Aeroporto  do Montijo. Quantas espécies estão em risco?

Aeroporto do Montijo. Quantas espécies estão em risco?


Estudo de Impacte Ambiental dá luz verde à construção do aeroporto do Montijo, mas alerta para os perigos que centenas de espécies vão ter de enfrentar.


Flamingos, gaivotas, patos-reais, cucos e corujas. Estes são apenas cinco exemplos das 184 espécies de aves que habitam na área onde poderá vir a ser construído o Aeroporto do Montijo. O Estudo de Impacte Ambiental (EIA), que entrou ontem em consulta pública, deu luz verde à construção desta infraestrutura, mas no documento são apontadas várias ameaças à avifauna, nomeadamente a 36 aves que apresentam estatutos de ameaça.

No documento, que está disponível no site da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), são apontados como principais elementos de preocupação as ameaças às espécies de aves e o impacto do ruído não só nestes animais, mas também na restante fauna – uma informação que o semanário SOL já tinha avançado no passado mês de abril.

O SOL escreveu na altura que o Governo e a Vinci – detentora da ANA Aeroportos, a promotora deste estudo – vão mesmo avançar com a construção do novo aeroporto, independentemente das conclusões do estudo de impacte ambiental. “O resultado final não agrada ao Governo nem à Vinci, uma vez que aponta para problemas como a ameaça a espécies de aves que se encontram na zona e questões relacionadas com o ruído e a influência negativa que terá nas populações vizinhas”, lê-se na notícia do semanário.

Agora são conhecidos novos pormenores, nomeadamente sobre o impacto nas espécies daquele que é um dos maiores estuários da Europa Ocidental e o maior de Portugal. Durante a fase de construção do aeroporto, o estudo prevê que sejam afetados nove dos 15 habitats naturais identificados na área de estudo, no total de 42 hectares. “A caracterização efetuada para a fauna permitiu elencar um número bastante elevado de espécies para a área de estudo, totalizando 260 espécies. Das espécies identificadas, 45 aves apresentam estatuto de proteção, tal como outros 19 vertebrados, pertencentes a outras Classes. As aves aquáticas assumem uma grande relevância na totalidade das espécies detetadas, dada a sua diversidade e número de espécies com estatuto de proteção”, refere o documento.

O estudo, elaborado pela empresa Profico – Projetos, Fiscalização e Consultoria Lda, revela que, nesta fase, as aves poderão começar logo a mostrar sinais de alterações comportamentais devido “às perturbações antropogénicas, ao ruído e à poluição luminosa”. Essas alterações afetam principalmente os períodos de repouso, alimentação, reprodução e de passagem habituais. “Dado que podem ser afetadas espécies legalmente protegidas, este impacte é negativo, significativo e de média magnitude, essencialmente para as ações mais continuadas no tempo, como as que envolvem desarborização e a construção do aeroporto”, lê-se no documento.

Além da desarborização, o estudo admite a existência de, durante a fase de construção, poluição sonora, a perda de locais de refúgio, a fragmentação de habitats e a perda de qualidade dos mesmos, a destruição de ninhos e crias e a ocorrência de eventuais derrames de óleos minerais no solo.

Na fase de exploração do aeroporto, o EIA admite que os problemas poderão “extravasar a área de implantação do aeroporto, afetando mesmo áreas de refúgio e alimentação existentes no Estuário do Tejo”. Nesta fase, “a movimentação de passageiros no interior da área do Aeroporto Montijo e o funcionamento da área comercial”, “a circulação dos passageiros e dos veículos de carga e descarga, funcionamento dos parques de estacionamento, abastecimento de aeronaves e fornecimento e armazenamento de combustível no aeroporto” poderão levar a situações de atropelamentos de espécies. O estudo aponta ainda a possibilidade de colisão com aeronaves.

O documento conclui que existe um “impacte global, em geral, pouco a moderadamente significativo para a maioria do elenco estudado”. Os autores do estudo admitem que existe um “impacte global muito significativo” para uma espécie em particular, o fuselo, um impacte “moderadamente significativo” para nove espécies – flamingos, pernilongos, alfaiates, borrelhos-de-coleira-interrompida, pilritos-de-peito-preto, maçaricos-galegos, pernas-verdes, pernas-vermelhas-escuro e maçaricos-das-rochas – e um impacte global “pouco significativo” para as restantes 18 espécies.

Outros animais em perigo Outros dos animais mais afetados na fase de construção do Aeroporto do Montijo são, segundo o EIA, os morcegos. “A perturbação antropogénica gerada, nomeadamente, pelo aumento de ruído, luminosidade e movimentação nas frentes de obra, será o fator que mais influenciará a presença de quirópteros na área”, refere o estudo, admitindo que os impactos podem ser “significativos”. Outros fatores que poderão ter repercussões igualmente preocupantes para a subsistência da espécie naquela zona são a “mortalidade por atropelamento e colisão”, “a mortalidade por esmagamento” e a “destruição de locais de refúgio”, bem como o risco de colisão com aeronaves.

De notar que existem naquela área duas espécies de morcego que apresentam estatuto de ameaça: o morcego-de-peluche e o morcego-de-ferradura-pequeno.

O estudo fala ainda sobre o impacte nos anfíbios, répteis e mamíferos terrestres, nomeadamente no que diz respeito à destruição do seu habitat, o stress provocado pelo aumento de ruído e de presença humana e a fragmentação de populações. No entanto, os autores defendem que estas questões terão um impacte “negativo, pouco significativo” nas espécies.

Portugal não protege habitats A divulgação do estudo surge dias depois de a Comissão Europeia ter iniciado um processo de infração a Portugal por falta de proteção de habitats e espécies indígenas.

Bruxelas diz que Portugal (em conjunto com a Polónia e a Roménia) não assegurou “a adequada proteção de habitats e espécies indígenas com a designação de zonas de proteção da natureza”, uma regra prevista na legislação comunitária.

Em causa estão diretivas sobre a proteção de aves e sobre a proteção de áreas onde vivem plantas e animais selvagens que deviam ser protegidos. Bruxelas diz que Portugal não propôs todos os sítios protegidos que devia e os que foram propostos “não abrangem de forma adequada os vários tipos de habitats e espécies que necessitam de proteção”, refere a nota, citada pela agência Lusa.

A Comissão Europeia deu um prazo de dois meses para que o Governo desse explicações sobre este problema. Caso não o faça, pode encaminhar o processo para o Tribunal Europeu de Justiça.

Ruído a mais Outro dos principais problemas apontados no estudo é – tal como o SOL avançou há mais de três meses – o impacte negativo do ruído nas zonas do Barreiro e da Moita, decorrente da passagem de aeronaves. No documento é referido que esta situação “poderá condicionar a expansão urbanística prevista para este território”.

A população destas áreas “está maioritariamente exposta ao ruído do tráfego rodoviário e, em menor escala, do tráfego da linha ferroviária do Sado, de movimentação de pessoas em zona de lazer e outras, do tráfego fluvial, de atividades agrícolas e industriais, e das operações aéreas militares da BA6 [Base Aérea nº6]. Estimam-se que, dados os níveis sonoros atuais a que a população se encontra exposta, já ocorrem efeitos negativos na saúde”, lê-se no EIA.

“Dos cerca de 94 000 adultos residentes na área de estudo, estima-se que cerca de 11 a 12% possam sofrer de elevada incomodidade, 17% de incomodidade e cerca de 3% de elevadas perturbações do sono”, acrescenta.

Arranque em 2022 Recorde-se que a ANA e o Estado assinaram o acordo para a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa a 8 de janeiro, num investimento de 1,15 mil milhões de euros até 2028 para aumentar o aeroporto Humberto Delgado e transformar a base aérea do Montijo no novo aeroporto. “Pretende-se que o Aeroporto do Montijo entre em funcionamento em 2022, sendo o seu horizonte de projeto o ano de 2062”, refere agora o EIA.

Esta nova infraestrutura deverá ser criada na Base Aérea 6, a 25 quilómetros de Lisboa. O projeto engloba também a construção de um novo acesso rodoviário, que fará a ligação entre o aeroporto e a A12, que liga o norte de Lisboa a Setúbal.

Durante o ano de 2018, Portugal recebeu um total de quase 56 milhões de passageiros: 29,2 milhões passaram pelo aeroporto de Lisboa, 12,1 milhões pelo Porto, 8,7 milhões por Faro, 3,3 milhões pela Madeira e 2,3 milhões pelos Açores. Comparando com o ano de 2017, Lisboa registou um crescimento de 6,5%, o Porto 10,2% e Faro 0,8%.