Há muito que as aplicações Uber, Bolt e Kapten detetaram esquemas de motoristas que têm o objetivo de subverter as regras, mas os problemas no serviço prestado junto ao Aeroporto de Lisboa têm vindo a tornar-se cada vez mais comuns. Em muitos casos os motoristas ligam para o passageiro a questionar qual o seu destino e rejeitam o serviço se se tratar de uma viagem curta – isto em aplicações como a Bolt e a Kapten, que só revelam o destino ao condutor quando o cliente entra no carro. No caso da Uber, que disponibiliza essa informação assim que o serviço é aceite pelo motorista, nem precisam de fazer o telefonema para cancelar o serviço. Em alguns casos os clientes ficam mais de 40 minutos à espera, enquanto os motoristas vão passando a batata quente – a viagem curta – para os colegas.
Confrontada pelo i, a Bolt confirma que já conhece o problema e aconselha os clientes a não dizerem para onde vão se forem contactados. Já a Kapten explica que o aumento desses comportamentos por parte dos condutores se deve à política de restrições de entradas de veículos nas partidas do Aeroporto Humberto Delgado – único local em que os motoristas de TVDE (transporte de passageiros em veículos descaracterizados) podem deixar e recolher passageiros.
Do lado da ANA Aeroportos de Portugal, foi ontem dada a garantia de que há abertura para receber as plataformas e que já está a ser feita uma intervenção para melhorar a circulação de veículos nas partidas.
Hoje, tal como acontece com as viaturas particulares, cada TVDE só pode entrar uma vez por dia de forma gratuita no parque do kiss and fly (partidas), não podendo demorar mais do que 10 minutos. Todos os minutos para lá desse limite e as entradas posteriores são pagas. E os preços não são acessíveis.
Motoristas ouvidos pelo i confessam que o esquema é conhecido e que há muitos que o seguem porque em determinados serviços seria “quase pagar para trabalhar”. Queixam-se da falta de alternativas para recolher e deixar pessoas na principal porta de entrada da capital portuguesa e alguns, que discordam da atitude dos colegas, estão já preocupados com as consequências para a sua reputação: “Qualquer dia parecemos aqueles taxistas que faziam aqueles esquemas há uns anos”.
Punição para os motoristas
A Bolt diz estar atenta aos problemas com o serviço prestado junto ao Aeroporto de Lisboa e explica que sempre que tiver conhecimento haverá consequências para os motoristas: “Estamos atentos a esta questão e sabemos que estas situações acontecem. Quando detetamos uma situação deste tipo ou quando o cliente faz uma queixa, em função do contexto, agimos imediatamente sobre o motorista, podendo levar ao bloqueio temporário ou até permanente da plataforma”. Punições que já ocorreram.
Confrontada pelo i com o esquema da chamada telefónica para questionar o destino, a empresa atestou que “é sem dúvida uma prática que vai contra os termos e condições de funcionamento da aplicação”, acrescentando que tem “feito o possível para agir sobre todas estas situações”.
“Se viagem for cancelada pelo motorista, em que este não tem razão, e o cliente for cobrado, compensamos imediatamente o cliente, seja através do reembolso, seja através de códigos promocionais para usarem na aplicação”, conclui a Bolt, alertando os clientes para não dizerem qual o seu destino se forem contactados.
Compensar os condutores
Sérgio Pereira, diretor geral da Kapten em Portugal, explica que “recentemente foi feita uma alteração aos custos e limites de entradas no estacionamento kiss and fly, que é onde em princípio os TVDE deveriam deixar e recolher passageiros”.
O responsável assegura ainda que, tendo em conta os problemas, a Kapten “há já vários meses enviou uma carta para a Ana e para os aeroportos a solicitar uma revisão a esta situação e/ou uma identificação de um outro espaço que fosse dedicado aos TVDE, como já existe em muitos dos outros aeroportos europeus”.
“Os TVDE fazem parte da mobilidade necessária para Lisboa, para o turismo, já não há dúvidas em relação a isso e esta medida apenas veio dificultar o acesso dos TVDE”, disse, frisando que o intensificar de esquemas para fintar viagens curtas tem a ver com isso.
Sérgio Pereira acrescenta que a Kapten “está a oferecer um bónus adicional, a tentar compensar os motoristas quando é solicitada uma recolha no aeroporto”. Dinheiro, diz, que não é cobrado ao cliente e visa “diminuir a fricção e constrangimento que existe entre motoristas, plataformas e clientes”. Mas não fecha a porta a alterações que possam vir a pesar no bolso dos clientes: “Temos de olhar para os números e aumentar, porventura, o valor base do aeroporto, não sei. Queremos tentar não ter cancelamentos”.
A Kapten, ao contrário da Bolt, diz que os clientes que forem questionados pelo condutor devem “gerir essa situação, essa conversa, tendo em conta esta situação, que é sem dúvida prejudicial para o rendimento do motorista”.
A empresa deixou ainda a garantia ao i de que irá rapidamente resolver esta situação, para evitar “este tipo de chamadas”. Quanto a esperas de 40 minutos, a plataforma diz não serem aceitáveis, lembrando que a sua média em Lisboa é de 4 minutos: “Queremos que seja essa a nossa média de serviços. Iremos possivelmente rever as condições, inclusivamente em termos de custo para o cliente, que não seria o percurso a percorrer se tivéssemos tido resposta à carta enviada para o aeroporto. Não temos outra solução que não resolver por nós”.
A Kapten diz ainda que os problemas – cuja incidência afirma ser menor entre os seus motoristas por força do bónus – não são tão alarmantes no Aeroporto do Porto, dado as viagens serem por norma mais longas.
Partidas sofrem alterações
A ANA Aeroportos de Portugal está também atenta à situação, ainda que não confirme qualquer contacto da Kapten. “Não confirmamos receção de carta, mas temos obviamente disponibilidade para reunir com todos os parceiros”, começou por esclarecer ontem ao i fonte oficial, revelando que haverá novidades para breve: “Estamos a desenvolver uma intervenção no kiss and fly para melhoria da eficácia na circulação de viaturas e maior comodidade dos passageiros que o utilizem”.
A ANA detalha que “atualmente o kiss and fly oferece os primeiros 10 minutos gratuitos, numa primeira entrada” e conclui, avançando que estão a ser analisadas “novas áreas de modo a optimizar o estacionamento”.
Questionada ao início da tarde de ontem, através da empresa que faz a sua comunicação em Portugal, a Uber foi a única plataforma a não enviar até à hora de fecho desta edição qualquer resposta.