Queremos a estabilidade dos cemitérios ou a mudança?


Ninguém quer aprender com a Irlanda, ou saber a razão de sermos o país da União Europeia da nossa dimensão com menos exportações, ou com o mais baixo nível de qualificações, ou com salários que estão entre os mais baixos da Europa.


Estamos a duas semanas de eleições e a campanha eleitoral tem decorrido de forma sonolenta e sem mostrar capacidade dos partidos em demonstrarem a ausência de democraticidade na escolha dos deputados, que os eleitores não sabem quem são, futuros paus mandados das direcções partidárias. E sem que verdadeiramente tenha sido demonstrada a falácia do sucesso da legislatura e do modelo da geringonça e não revelando, no mínimo, os níveis de progresso dos outros países da União Europeia da nossa dimensão, relativamente à estagnação portuguesa que já leva duas décadas.

Parece que a grande questão destas eleições é haver ou não uma maioria e não se temos, ou não, uma estratégia para o desenvolvimento do país ao nível dos outros países europeus. Aparentemente, ninguém quer aprender com a Irlanda, ou saber a razão de sermos o país da União Europeia da nossa dimensão com menos exportações, ou com o mais baixo nível de qualificações, ou com salários que estão entre os mais baixos da Europa.

O resultado eleitoral e a questão da maioria depende essencialmente do PSD e da votação que este partido possa obter no dia 6 de Outubro. Muito se tem dito e escrito sobre Rui Rio e há quase um ano, mais exactamente a 20 de Novembro de 2018, publiquei um artigo com o título, “O Erro de Rui Rio”. Ao tempo, pareceu-me que o erro poderia ser remediado e que nada estava ainda perdido, de facto algum tempo antes tinha publicado um outro texto em que assumi que o PSD poderia ganhar as eleições. Baseava a minha convicção no resultado das legislativas de 2015, após o período da crise, bem como no facto da experiência da geringonça estar muito longe de ser positiva, nomeadamente para o eleitorado do PSD.

Escrevi então que o erro de Rui Rio poderia ser corrigido, era simples e escrevi o seguinte: “Organizar o PSD nestes moldes de maior seriedade e de melhor defesa do interesse nacional sobre os interesses particulares e ganhar as próximas eleições, são objectivos incompatíveis. A estratégia correcta será ganhar as próximas eleições e só depois disso Rui Rio terá condições para realizar o proposto banho de ética.” Acrescentei a seguir: “Será então possível através da lei, da governação competente e, principalmente, do exemplo baseado na prática do Governo. Se não for esta a estratégia escolhida, Rui Rio enfrentará uma forte resistência de muita gente no próprio PSD, gente que não quer mudanças no seu modo de vida e será fortemente atacado nos meios de comunicação social, ajudados pela máquina de propaganda do PS, em grande parte herdada de José Sócrates. Aliás, todas as mudanças que Rui Rio possa agora levar a cabo no partido, serão revertidas em dois ou três meses, logo que tenha sido enviado de volta ao Porto.”

Continuo a pensar que Rui Rio é, nas actuais circunstâncias, a melhor escolha para primeiro-ministro, o seu passado é de homem sério e rigoroso e os debates com António Costa demonstraram a sua preparação. Pena é que tenha perdido algumas oportunidades:

Primeira oportunidade: poderia ter anunciado, como uma das suas prioridades, a reforma das leis eleitorais e a realização de eleições primárias para a escolha dos candidatos a deputados. Dava um exemplo de democraticidade, ao mesmo tempo que não intervinha na difícil escolha dos deputados, tirando margem às criticas internas. Além de fazer tremer todo o sistema partidário.

Segunda oportunidade: ainda que sejam compreensíveis algumas criticas ao anterior Governo de Passos Coelho, por excesso de convicções penalizadoras da classe média, deveria ter defendido com convicção o facto de Passos Coelho ter salvo o país da bancarrota, de ter recuperado a credibilidade internacional de Portugal e de ter reduzido o défice do Estado de cerca de 11% para cerca de 3,5%. Além de ter dado início à recuperação económica e mostrado que o PS não fez melhor ao chegar a um défice de 0,2% com a situação económica na Europa mais favorável. Além de não permitir que o PS de António Costa branqueasse o PS de José Sócrates e diabolizasse o Governo de Passos Coelho.

Terceira oportunidade: o grande tema da campanha eleitoral deveria ser a pobreza e o nível de correspondente ignorância existente em Portugal e as suas consequências na economia. Em que o resultado mais evidente é haver cerca de metade da economia composta por muito pequenas empresas – restaurantes, cafés, mercados de rua, feiras, agricultura de subsistência, biscates vários, alguma pesca, algum turismo, etc. – que sobrevivem sem futuro e com baixa produtividade e cuja razão de ser são as baixas qualificações das pessoas que ali trabalham e que não encontrarão trabalho nos sectores mais dinâmicos e mais competitivos. Ora quando António Costa pensa resolver o problema da educação reduzindo as propinas nas universidades, ou quando inventa novas escolas para combater o insucesso escolar, Rui Rio tinha a oportunidade de explicar que o insucesso escolar resulta das crianças pobres chegarem ao ensino oficial com muito menos aptidões que os seus colegas das classes média e média alta. Ou seja, a pobreza e a ignorância reproduzem-se na família e vencem-se apenas nos primeiros meses e anos de vida das crianças e a solução reside num programa nacional de creches e de pré-escolar da mais elevada qualidade, com alimentação, transporte e educadores licenciados. Trata-se da única solução que permite reduzir a uma, máximo duas gerações, o que os estudos feitos apontam para levar um século.

Quarta oportunidade: durante os quatro anos da legislatura, António Costa disse algumas barbaridades que estão a passar sem serem recordadas. Exemplos: (1) que preferia aumentar o número de funcionários públicos a aumentar os salários; (2) que o Governo fez a opção pela ferrovia em bitola ibérica, para evitar a concorrência internacional; (3) que os investimentos na ferrovia, durante a legislatura, seriam os maiores do século; (4) que a linha férrea de Lisboa ao Porto, teria de esperar alguns anos porque não há dinheiro. Sobre esta última questão, aparentemente, António Costa não sabe a diferença entre um custo e um investimento. Um estudo feito em 2010 apontava para um trafego entre 4,1 e 5,5 milhões de passageiros por ano em 2030, valores já ultrapassados. Além de cerca de 1.000.000 de passageiros da ponte aérea que, como aconteceu em Espanha, deixaria de ser uma solução competitiva. António Costa desconhece isso, ou não quer uma solução privada? (*)

Quinta oportunidade: existem acontecimentos conhecidos da legislatura que as oposições parecem ter medo de recordar: (a) os fogos de 2017 e o escândalo das casas construídas; (b) o caso de Tancos; (c) o caso das pedreiras; (d) o SIRESP; o familygate; (d) a injustiça relativa das 35 hora de trabalho dos funcionários públicos; (e) a corrupção, que obrigou o rimeiro-ministro a mudar os governantes quinze vezes e sendo António Costa quem os escolheu, o que é que isso sugere?

Durante o debate de duas horas nas rádios, António Costa conseguiu apresentar-se como o campeão da reforma das leis eleitorais, que não teriam sido feitas por falta de maioria, o que não é verdade. Infelizmente, ninguém demonstrou claramente que o regime político não é democrático, mas uma partidocracia e que muitos portugueses sabem disso e deixaram de votar, apesar dos apelos chorosos do Presidente da República.

Em resumo, uma campanha eleitoral não deveria ser um chá das cinco, nomeadamente num país a lutar pela sua sobrevivência, com salários de 600 euros e milhões de portugueses a verem diluir o sonho do 25 de Abril de aproximação aos níveis de vida dos outros povos europeus. Para mais um país que tem todas as condições para superar a sua pobreza e os seus atrasos.

Finalmente, também é estranho que um país que precisa de se renovar, não contribua para que os novos partidos sejam ouvidos na comunicação social em condições de igualdade com os velhos partidos.

(*) dados, João Cunha do ECO

Empresário

Subscritor do manifesto Por Uma Democracia de Qualidade