Pedro Lima, 49 anos, ator, ex-manequim e antigo atleta olímpico. Pai de cinco filhos, companheiro da ceramista Anna Westerlund há perto de 20 anos, adepto de uma vida ativa e do desporto, sendo conhecido como um surfista dedicado. Colega simpático, descrito como um ator exigente consigo e disponível para os demais, teve uma carreira que se espraiou pelo teatro, pelo cinema e, principalmente, pela televisão.
É o retrato de um homem realizado, que parece não coincidir com o do homem que, num ato de desespero, terá posto fim à própria vida na manhã de sábado, na praia do Abano, em Cascais. Mas são a mesma pessoa. Após ter sido noticiado que o corpo do ator tinha sido encontrado na linha de água deste local, a Capitania do Porto de Cascais deu a entender que se teria tratado de um suicídio. O capitão Rui Teixeira disse à comunicação social, por volta da hora de almoço de sábado, que o ator tinha enviado duas mensagens de despedida a dois amigos, pelas 6h58. Mais tarde, em comunicado, a Autoridade Marítima Nacional não se referiu a estas declarações, explicando apenas que, depois de receberem o alerta pelas 8h20 de sábado, elementos da Polícia Marítima, da Estação Salva-vidas de Cascais e dos Bombeiros Voluntários de Alcabideche localizaram o corpo pelas 10h20. A Polícia Judiciária foi também chamada ao local e o corpo do ator foi enviado para o Gabinete Médico-Legal da Guia, em Cascais, onde vai ser autopsiado.
As circunstâncias da morte de Pedro Lima vão agora ser investigadas, mas a hipótese de suicídio parece ganhar terreno sobre todas as outras, devido a lacerações que terão sido autoinfligidas.
Uma tragédia individual e social As redes sociais encheram-se com uma onda de consternação pela morte do ator, potenciada pela provável causa de morte – um fenómeno semelhante ao que se tinha evidenciado com o suicídio de Anthony Bourdain. E se há aspetos gerais desta tomada de decisão que têm os mesmos contornos para pessoas sem visibilidade ou para as chamadas figuras públicas, há outros que são distintos.
O psicólogo Jorge Gravanita lembra que “o suicídio é sempre um sintoma extremo de um mal-estar individual, é uma passagem ao ato também individual. Em termos da subjetividade de cada um, neste caso da pessoa que o comete, diria que é bocadinho indiscernível porque não temos os dados todos, nem a própria pessoa tem quando o comete”, começa por contextualizar. Ainda assim, a passagem ao ato acaba por ser “uma saída de uma situação com a qual a pessoa não pode lidar”.
Falando em traços gerais, Gravanita recorda que, na maioria dos casos com estes contornos, o desespero é o sentimento predominante. “Tirando os casos em que é um ato vingativo ou terrorista, que penso não se tratar nesta situação, o mais comum é ser um ato de desespero”, nota. Mas se, por um lado, esta é uma “situação de desespero que tem uma componente subjetiva, individual”, por outro, o psicólogo afirma que esta tragédia se trata de “um sinal que vai para além do individual”. E tal está relacionado com o facto de estar em causa uma pessoa que tem “uma carreira de sucesso, tem visibilidade, tem um conjunto de realizações”. “Não se trata de uma situação de uma pessoa em que o desespero tenha surgido por causa de uma incapacidade ou por uma menor adaptação. É uma pessoa com sucesso, que corresponde ao padrão daquilo a que nós gostaríamos de chegar no sentido do reconhecimento público, da visibilidade, das performances em vários planos, desde o plano artístico ao plano social e familiar”, afirma o psicólogo. “Por isso, para mim, este suicídio tem uma importância de relevo e precisa de ser pensado – como outros – como um sintoma social também. Isto no sentido de alguma coisa que entrou em colapso, falando daquilo que representa, e, nesse sentido, também é um risco”.
Potencial mimético Aqui chegados, Jorge Gravanita levanta, então, essa outra questão. Tratando-se de uma personalidade conhecida e acarinhada, há o risco de a tragédia pessoal do ator poder influenciar a decisão de outras pessoas mais suscetíveis que já se encontrem de momento num processo autodestrutivo ou que lidem com depressões ou outro tipo de doenças mentais?
Tal já aconteceu, por exemplo, após a morte de Robin Williams. O ator, que lutava contra uma depressão profunda, suicidou-se a 11 de agosto de 2014. A partir dessa data e até dezembro desse ano, o número de suicídios aumentou 10%, segundo um estudo publicado na Public Library of Science. De acordo com a investigação, a atenção mediática dispensada à morte de Williams poderá ter levado 1841 pessoas a porem fim às suas próprias vidas. “Embora não possamos determinar com certeza que essas mortes foram motivadas pela morte de Robin Williams, detetámos um rápido aumento de suicídios em agosto de 2014”, nota o estudo.
Hoje, para além dos meios de comunicação, as redes sociais têm ainda mais seguidores e impacto do que em 2014, e é também devido a esta circunstância que Jorge Gravanita deteta a possibilidade de imitação. “Sendo uma pessoa que tem um grau de visibilidade ao nível nacional, nestas situações há muitas vezes um risco de contágio da passagem ao ato”, indica. “Os riscos são maiores para pessoas mais suscetíveis porque pode haver um fenómeno de identificação. Diria que há aqui um fenómeno que tem um certo potencial mimético. E esse é o mundo dos fenómenos que hoje prevalecem. Prevalecem pelo mediatismo, pela dimensão virtual e pela forma como isto se propaga nas redes e imagens”, afirma.
O psicólogo traça, assim, dois comportamentos a assimilar nestas situações. “Há que falar e refletir sobre isso, também em família. Não propriamente fazer de conta que isto não nos afeta”, começa por sugerir. Por outro lado, “há que perceber o que estávamos a negligenciar, perceber que estamos a falar uns com os outros no cuidado e na proximidade e até que ponto é que estamos a privilegiar a imagem e a necessidade de manter essa imagem”, lembra.
E no caso destas figuras públicas, esta dimensão pode ter ainda camadas. “Isto é válido para pessoas comuns e figuras de sucesso, mas também é válido para a pessoa consigo própria. E depois há a relação da pessoa com a sua própria imagem, de um homem que atinge um patamar de sucesso e de performance muito elevado, e depois é difícil lidar com a crise”, continua Gravanita. “Mas quanto mais é necessário sustentar uma imagem pública, mais difícil é lidar com o lado depressivo, o lado do desgaste, o lado da perda. Não sabemos que perdas serão essas, mas serão certamente significativas”.
Pedro Lima tinha, aparentemente, uma vida idílica – assim como Anthony Bourdain ou Robin Williams. O que nos diz a tragédia pessoal destas personalidades? Jorge Gravanita faz a sua leitura: “Se é que podemos aprender algo com estas tragédias, no sentido de não ser só uma perda e de perceber onde falhámos como sociedade, a minha leitura é de que estamos a admirar estas pessoas, a dedicar tempo a ver as coisas extraordinárias que fazem, mas não estamos a cuidar delas enquanto seres humanos”.
E, no final de contas, o campo de batalha é o mesmo. “Construímos uma sociedade em que a maior parte de nós trabalhamos para a construção de uma imagem de sucesso que, num determinado momento, vai colapsar. De facto, nós não estamos, em geral, muito saudáveis. As pessoas estão bastante fragilizadas”, afirma o psicólogo. Urge, portanto, cuidar da saúde mental – individual e coletiva. O suicídio, depois dos acidentes de viação, é a maior causa de morte entre os jovens, lembra Jorge Gravanita.
Linhas de apoio
Linha SOS Voz Amiga – Apoio emocional e prevenção do suicídio
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