Não é com multas que se acaba com os fogos


Se o próprio Estado não cuida do que é seu e não consegue proteger o que é de todos, como pode ter o descaramento de penalizar os cidadãos pela forma como gerem as suas propriedades?


Um destes dias, enquanto lia um clássico americano do séc. xx, deparei-me com esta passagem: “O dinheiro tem uma característica peculiar. Em grandes quantidades, tende a adquirir uma vida própria, até uma consciência própria. O poder do dinheiro torna-se muito difícil de controlar”. Quem o diz é um milionário, por isso deve saber do que fala. Recordei-me dessas palavras ao ver as imagens dos incêndios florestais que têm passado na televisão: quando adquire grandes dimensões, o fogo adquire uma vida própria e torna-se impossível de controlar. Por mais bombeiros que acorram, por mais água que os aviões despejem em cima das chamas, ele só para quando tiver de parar.

A única solução, por isso, parece ser deter as ignições quando ainda estão no início (com uma vigilância apertada, bem entendido) – ou até evitar que comecem.

Como consegui-lo? Não é certamente passando multas a quem não limpa os seus terrenos. Se o próprio Estado não cuida do que é seu e não consegue proteger o que é de todos, como pode ter o descaramento de penalizar os cidadãos pela forma como gerem as suas propriedades?

As pessoas não devem cuidar dos terrenos e limpá-los por medo de uma multa – devem fazê-lo porque isso lhes traz vantagem. Porque lhes dá rendimento. É vital criar condições para que isso aconteça, porque se as terras só derem despesa a tendência será para ficar tudo cada vez mais ao abandono.

Enquanto o ordenamento do território estiver ao deus-dará, enquanto os recursos florestais não começarem a ser explorados com um mínimo de eficiência e racionalidade, vamos seguramente continuar a perder a guerra contra os fogos verão após verão. É certo que pôr ordem no país, de norte a sul, constitui uma tarefa gigantesca. Mas se fizermos as contas aos recursos que são consumidos nesta guerra chegaremos à conclusão de que o esforço vale a pena. É incompreensível que os governantes não tenham ainda dado o primeiro passo.