É só desgraças! é só desgraças!


Se não houve caos, este país é só desgraças. Nas sedes do PPD-PSD e do CDS, nas aberturas dos telejornais, nas colunas e editoriais.


Horse, a Horse, my Kingdom for a Horse”! Ou, traduzindo para português: “Um cavalo, um cavalo, o meu reino por um cavalo”! É o grito angustiado de Ricardo III, de Inglaterra, na cena IV do Acto V da peça de Shakespeare, quando a sua ânsia, em plena batalha, já só era de matar Richmond, que o matará na cena V, no final da tragédia… Pois eu tentei duas paráfrases, a propósito da atitude de Rui Rio no episódio dos camionistas de matérias perigosas em greve, mas não logrei incutir-lhe o tom da tragédia nas duas gritarias que lhe emprestei.

Ora leiam a primeira tentativa que fiz: “Um Pardal, um Pardal, o meu PPD-PSD por um Pardal»! Nada feito, tanto mais que o Pardal em questão acabou por “dar às de vila Diogo”, batendo com os calcanhares no rabo, rumo ao aprisco de Marinho e Pinto, para com este se candidatar a deputado pelo PDR.

Agora leiam, por favor, a segunda tentativa: “Um circo, um circo, o meu PPD-PSD por um circo!” Ainda pior, porque o circo era suposto ser o caos, em consequência da inaptidão do Governo para enfrentar a ameaça de greve “ilimitada” promovida pelo supracitado Pardal e os seus camionistas “perigosos”. Mas não houve caos. E sem caos lá se foi o circo. Digamos que apenas uma neófita nestas lides políticas, a cabeça-de-lista do PPD-PSD por Lisboa, Filipa Roseta, quis dar curso ao discurso do chefe do seu circo, perdão, do seu partido, mas em vão.

Todavia, se não houve caos, este país é só desgraças! Nas sedes do PPD-PSD e do CDS-PP, nas aberturas dos telejornais, dos noticiários das rádios e nas primeiras páginas dos jornais, nas crónicas, colunas e editoriais, ouve-se e lê-se o grito: “É só desgraças! É só desgraças!”. E de quem é a culpa, de quem é? Pois claro que só pode ser do Estado, isto é: do Governo, ou seja: do primeiro-ministro – que nem sequer foi capaz de ir a uma imunda garagem da Amadora libertar duas gémeas sequestradas por um casal de indigentes (aparentemente indigentes). É como na história dos incêndios: não há um bombeiro em cada casa de aldeia, à frente de cada pinheiro, de cada eucalipto e de qualquer outra árvore – e a culpa, pois claro, é do Estado, isto é: do Governo, ou seja: do António Costa!

Nota curiosa: que eu me lembre, nunca terá havido uma tão grande concentração, sucessão e proliferação de greves em Portugal, desde 1976, como nestes últimos anos de Governo do PS, sustentado pelos partidos de esquerda na Assembleia da República. Foram greves promovidas por sindicatos da CGTP, sem dúvida alguma. Mas, sobretudo, greves puras e duras, “patrocinadas” pelo actual bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e pela actual bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, para só referir duas criaturas obviamente de direita que gostariam de ajudar a derrotar, ou mesmo a derrubar, o Governo. No entanto, apesar de tantas greves, há políticos e jornalistas claramente de direita – e aqui ou ali de esquerda – a acusar o Governo de querer cercear o direito à greve, ainda que só o CDS-PP de Assunção Cristas tenha proposto uma revisão da Lei da Greve, imediatamente recusada pelo primeiro-ministro, António Costa.

Que sejam políticos de direita a imaginar e a entreter ‘estórias’ para tentar entalar este Governo – que para eles é o diabo, sendo que o diabo é comunista, e que os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço – ainda vá que não vá! Agora o mais escandaloso é que sejam não poucos jornais – de ecrã, de microfone ou de papel – e uns quantos comentadores, analistas, colunistas, cronistas e jornalistas arregimentados ao bom estilo “direita, volver!”, a fomentar e proliferar a sensação de múltiplas desgraças a abater-se sobre os portugueses – como o céu a ameaçar abater-se sobre as cabeças dos gauleses chefiados pelo Astérix! É verdade que já estão à porta novas eleições legislativas e que o Governo tem logrado acumular resultados positivos em inúmeros sectores de actividade, tendo conseguido evitar, com eficácia e competência, que os camionistas de matérias perigosas chefiados pelo dr. Pardal mergulhassem o país no caos de uma greve sem limites. Todavia, convirá não exagerar e perceber que “o que é de mais é moléstia”!

Ai deste Governo, se não tivesse tomado providências e deixasse os camionistas de matérias perigosas em greve paralisar o país por tempo indeterminado! Se o Governo tivesse fracassado, os analistas, colunistas e comentadores políticos, tal como os editorialistas e jornalistas mais cínicos e hipócritas encostados à direita (tal como alguns à esquerda, infelizmente) estariam agora a “arrasar” o Governo, acusando-o de incompetência e falta de previsão, de não ter tomado as medidas preventivas que se impunham em defesa da Pátria e da República…

Que escândalo seria se este Governo não lograsse evitar a paralisação do país por tempo ilimitado, deixando as populações e os turistas sem pão e sem gasolina, sem meios de transporte, sem os hospitais a funcionar em pleno, sem comidas e bebidas nas prateleiras dos supermercados, sem ambulâncias para transportar os doentes, sem carros para combater os fogos, sem aviões a zarpar dos aeroportos, sem navios de cruzeiros a chegar ao Tejo, e só fado a gemer nas vielas…

Há proprietários, gestores, directores e chefias dos órgãos de comunicação social, assim como comentadores que dão palpites nos jornais, rádios e TV’s (como, por exemplo, o parvajola do Marques Mendes), para os quais nada pode estar a correr bem, sobretudo se este Governo é de esquerda ou sustentado pelas esquerdas, e as eleições estão à porta. É esta, basicamente, a mensagem que está a transmitir ao País um “jornalismo ambivalente” – que dá para os dois lados – ao vitimizar os pobres “camionistas de matérias perigosas” do dr. Pardal, criatura que, já se sabe, nunca foi nem será camionista, e prefere guiar o seu Maseratti…

É bem verdade que o jornalismo livre e responsável é essencial – é mesmo vital – para a democracia. Mas também é verdade que o jornalismo irresponsável – sem a menor isenção e objectividade noticiosas, e arregimentado a interesses alheios à profissão jornalística – pode ser o coveiro da democracia, como infelizmente já sucedeu ao longo da História, em vários países por esse mundo fora.

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990