Antigamente, a ida às sortes era uma espécie de triagem aleatória para determinar quem, sendo rapaz e tendo idade para ser incorporado para cumprimento de serviço militar obrigatório, era efetivamente integrado e quem seria dispensado. O tempo desportivo não é de guerra real, mas é de guerra surda. A guerra é surda, o comportamento de muitos com responsabilidade na federação e na liga é de cegueira, surdez e paralisia. De quando em vez emergem pungentes apelos à pacificação do ambiente e à valorização do espetáculo desportivo, mas os comportamentos por ação e por omissão são todos em sentido contrário.
Entre as figuras quase pombalinas que conjugam um perfil de peixe-balão pelos cargos de ocupam com uma atuação à dimensão do jaquinzinho está o conselho de justiça da Federação Portuguesa de Futebol, liderado pelo incontornável José Manuel Meirim, uma espécie de Rei Sol do direito desportivo, tal a presunção que irradia.
Tal como na ida às sortes, é na triagem que a porca torce o rabo. Invariavelmente, as sortes do dr. Meirim debitam fustigação ao Sport Lisboa e Benfica e proteção ao Futebol Clube do Porto, com castigos ridículos e decisões que cravejam de nuvens o esplendoroso percurso académico, jurídico e mediático que a personagem procurou construir no panorama português. O azar das sortes do dr. Meirim é que a inclinação das decisões ou das deliberações está destruir o calcorreio de posicionamento que construiu como sol de todo o direito desportivo e a contribuir para a degradação do ambiente desportivo, pela dificuldade em vislumbrar critério de justiça e equidade na aplicação das normas à realidade.
A ida às sortes do dr. Meirim significa, quase sempre, mais condições para a guerra. Para que quem passa boa parte do tempo nos estádios a debitar cânticos de insulto e de destilação de ódio clubístico continue a fazê-lo. Mesmo quando os visados nem sequer são os adversários do dia em campo, como acontece amiúde nos jogos do Porto e do Sporting.
Para que alguns saibam que podem invadir centros de estágio de árbitros, insistir em iniciativas gratuitas de agitação do ambiente desportivo e persistir em programas televisivos para alimentar a única coisa que os mantêm unidos, o ódio ao Benfica. Parece que já nem o presidente do clube consegue esse cimento.
Para que o treinador e os jogadores persistam em campo com comportamentos que, para os outros, são sempre sinónimo de vários jogos de castigo e multas relevantes.
Em suma, se querem um ambiente positivo, de valorização do espetáculo e da relevância económica do futebol, Liga Portugal e Federação Portuguesa de Futebol não podem continuar a refugiar-se no silêncio e na inação. Disciplinar e mudar comportamentos é difícil, mas tem de ser possível e assumido por todos.
E vem tudo isto a propósito do passivo acumulado de casos de arbítrio do dr. Meirim e seus pares, mas também da ridícula sanção, tão ridícula como a sustentação da decisão, de esboçar uma multa ao Porto por uma enorme tarja de insulto a titulares de dois órgãos de soberania e aos árbitros, aliás, em linha com a programação do Porto Canal. A entorse de permissividade permitido por estas proteções é tal que os autores persistem em perder o foco na realização do trabalho de casa para concentrar toda a energia que resta nos ataques ao Benfica, sem valorizarem o pouco de bom que fazem. No dia em que receberam o prémio da UEFA para Melhor Ação Educativa, no âmbito da Youth League 2018/19, o foco foi… atacar o Benfica, com indisfarçável azia pela decisão judicial de não julgar a Benfica SAD num processo. E o problema é que já contagiaram outros clubes e fazem alastrar a epidemia para o futebol em geral, sem foco no trabalho de casa – a atenção é sempre para a ação destrutiva das construções dos outros.
A verdade é que nenhuma instituição é perfeita, mas uma coisa é manter uma atitude positiva de transformação, de sustentação e de afirmação das potencialidades de um projeto desportivo, alicerçado na formação, nas infraestruturas e na competitividade das modalidades, outra bem diferente é apostar na destruição dos outros e contar com a efetiva proteção da justiça desportiva. É muito português, mas é miserável.
Notas finais
Foco O Serviço Nacional de Saúde faz 40 anos. É uma das grandes conquistas da democracia. Em vez de a discussão ser sobre a paternidade, o debate deveria ser sobre como melhorar o acesso aos cuidados num momento em que, por razões estruturais, por défices acumulados e por dinâmicas do perfil demográfico, são evidentes os constrangimentos.
Desfoco Instalou-se na sociedade portuguesa a ideia de que a proibição é a medida de concretização de propostas, gostos e alegadas expressões de modernidade. Com respeito pelas esferas de liberdade de cada um, não seria melhor enveredar pela educação e sensibilização em relação ao que é sensato?
Ao lado Dos pelouros de Elisa Ferreira como comissária europeia a muito do que é dito nos média, perpassa a sensação de que a realidade é sempre diferente do que querem fazer-nos crer. É certo que na escola fomos formatados para debitar, mas este é um tempo de exigência no pensamento, no escrutínio e na triagem.
Propostas de atividades
Banho de imersão Procurem passar uma semana sem assistir a programas televisivos de alegado debate sobre o futebol. É de uma tranquilidade que testemunho há meses.
Banho de espuma Para efeitos de experiência mediática e científica sobre o destilar insano de ódio e a formatação jornalística de alguns, vejam o esplendor de Octávio Lopes na CMTV, numa sexta à noite, sem som. Sem som é de gargalhada, com som é traumático.
Escreve à segunda-feira