Corrupção e desenvolvimento – o caso português


A corrupção, funcionando como uma taxa de pagamento a burocratas (suborno) para obter serviços públicos que ignorem o cumprimento de regras obrigatórias, fornece margem de manobra a empresários ineficientes, cria desigualdade de oportunidades, perpetua políticas ineficazes e reduz as receitas do Estado.


O Banco Mundial tem considerado a corrupção como um fenómeno gerador de desigualdades, na sequência da falta de imparcialidade na administração pública, motivada, por exemplo, pelo processo burocrático, por políticas de influências e por subornos. A corrupção vicia pois a concorrência ao implicar o uso de bens e cargos públicos para benefícios particulares.

A este propósito, o índice de perceção da corrupção, da Transparency International, ordena os países do mundo de acordo com “o grau em que a corrupção é percebida existir entre os funcionários públicos e políticos”, definindo a corrupção como “o abuso do poder confiado para fins privados”. Os resultados para 2018, por exemplo, mostram que Portugal se mantém abaixo da média da Europa Ocidental, tendo perdido um lugar no ranking de 180 países, entre 2017 e 2018.

Por outro lado, é consensual na literatura do crescimento económico considerar que o crescimento económico sustentado decorre essencialmente de cinco fatores: (i) da poupança, que permite acumular capital físico em fábricas e equipamentos; (ii) do progresso tecnológico, que aumenta a produtividade; (iii) da taxa de natalidade, que garante a mão-de-obra necessária para a produção; (iv) da educação, que melhora o nível de capital humano; (v) da qualidade das instituições, que pode incentivar o empreendedorismo, uma gestão mais eficiente, a concorrência e, assim, a correta afetação dos recursos e a eliminação do lobbying. No processo de crescimento, o bom funcionamento das instituições, dependente da qualidade institucional, tem sido progressivamente valorizado, sendo que esse bom funcionamento requer, obviamente, ausência de corrupção, regulações flexíveis e sistemas legais eficientes.

No que toca à relação corrupção-crescimento, há literatura que considera existir uma relação positiva entre essas variáveis. Para esta literatura, a corrupção elimina entraves ao desenvolvimento de projetos e a políticas promotoras de crescimento, sendo apresentada como incentivadora da eficiência e como ajudante de melhores serviços governamentais. A maioria da literatura, no entanto, critica esse ponto de vista, considerando que o impacto positivo apenas ocorre no curto prazo, sendo que, no longo prazo, o impacto é bem negativo, devido, no essencial, ao efeito sobre: (i) o nível e a qualidade do investimento; (ii) o sistema de impostos, aumentando os custos de manobra das atividades governamentais e, portanto, reduzindo os recursos estatais disponíveis para investimento; (iii) o capital humano, já que a corrupção reduz os retornos da atividade produtiva e os recursos para educação; (iv) a estabilidade política, afetando, por exemplo, o nível de investimento em geral e do investimento direto estrangeiro em particular, o que reduz as oportunidades de emprego e, assim, o nível da atividade. Acresce que a corrupção, funcionando como uma taxa de pagamento a burocratas (suborno) para obter serviços públicos que ignorem o cumprimento de regras obrigatórias, fornece margem de manobra a empresários ineficientes, cria desigualdade de oportunidades, perpetua políticas ineficazes e reduz, como já se referiu, as receitas do Estado.

Além disso, limita a democracia porque gera desconfiança, afasta representantes e representados, enfraquece os laços de solidariedade e de respeito mútuo entre cidadãos e entre este e seus representantes, pelo que, para os eleitores “qualquer um serve porque todos são iguais”, o que estabelece um clima de passividade face à coisa pública e às decisões políticas. Tende também a prejudicar as gerações futuras e a dignidade da pessoa humana porque pode desviar recursos financeiros que deveriam ser afetos a prestações sociais da responsabilidade do Estado e a investimento produtivo, logo o crescimento económico. Em suma, a literatura dominante aponta para que a corrupção afeta negativamente o crescimento e, por consequência, o desenvolvimento das economias.

Olhando para o caso português e fazendo o exercício (muito) simplista de considerar o índice de perceção da corrupção como variável explicativa da taxa de crescimento real do PIB, entre 1995 e 2018, conclui-se que há efetivamente um impacto negativo e estatisticamente significativo da corrupção sobre o crescimento económico. Em média e com tudo mais constante, um aumento de um ponto no índice de perceção da corrupção (i.e., uma diminuição na perceção da corrupção) aumenta a taxa de crescimento em 0.4 pontos, sendo, por isso, o impacto muito relevante.
Estranho, mas verdadeiro, é o facto do andamento da série índice de perceção em Portugal revelar que a corrupção não tem estado na lista de prioridades dos sucessivos governos, já que revela uma tendência decrescente no período 1995-2018, indicando, portanto, uma perceção de corrupção crescente, ao contrário daquilo que seria expectável. Ou seja, as (aparentes) estratégias anti-corrupção em Portugal não tiveram sucesso por isso mesmo; por serem meramente aparentes.

Face ao sinal e à dimensão do impacto da corrupção no crescimento em Portugal, creio que a sua prevenção e combate são prioritários para construir uma economia mais sustentável e inclusiva, promotora de um ambiente empresarial competitivo que torne possíveis ganhos de longo prazo. Para o efeito parece-me ser necessária uma abordagem sistémica e integrada da problemática da corrupção que acomode o governo, o sector privado, os media, as organizações da sociedade civil e a população. Em particular ao governo deve exigir-se vontade política para dotar as entidades anti-corrupção de recursos necessários, para estimular reformas legislativas de luta contra a corrupção, para empreender a uma política de rendimentos que acomode a meritocracia e para implementar uma cultura de excelência na função pública, de modo a combater todas as janelas de oportunidade que os processos burocráticos e operacionais do Estado deixam em aberto. No sector privado, as empresas, por exemplo, devem adotar uma atitude de tolerância zero em relação à corrupção. Os media devem controlar o envolvimento dos sucessivos governos e do sector privado nas práticas de corrupção, e devem informar o público, denunciando os casos de corrupção. Por sua vez, a sociedade civil e respetivas organizações podem consciencializar a população e exercer pressão para o combate à corrupção por parte das entidades competentes.

 


Corrupção e desenvolvimento – o caso português


A corrupção, funcionando como uma taxa de pagamento a burocratas (suborno) para obter serviços públicos que ignorem o cumprimento de regras obrigatórias, fornece margem de manobra a empresários ineficientes, cria desigualdade de oportunidades, perpetua políticas ineficazes e reduz as receitas do Estado.


O Banco Mundial tem considerado a corrupção como um fenómeno gerador de desigualdades, na sequência da falta de imparcialidade na administração pública, motivada, por exemplo, pelo processo burocrático, por políticas de influências e por subornos. A corrupção vicia pois a concorrência ao implicar o uso de bens e cargos públicos para benefícios particulares.

A este propósito, o índice de perceção da corrupção, da Transparency International, ordena os países do mundo de acordo com “o grau em que a corrupção é percebida existir entre os funcionários públicos e políticos”, definindo a corrupção como “o abuso do poder confiado para fins privados”. Os resultados para 2018, por exemplo, mostram que Portugal se mantém abaixo da média da Europa Ocidental, tendo perdido um lugar no ranking de 180 países, entre 2017 e 2018.

Por outro lado, é consensual na literatura do crescimento económico considerar que o crescimento económico sustentado decorre essencialmente de cinco fatores: (i) da poupança, que permite acumular capital físico em fábricas e equipamentos; (ii) do progresso tecnológico, que aumenta a produtividade; (iii) da taxa de natalidade, que garante a mão-de-obra necessária para a produção; (iv) da educação, que melhora o nível de capital humano; (v) da qualidade das instituições, que pode incentivar o empreendedorismo, uma gestão mais eficiente, a concorrência e, assim, a correta afetação dos recursos e a eliminação do lobbying. No processo de crescimento, o bom funcionamento das instituições, dependente da qualidade institucional, tem sido progressivamente valorizado, sendo que esse bom funcionamento requer, obviamente, ausência de corrupção, regulações flexíveis e sistemas legais eficientes.

No que toca à relação corrupção-crescimento, há literatura que considera existir uma relação positiva entre essas variáveis. Para esta literatura, a corrupção elimina entraves ao desenvolvimento de projetos e a políticas promotoras de crescimento, sendo apresentada como incentivadora da eficiência e como ajudante de melhores serviços governamentais. A maioria da literatura, no entanto, critica esse ponto de vista, considerando que o impacto positivo apenas ocorre no curto prazo, sendo que, no longo prazo, o impacto é bem negativo, devido, no essencial, ao efeito sobre: (i) o nível e a qualidade do investimento; (ii) o sistema de impostos, aumentando os custos de manobra das atividades governamentais e, portanto, reduzindo os recursos estatais disponíveis para investimento; (iii) o capital humano, já que a corrupção reduz os retornos da atividade produtiva e os recursos para educação; (iv) a estabilidade política, afetando, por exemplo, o nível de investimento em geral e do investimento direto estrangeiro em particular, o que reduz as oportunidades de emprego e, assim, o nível da atividade. Acresce que a corrupção, funcionando como uma taxa de pagamento a burocratas (suborno) para obter serviços públicos que ignorem o cumprimento de regras obrigatórias, fornece margem de manobra a empresários ineficientes, cria desigualdade de oportunidades, perpetua políticas ineficazes e reduz, como já se referiu, as receitas do Estado.

Além disso, limita a democracia porque gera desconfiança, afasta representantes e representados, enfraquece os laços de solidariedade e de respeito mútuo entre cidadãos e entre este e seus representantes, pelo que, para os eleitores “qualquer um serve porque todos são iguais”, o que estabelece um clima de passividade face à coisa pública e às decisões políticas. Tende também a prejudicar as gerações futuras e a dignidade da pessoa humana porque pode desviar recursos financeiros que deveriam ser afetos a prestações sociais da responsabilidade do Estado e a investimento produtivo, logo o crescimento económico. Em suma, a literatura dominante aponta para que a corrupção afeta negativamente o crescimento e, por consequência, o desenvolvimento das economias.

Olhando para o caso português e fazendo o exercício (muito) simplista de considerar o índice de perceção da corrupção como variável explicativa da taxa de crescimento real do PIB, entre 1995 e 2018, conclui-se que há efetivamente um impacto negativo e estatisticamente significativo da corrupção sobre o crescimento económico. Em média e com tudo mais constante, um aumento de um ponto no índice de perceção da corrupção (i.e., uma diminuição na perceção da corrupção) aumenta a taxa de crescimento em 0.4 pontos, sendo, por isso, o impacto muito relevante.
Estranho, mas verdadeiro, é o facto do andamento da série índice de perceção em Portugal revelar que a corrupção não tem estado na lista de prioridades dos sucessivos governos, já que revela uma tendência decrescente no período 1995-2018, indicando, portanto, uma perceção de corrupção crescente, ao contrário daquilo que seria expectável. Ou seja, as (aparentes) estratégias anti-corrupção em Portugal não tiveram sucesso por isso mesmo; por serem meramente aparentes.

Face ao sinal e à dimensão do impacto da corrupção no crescimento em Portugal, creio que a sua prevenção e combate são prioritários para construir uma economia mais sustentável e inclusiva, promotora de um ambiente empresarial competitivo que torne possíveis ganhos de longo prazo. Para o efeito parece-me ser necessária uma abordagem sistémica e integrada da problemática da corrupção que acomode o governo, o sector privado, os media, as organizações da sociedade civil e a população. Em particular ao governo deve exigir-se vontade política para dotar as entidades anti-corrupção de recursos necessários, para estimular reformas legislativas de luta contra a corrupção, para empreender a uma política de rendimentos que acomode a meritocracia e para implementar uma cultura de excelência na função pública, de modo a combater todas as janelas de oportunidade que os processos burocráticos e operacionais do Estado deixam em aberto. No sector privado, as empresas, por exemplo, devem adotar uma atitude de tolerância zero em relação à corrupção. Os media devem controlar o envolvimento dos sucessivos governos e do sector privado nas práticas de corrupção, e devem informar o público, denunciando os casos de corrupção. Por sua vez, a sociedade civil e respetivas organizações podem consciencializar a população e exercer pressão para o combate à corrupção por parte das entidades competentes.