Emails trocados entre o coronel Luís Vieira, diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), e o inspetor-chefe da instituição, major Vasco Brazão, há cerca de dois anos, pouco após o “achamento” do armamento roubado em Tancos no início do verão de 2017, desmentem as insistentes alegações do ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, de que desconhecia a encenação preparada com os ladrões para a recuperação do material furtado.
Com efeito, embora Azeredo Lopes, alegando estar no Porto, tenha garantido não ter marcado nem estado presente na reunião de 20 de outubro de 2017, organizada no Ministério da Defesa, onde os responsáveis da PJM entregaram ao seu chefe de gabinete um memorando narrando o que se passara, as comunicações eletrónicas entre Vieira e Brazão indicam que, na véspera desse dia, os dois oficiais preparavam documentação exaustiva sobre a ocorrência para enviar ao ministro por via digital segura, através da aplicação WhatsApp. Na véspera, já sabiam que iam conseguir falar com o ministro, referindo inclusivamente que tal contacto ia ser feito através de um telefone seguro.
Os homens da PJM contrariam também a versão de Azeredo Lopes de que nunca lera o memorando que entregaram no seu gabinete, já que os elementos que Vieira lhe terá enviado por WhatsApp terão sido basicamente idênticos, segundo o relatório final da Polícia Judiciária.
O telefone seguro Na véspera da reunião, num email trocado entre Luís Vieira e Vasco Brazão pode ler-se como ambos já sabiam que iam entrar em contacto com o ministro, que estaria ausente do ministério: “A atualização deste documento, com esta forma ou outra. Como é por telefone seguro do gabinete mdn [Ministro da Defesa Nacional] eu quero mandar-lhe documentos e responder a dúvidas. Mas quero inserir neste documento a enviar em referências na fita ou em observações. Atenção que eu ao chefe da casa militar do PR contei tudo o que sabia referida à data de 19set. O 1.o min [António Costa] deve estar a receber inputs de vários lados”.
Luís Vieira voltou a enviar um novo email, ainda no mesmo dia, no qual sintetizava o que ia dizer: “1. Que a PJ sabia que ia acontecer; 2. Que não impediu; 3. Porquê? O que pretendia; 4. O que correu mal para a PJ?; 5. A PJM esteve 2 meses sem saber nada. A PJ nada contava; 6. Que viemos a saber pelo NIC – GNR – Loulé; 7. A partir daí, desenrolou-se uma operação policial da parte da PJM; 8. Que pormenores?”
Ministro sabia de investigação paralela desde agosto Segundo a investigação, estes contactos tinham o objetivo de garantir o apoio político para uma operação que a PJM sabia não ser sua e que estava a ser feita à margem da lei.
Já no encontro de 4 de agosto, realizado também no ministério, “para tentar obter conforto e acolhimento político para decisão tomada de contrariar a ordem expressa em Despacho do Ministério Publico, o arguido Luís Augusto Vieira informou […] o arguido Azeredo Lopes da existência de um individuo que estaria na disponibilidade de negociar a entrega controlada do material furtado, mediante aceitação de algumas contrapartidas impostas pelo mesmo”.
Já nessa reunião de agosto tinham sido entregues a Azeredo Lopes “03 (três) documentos, num total de 05 (folhas)”.
Um dos documentos era um “Memorandum”, “com o timbre da Polícia Judiciaria Militar, datado de 4 de agosto de 2017 e assinado pelo ex-diretor-geral da Polícia Judiciária Militar, cujo conteúdo configura uma pronúncia jurídica acerca da conexão processual entre crimes estritamente militares e os demais crimes e aborda o papel atribuído à Polícia Judiciária Militar no processo-crime de Tancos”.
O segundo documento era uma “‘Fita do Tempo’, que contém uma síntese cronológica de alguns factos ocorridos entre a deteção do furto nos Paióis Nacionais de Tancos e a visita do Exmo. Senhor Presidente da República a este Campo Militar”. Por fim, segundo a investigação, foi entregue “uma reprodução do Despacho dos Dignos Magistrados do Ministério Público, titulares dos presentes autos, a determinarem a delegação de competências investigatórias na Unidade Nacional Contraterrorismo da Polícia Judiciária e a manterem a Polícia Judiciária Militar a prestar colaboração institucional”.
A investigação forjada e as pistas falsas aos Média No processo é descrito como os investigadores justificaram as várias diligências que fizeram na investigação ilegal, atribuindo-as a um outro processo que nada tinha a ver com Tancos. Mas enquanto desenvolviam esforços para recuperar o material, com diálogos com o homem que o furtou dos Paióis Nacionais de Tancos, iam tentando enganar também os jornalistas.
Assim, apesar de, a 1 de setembro de 2017, já Vasco Brazão e José Costa, ambos da PJM, terem estado em Pombal, local onde João Paulino escondera as armas após o roubo, as informações que iam dando aos jornalistas eram manipuladas.
É isso mesmo que demonstra uma troca de emails de 8 de setembro entre Vasco Brazão e o diretor-geral da Polícia Judiciária Militar, Luís Vieira. Este último começou por enviar a Brazão um email com o seguinte assunto: “Fw: Polícia não sabe das armas de Tancos e sem elas acusação por furto está em causa”. No corpo do email estava um excerto de uma notícia do Público: “Mais de dois meses após o assalto, a PJ Militar continua sem pistas sobre o paradeiro das armas. Caso não sejam encontradas, poderá haver acusação por insubordinação ou por desobediência se for provada alguma falha na vigilância”.
Quase duas horas depois, em resposta a este email, Vasco Brazão explicou como tinha driblado aquele diário, dando-lhe uma informação que, nessa altura, sabia ser falsa: “Bom dia Sr. Diretor, Fui contactado por esta jornalista e a única coisa que lhe disse foi que o material já deveria ter saído do país”.
Luís Vieira não deixa Vasco Brazão sem resposta: “Era bom que houvesse uma surpresa”.