Os novos processos colaborativos  da indústria em Portugal

Os novos processos colaborativos da indústria em Portugal


Para um grande número de empresas não vivemos ainda o tempo das fábricas do futuro, onde as pessoas controlam a partir dos seus computadores todos os sistemas produtivos.


No dia em que me sentei para escrever este pequeno contributo, a minha perspetiva do mundo mudou por completo. Tudo o que julgava estar garantido alterou-se com o decorrer dos dias. Subitamente, as nossas prioridades alteraram-se e, à medida que cada hora passava, a preocupação com o futuro crescia significativamente. Passaram exatamente três semanas desde que os planos de contingência tomaram conta das nossas vidas e, desde aí, fomos literalmente engolidos para uma realidade que não é mais do que aquela que congregava o conjunto de “chavões” tecnológicos que tínhamos vindo a apregoar desde há alguns anos a esta parte e que nos iria unir a todos no chamado mundo digital.

A digitalização da nossa sociedade chegou mais cedo. O primeiro setor a entrar de imediato no sistema foi o ensino superior. Milhares de alunos reúnem-se hoje em salas de aula digitais, iniciando desde logo aquele que será um movimento de aprendizagem que muito dificilmente voltará a ser como dantes. De seguida vieram os serviços. Em torno da palavra teletrabalho, as organizações prepararam-se e enviaram para casa um número muito expressivo de pessoas que, em apenas duas semanas, montaram verdadeiros centros de operações digitais. Todos os meios existentes no mercado das novas tecnologias foram imediatamente colocados a uso, evidenciando de forma inequívoca que não há operações impossíveis. Ainda assim, há uma curva de aprendizagem que pode ser mais difícil de concretizar à medida que o tipo de trabalho se aproxima de procedimentos de trabalho em que a sofisticação dos meios envolvidos implica, por exemplo, requisitos de segurança, validação e confirmação de informação.

No entanto, tal como temíamos, existe uma parte significativa da indústria que está a ter muito mais dificuldade em adaptar-se a esta nova realidade. O facto de trabalharmos à distância não nos permite o contacto direto com equipamentos e meios produtivos que são, ainda hoje, necessários para concretizarmos a grande maioria das operações envolvidas nos processos de exploração e transformação de materiais e produtos. Para um grande número de empresas não vivemos ainda o tempo das fábricas do futuro, onde as pessoas controlam a partir dos seus computadores todos os sistemas produtivos e em que, em vez do operador local da linha, temos um operador remoto do sistema. E como será possível implementar esta nova realidade no caso de indústrias onde o resultado final da produção depende do uso de matérias-primas em que o acesso ao território é o princípio de toda a cadeia de valor?

Em 2020, a estratégia associada à digitalização está a sofrer uma nova mudança de paradigma, de que ainda desconhecemos todas as implicações. O desenvolvimento de novas soluções tecnológicas para tornar a indústria menos dependente da ação direta do homem sobre a máquina vai passar obrigatoriamente pelo estabelecimento de novos processos colaborativos entre os diversos elementos da cadeia que transformam o conhecimento em inovação, de onde resultam novos produtos de valor acrescentado para a economia e a sociedade.

Apesar de tudo, este processo já começou. Um exemplo claro é aquele que partiu da iniciativa da Câmara Municipal de Sintra (CMS) relativamente à indústria residente no respetivo concelho. Após consolidar algumas atividades promovidas pelo seu conselho empresarial (destacando-se, em outubro de 2018, o Congresso Sintra Economia 20/30), iniciou um processo de investimento em iniciativas e apoio a projetos que permitem promover de forma consistente o desenvolvimento destes novos processos colaborativos em algumas indústrias de charneira (destacando-se a transformação em pedra natural, metalomecânica, máquinas e equipamentos e farmacêutica). Para concretizar estas ações, a CMS tem incentivado alguns estabelecimentos universitários a promoverem protocolos para colaboração com o tecido industrial na implementação de atividades que permitam incrementar a transferência de conhecimento e implementar, tão rapidamente quanto possível, a mudança de paradigma de que o país (e o mundo) tanto precisa.

O Instituto Superior Técnico, cuja tradição de colaboração com os municípios onde possui atualmente as suas operações será fortemente incrementada nos próximos anos, tem o orgulho de estar desde a primeira hora associado a esta iniciativa inovadora, a qual conta já com a total colaboração da indústria nacional e suas principais associações industriais e de inovação (associadas à fileira dos recursos minerais).

Ao fim de três semanas, e com o mundo a mudar todos os dias de forma imparável, constato que os nossos alicerces associados ao conhecimento científico e tecnológico, bem como à forte capacidade de trabalhar em colaboração, nos vão permitir contribuir para mantermos a trajetória que nos mantém o rumo há quase 110 anos, desde a criação do Instituto Superior Técnico.

 

Vice-presidente do IST

Professor do Departamento de Engenharia Mecânica

Direção da AITPN – Projeto StoneCITI