Assinala-se hoje, 9 de Dezembro, o dia internacional contra a corrupção.
Foi neste dia que, no ano de 2003, na cidade mexicana de Mérida, a ONU criou e disponibilizou para assinatura pelos Estados a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. O simbolismo próprio do momento, associado ao potencial que os propósitos do documento representava e à força que se pretendia imprimir às medidas nele identificadas, levou a que essa data passasse a constar da agenda internacional com o dia contra a corrupção.
Através desse documento, que Portugal ratificou e adotou apenas em 2007, assumiu-se formalmente, pela primeira vez, que a corrupção é um problema grave, que está transversalmente presente em todos os países do mundo – e não apenas nos mais pobres e subdesenvolvidos, como durante muito tempo se acreditou –. Que é um problema que afecta o clima de confiança sobre as instituições. Que mina a validade dos valores em torno dos quais se alicerça a coesão social. Que enfraquece a estabilidade e a segurança das sociedades. Enfim, que destrói a ética, a integridade, a justiça e no limite a própria democracia.
A corrupção “compromete o desenvolvimento sustentável do Estado de Direito”, lê-se logo no início da nota preambular do documento.
Perante a assumpção do problema com um carácter global, o documento propõe um conjunto de medidas concretas a observar pelos Estados no sentido de poderem operar, internamente, e também sobretudo num plano externo ou internacional – pautado por um contexto de plena, inevitável e incontornável globalização –, um controlo mais eficaz da corrupção e, por essa via, de todos os efeitos nefastos que reconhecidamente tendem a estar-lhe associados.
Por isso aposta muito em medidas de cooperação internacional e de entreajuda entre os países e entre os próprios continentes, apelando inclusivamente para o aproveitamento das dinâmicas das organizações internacionais já existentes nos diversos continentes.
Contam-se entre as medidas propostas, a criação de instrumentos normativos de âmbito penal mais específico, a par de instituições de controlo também mais especializadas, que, no seu conjunto, permitam uma prevenção e punição mais eficaz sobre os diversos actos que prejudiquem a gestão pública. Nomeadamente quando traduzam a negação da satisfação do interesse geral por sobreposição de outro tipo de interesses, com uma natureza mais particular, incluindo todas as formas de corrupção, de abuso de poderes públicos e de peculato. As medidas propostas incluem também os necessários cuidados preventivos e punitivos sobre o branqueamento de capitais.
São igualmente propostas medidas de controlo com um potencial e um carácter mais assertivo, como a existência de regimes de protecção de denunciantes e testemunhas, a possibilidade da realização de apreensões e arrestos preventivos de bens móveis e imóveis, incluindo nas fases de investigação criminal, bem como do correspondente confisco sempre que se confirme que resultaram de prática desta tipologia de crimes, ou que foram simplesmente adquiridos com verbas que eles propiciaram.
Por outro lado e num plano mais próximo da gestão pública, a convenção apela para a necessidade de os Estados adoptarem medidas que aprofundem a existência de uma verdadeira cultura de serviço público. Que confiram um maior sentido de responsabilidade e de exemplaridade no exercício de funções públicas. Que tenham por base a meritocracia e a transparência de procedimentos. Que estimulem a motivação e o envolvimento dos prestadores de serviço público. Que permitam aprofundar a ética e a integridade, incluindo através do desenvolvimento e adoção de códigos de conduta. Que incluam também o próprio cidadão enquanto parte interessada na boa gestão pública – afinal de contas, o cidadão é o destinatário da ação dos serviços públicos e é também aquele que os financia –. De modo complementar, os Estados devem criar entidades com funções específicas no âmbito da prevenção da corrupção.
Lemos o documento no seu todo e não podemos deixar de verificar que, no essencial, Portugal tem vindo a criar medidas normativas e institucionais que procuram corresponder a todos estes âmbitos
Temos Leis e entidades para tudo o que é proposto, poderíamos afirmar sem grande erro.
E apesar disso, nós, os Portugueses, todos os anos continuamos a apresentar invariavelmente, nos estudos sobre percepção da corrupção, os mesmos traços críticos sobre o problema nosso país. Que a corrupção está em todo o lado. Que todos os níveis de Governação Pública – desde os órgãos do Governo (sobretudo estes!) até às instituições da Administração Pública – são igualmente servidos por pessoas tendencialmente menos íntegras e corruptas.
Bem sabemos que esta percepção é muito resultante do que as notícias nos trazem com grande frequência. E que é fácil – é até mesmo muito natural – arrastar as notícias num simples processo de generalização das situações suspeitas que elas nos trazem, alastrando-as a todas as instituições e sobretudo às pessoas que nelas servem.
Não sabemos, nem é proposto desta reflexão, se a corrupção de hoje é mais frequente ou mais grave do que era no passado. Nem sequer se as pessoas que exercem funções numa qualquer entidade ou serviço público sejam, ou possam ser, no seu todo, tendencialmente menos íntegras ou mais propensas à prática de actos corruptos – embora considere pessoalmente que leituras desta natureza são errada e perigosamente precipitadas em toda e qualquer instituição.
Sabemos, sim, porque a história o demonstra, que a corrupção sempre esteve presente em todas as sociedades. Na actualidade as notícias de corrupção talvez tenham um impacto maior e que isso se traduza na percepção que todos vamos tendo sobre o fenómeno.
O que cremos verificar e que tem sido evidenciado por diversos organismos internacionais que têm realizado avaliações a Portugal relativamente às medidas que temos adoptado para controlar e prevenir a corrupção, é que de um modo geral não fazemos trabalho de avaliação da eficácia de tais medidas. Criamos Leis e entidades com diversas funções neste âmbito – como presumivelmente ocorrerá noutras áreas da gestão pública – e depois simplesmente acreditamos que o problema está natural e automaticamente resolvido. Falta-nos aprofundar uma verdadeira cultura de avaliação de políticas públicas no âmbito do controlo e prevenção da corrupção!
O Observatório de Economia e Gestão de Fraude, com uma génese muito ligada à academia, é uma entidade que cultiva a multidisciplinaridade e é integrada por professores universitários e por outros profissionais oriundos das mais diversas áreas, que, no seu conjunto, se cruzam numa ideia comum que é de se interessarem pelo estudo e compreensão da problemática da fraude, da corrupção e da economia não registada, com preocupações no âmbito da cidadania de contribuir para ajudar a encontrar soluções para alguns destes problemas.
Uma das propostas que já apresentamos a diversos decisores políticos compreende a disponibilidade para contribuirmos na realização de um levantamento de alguns dos traços do perfil do problema da corrupção em Portugal, designadamente de quem pratica estes actos, onde ocorrem, que fragilidades organizacionais permitem e explicam a sua ocorrência, de entre outros. O projecto Mapear a Corrupção em Portugal foi apresentado com esse propósito de contributo, no pressuposto de que esse conhecimento é um contributo para ajudar a desenhar instrumentos potencialmente mais eficazes no âmbito da prevenção da corrupção e no controlo do funcionamento das estruturas da Governação Pública.
A Convenção da ONU contra a corrupção também inclui a utilidade de se criarem medidas neste âmbito, designadamente “a realização de avaliações, estudos e investigações sobre os tipos, causas, efeitos e custos da corrupção com vistas a elaborar, com a participação das autoridades competentes e da sociedade, estratégias e planos de acção contra a corrupção”.