Em Portugal é já indisfarçável a total falência do Código Penal vigente. O mundo e a vida mudam diariamente a uma velocidade alucinante que, não se coaduna com a fossilização das leis. Se, de uma forma geral, mal ou bem, se mudam e se criam leis civis, laborais, empresariais, comerciais, financeiras, administrativas e fiscais, por que razão não se há-de discutir e mudar também a lei penal, designadamente, no que à moldura das penas e sua finalidade diz respeito?
É evidente que não será, necessariamente, de forma populista e meramente oportunista com que alguns gostam de se fazer notar na cena política, com propostas 'ad hoc' ao sabor do vento e do momento, principalmente, na área da Justiça e, em particular, sempre que ocorre um tipo qualquer de crime concreto e hediondo, que se fará esse debate… Não será, com toda a certeza, aos gritos e em histeria medieval, colectiva e orquestrada – pedido prisão perpétua, castração química e, num destes dias (porque não?) a pena de morte, com a qual, de resto, muitos desses novos bárbaros estão de acordo e ansiosos por vê-la aplicada em Portugal, nomeadamente a uma certa tipologia de pessoas que pratiquem determinado crime – que se discutirá seriamente este mesmo assunto.
Mas, por outro lado, também não se pode fazer de conta que tudo nesta matéria está perfeito e, porquanto, nada há a discutir nem a modificar.
Se não estou de acordo com o que pretendem fazer determinadas aves de rapina da política nacional em matéria de justiça penal, não posso também concordar minimamente com a posição de avestruz que a maioria do poder político vem assumindo ao longo de todos estes anos.
Há um problema sério em Portugal com a medida das penas em Direito Penal que é preciso avaliar, discutir e resolver, retirando-se para o efeito da equação o ruído profundamente oportunista de quem não nos merece qualquer tipo de credibilidade política, científica e social.
Temos no nosso país cada vez mais casos de crimes financeiros que envolvem o poder político e até o poder judiciário em processos lamentáveis de corrupção que duram tempos sem fim a resolver, destruindo o próprio Estado e ferindo de morte toda a credibilidade política no sistema, ao mesmo tempo que 'condenam' o povo à miserável e eterna necessidade de pagar a conta dessa destruição permanente, enquanto pouco ou nada acontece aos respectivos prevaricadores.
Temos também cada vez mais casos de crimes violentos contra a pessoa humana, levados-a-cabo por gente de todas as raças, credos e estratos sociais, um pouco por todo o território nacional e em idades jovens e menos jovens. Gente que comete os crimes mais graves e repugnantes devidamente censurados pela sociedade e punidos criminal e constitucionalmente – alguns deles praticados de forma surpreendente quanto inacreditável, ultrapassando mesmo em requintes de malvadez a própria ficção e com uma cadência visivelmente crescente, o que não pode deixar de ser incompreensível e estranho – e que, perante um cúmulo jurídico de apenas 25 anos de prisão efectiva, torna Portugal num verdadeiro "paraíso penal".
E tanto mais é "paradisíaco" o nosso sistema penal, quanto injusto. Pois a diferença de tempo de prisão efectiva que os reclusos condenados pela prática dos mais variados crimes previstos e punidos pela lei criminal torna-se desproporcionada e, nalguns casos, ridícula na inevitável comparação entre si… E esse sentimento corrói a própria noção de justiça e dá azo à sanguinária sede de vingança, conscientemente explorada e intencionalmente confundida por quem quer ver respostas formas punitivas igualmente inaceitáveis num Estado de Direito democrático, moderno e centrado na pessoa humana.
Façamos, pois, a discussão em torno dos fins das penas que, como aprendemos nas Faculdades de Direito, é um tema que nunca se esgota, por ser recorrente e acompanhar sempre toda e qualquer boa reflexão a respeito da estrutura e da evolução do próprio sistema jurídico-penal.
Sendo certo que, quanto à finalidade ou fins das penas, quase ninguém defende nem pretende repor as teorias absolutas de Kant como única regra, onde a moldura penal é o que se queira incluindo a morte: "pune-se porque se tem de punir, como uma exigência ética natural de justiça, anterior a qualquer ordenamento jurídico positivo e a qualquer opção política concreta, e não para prosseguir algum interesse ou utilidade social.". Fará, contudo, sentido entender como correctas e actuais as teorias relativas, especialmente a da prevenção geral positiva ou de integração que norteia o nosso ordenamento jurídico-penal? Ou seria preferível optar por dar maior relevância à teoria da prevenção geral negativa ou de intimidação, em que a pena funciona como exemplo que pretende dissuadir (intimidando) os potenciais criminosos?
Não estou certo que seja com a prisão perpétua que as coisas possam efectivamente mudar para melhor, mas é perfeitamente verosímil que uma moldura penal consideravelmente aumentada poderá voltar a ter uma função dissuasora da prática de determinado crime, o que é algo desejável, uma vez que, é uma evidência quase "a vérité de la Palisse" que a teoria humanista da ressocialização das penas falhou redondamente!
Nesse sentido, bastaria, sem prejuízo de ver aumentada a pena máxima de 25 anos que é atribuída ao crime de homicídio qualificado, de não haver cúmulo jurídico pela prática de determinados crimes, o que faria disparar a pena em muitos dos casos julgados para 40, 50 ou 60 anos de prisão efectiva. Tendo em conta a idade do autor acusado e condenado, pode significar, no limite, prisão até ao final da sua vida.
Este é, pois, um assunto que deve merecer toda a nossa atenção, respeito e dedicação, com a finalidade de se alcançar um modelo melhor que promova um sentimento generalizado na sociedade portuguesa da existência de uma efectiva Justiça, sob pena das coisas um dia se descontrolarem de forma perigosa e eventualmente irreversível…
Nota: A Lei é geral e abstracta e nunca pode ser feita para um caso concreto, visando um indivíduo determinado, pese embora, se aplique no futuro aos demais casos análogos. Nesse sentido, apresentar um projecto-lei de revisão de penas no âmbito do Direito Penal ao qual se atribui um nome de uma vítima é, a todos os títulos, populista, sensacionalista e absolutamente demagógico. É, aliás, uma verdadeira ofensa à integridade física da própria Lei enquanto ferramenta essencial do Estado de Direito, o que, vindo de alguém com conhecimento e currículo académico em Direito, revela especial censurabilidade!
Jurista.
Escreve de acordo com a antiga ortografia.