No dia de celebrar Portugal, perdi alguns minutos a refletir sobre um dos momentos mais marcantes da nossa história contemporânea. No verão de 2014 assistimos incrédulos à queda do Banco Espírito Santo (BES), um símbolo com 145 anos, cuja influência ia muito mais para além da atividade bancária. Nesse verão abriu-se a Caixa de Pandora da mitologia portuguesa, em que tantos “deuses” da gestão e da política se perderam em desgraça.
Na noite de 3 de agosto de 2014, o governador do Banco de Portugal anunciou uma medida de resolução, algo nunca antes visto, para que a generalidade da atividade e do património do BES fosse transferida para um banco novo. Quase 6 anos e 6 000 milhões de euros (públicos) depois, o nevoeiro que se abateu sobre o sistema financeiro ainda não se dissipou. Ainda há poucas semanas se debatia uma injeção adicional de capital por parte do Estado. Os lesados do BES continuam estoicamente a lutar na justiça, na tentativa de recuperar parte do dinheiro perdido.
Um acontecimento desta dimensão despertará inevitavelmente a curiosidade de historiadores. Muitos investigarão o processo de aprendizagem das nossas instituições com os erros cometidos no BES. A história da economia portuguesa é recheada de períodos longos de evoluções letárgicas em redor do status quo, interrompidos por acontecimentos marcantes que desencadearam mudanças estruturais. Mas será que o caso BES, como marcante que é, resultou numa mudança dos modelos de governo e supervisão das instituições financeiras em Portugal?
Para a História ficará certamente a Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão do BES e do Grupo Espírito Santo. Digo-o sem qualquer tom jocoso. Depois de 55 audições e 270 horas de emissão no Canal Parlamento, esta comissão produziu um relatório não menos impressionante. Tendo em atenção os factos apurados, o relatório contém 70 recomendações e ações com vista à melhoria do sistema financeiro, divididas em quatro vertentes: (i) Criação de uma Cultura de Exigência; (ii) Remoção de Conflitos de Interesses; (iii) Acesso, Clareza, Transparência e Partilha de Informação; e (iv) Reforço da Articulação e Coordenação. A acrescer a essas recomendações, há as emitidas pelo grupo de trabalho constituído pelo Banco de Portugal para analisar “os modelos e as práticas de governo, de controlo e de auditoria das instituições financeiras”.
A natureza preventiva das 70 recomendações da comissão parlamentar de inquérito é inequívoca, ao expressar que estas procuram “prevenir a ocorrência de problemas idênticos aos sucedidos em torno do BES e outras entidades bancárias”.
A comissão foi ainda mais longe, ao assumir que a concretização de tais recomendações “depende da mobilização de um conjunto alargado de pessoas e entidades, na certeza de que o Parlamento não deixará de tirar daí as suas próprias ilações, convertidas em iniciativas nomeadamente em termos de evolução legislativa”.
Na perspetiva do cidadão comum, tudo faz crer que a comissão parlamentar de inquérito tenha lançado a primeira pedra da empreitada da mudança. O caderno de encargos é ambicioso e mobiliza várias frentes e instituições, incluindo o Banco de Portugal que já tinha iniciado a sua análise do problema. Contudo, quase seis anos volvidos desde a medida de resolução do BES, desconhecem-se, de uma forma transparente, quais as medidas tomadas pelas diversas instituições na sequência das 70 recomendações.
O trabalho exaustivo desta comissão é demasiado valioso para morrer num relatório. A História assim o dirá. Pelo bem da democracia portuguesa, caberá à Assembleia da República, mais cedo ou mais tarde, avaliar o progresso feito das suas próprias recomendações e, caso estas não tenham sido implementadas e ainda sejam válidas, desencadear as iniciativas legislativas que daí advenham.
Por acreditar que todos os cidadãos portugueses têm uma palavra a dizer sobre essa empreitada, submeti uma petição pública dirigida ao Presidente da Assembleia da República a propor esse acompanhamento. Um ato simbólico, mas recheado de esperança, a que pode aderir aqui.