet, “passarem a vida com o nariz virado para os livros”. Esta mudança não é menor e instituições de referência internacional consideram mesmo que o ensino presencial é tão importante que não devemos desperdiçá-lo em aulas de sentido único.

Há um risco de aproveitamento social e económico de quem apenas quer poupar fundos com a educação que deve ser combatido. Mas há um risco ainda maior de, aos poucos, a educação séria e profunda perder gerações de jovens cada vez mais habituados a um meio envolvente rico em imagens, meios audiovisuais e informáticos e disponibilidade massiva de informação online, que consultam sem mediação nem supervisão. O objetivo último deve ser transmitir conhecimento, não avaliar se foi apreendido. Para isso é preciso sermos melhores: a expor a matéria, a criar materiais para a tornar mais compreensível (livros, textos escritos, mas também vídeos e materiais online) e motivadora.

Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa