Porto/Post/Doc. Leonard Cohen, o lugar da musa e uma semana sobre identidades

Porto/Post/Doc. Leonard Cohen, o lugar da musa e uma semana sobre identidades


Com o documentário sobre a história de amor entre Leonard Cohen e Marianne Ihlen, arrancou, no sábado, o Porto/Post/Doc, que se prolonga até ao próximo domingo, entre o Rivoli, o Passos Manuel e o Planetário do Porto.


Marianne. Por toda a sua carreira como músico, por todos os palcos, Leonard Cohen foi repetindo este nome. O nome da mulher que descobriu em 1960, na ilha grega que artistas, escritores e boémios diletantes de toda a parte tomavam como refúgio naquela época. A ilha para onde também Marianne acabou por se mudar com o seu primeiro marido, também ele escritor como era ainda Cohen nesses tempos, que acabaria por deixar depois de um dia, com o sol a bater-lhe de frente, Leonard Cohen se ter dirigido a ela com um convite para que se juntasse à sua mesa. Disse-lhe que era bonita e, para Marianne, isso bastou.

Por aí, por esse tempo em Hydra, a ilha que aos poucos quase todos eles acabariam por deixar, começa Marianne & Leonard: Words of Love. O documentário com que o realizador britânico Nick Broomfield foi à procura de resgatar a história de amor entre Leonard Cohen e Marianne Ihlen, a maior das suas musas, que inspirou canções como ‘So Long, Marianne’, ‘Hey, That’s No Way To Say Goodbye’ e ‘Bird on The Wire’. Depois de uma primeira exibição no Doclisboa, o Porto/Post/Doc, que termina no próximo domingo com O Filme do Bruno Aleixo, de João Moreira e Pedro Santo, levou-o neste sábado ao Rivoli, no Porto. Escolha que encheu a sala, mas pouco óbvia para a abertura de um festival de cinema já que Marianne & Leonard: Words of Love é, ainda que cuidado, um filme marcado pela linguagem do documentário convencional, quase televisivo. Mas a que vale a pena assistir, de qualquer modo.

Construído a partir de imagens de arquivo tanto da vida privada como das atuações de Leonard Cohen ao longo dos anos, aos quais se juntam uma série de entrevistas aos mais próximos tanto de um como de outro dos protagonistas e ainda a preciosa voz de Marianne, contando, quase sempre em norueguês, a sua história — primeiro, a seu lado; com o passar dos anos, a uma distância cada vez maior.

De canções, nada, de início. Ao filme, elas chegarão como chegaram à vida de Cohen. Quase acidentalmente, a partir daquela primeira que aceitou gravar mas se recusava apresentar ao vivo, e que vinha com o nome de uma outra mulher: Suzanne. Inspirada em Suzanne Verdal, a mulher que durante anos manteria em Montreal, no Canadá, nos meses ao longo dos quais, a cada ano, se afastava de Hydra, onde deixava Marianne com Alex, filho do seu primeiro casamento. Era o tempo em que tinha terminado o seu segundo (e último) romance, Beautiful Losers, pessimamente recebido pela crítica da época, hoje tido como um marco para a literatura pós-moderna canadiana.

À medida que Leonard Cohen avança na sua carreira de músico, começará o espectador a perder-se de Marianne. Duvidar-se-á a dada altura que seja este um filme sobre a relação entre uma das mais icónicas figuras da música ocidental do século XX e a sua musa — e também a forma como se olha para elas, as musas, será posta em causa aqui neste descer ao vazio com que tinha de lidar afinal aquele homem, à procura de atenção em cada mulher — ou sobre Leonard Cohen afinal. Mas talvez a dúvida seja propositadamente plantada em Marianne & Leonard: Words of Love. Talvez a pergunta seja em si uma resposta. E polémicas serão em tempo pós-Time’s Up e #MeToo tanto a forma como Marianne e aqueles que lhes eram próximos recordam com a maior naturalidade uma relação desequilibrada, como os encontros, que chegam a acontecer diante da câmara, de Cohen com outras mulheres.

O filme é como “uma bela e trágica história de amor entre Leonard Cohen e a sua musa norueguesa, Marianne Ihlen”. Mas para lá das paisagens de Hydra, a beleza far-se-á rara pelos capítulos desta história que só nos momentos finais se salvará. Aqueles que correspondem à última fase da vida de Cohen, depois de se ter encerrado por anos num templo budista à procura de respostas sobre o que é afinal o amor. Desse período, como da fase posterior em que, regressado ao mundo exterior, tinha perdido todo o seu dinheiro, e teve de regressar aos palcos, sairão, com Marianne às portas da morte, as palavras de amor prometidas pelo título. O amor eterno que, por fim, Leonard Cohen envia numa gravação a Marianne.