Praias. Repor areia custa milhões ao Estado e não é solução

Praias. Repor areia custa milhões ao Estado e não é solução


A reposição de areia é uma prática cada vez mais comum. Só em quatro alimentações artificiais feitas na Costa da Caparica foram gastos quase 20 milhões de euros. Os especialistas garantem que enquanto houver barragens, estudos ignorados e casas perto do mar, o problema não será resolvido.


As praias da Costa da Caparica têm cada vez menos areia – é um facto. De ano para ano, a dimensão do areal para estender a toalha tem diminuído e o problema está longe de ser resolvido. Em algumas praias da Costa da Caparica – como é o caso da praia do C.D.S. ou de Santo António – já não se pode passar um dia inteiro, uma vez que o areal desaparece quando a maré sobe e pouco espaço sobra, como se vê nas fotografias, para os banhistas, sobretudo se quiserem permanecer em segurança.

Na semana passada ficámos a saber que o Tribunal de Contas está prestes a dar o visto para avançar com a obra de reposição de um milhão de metros cúbicos de areia. Visto que, aliás, chega tarde, já que se espera por luz verde há dois meses.

Mas repor areia e gastar cinco milhões de euros de cada vez não é uma solução a longo prazo. E, para o perceber, basta recuar um pouco no tempo, mais concretamente a 2014, ano em que foram repostas as areias nas mesmas praias da Costa da Caparica. A lista é vasta: Praia da Saúde, Nova Praia, Praia Nova, Praia da Bexiga, Dragão Vermelho, Paraíso, Tarquínio, Praia de Santo António, Praia do C.D.S e, finalmente, Praia de S. João.

Há cinco anos, durante o inverno, quando as ondas invadiram restaurantes e estabelecimentos de comércio situados junto ao mar, o Governo percebeu que eram necessárias medidas de emergência e o plano de recuperação de areia foi antecipado. Um milhão de metros cúbicos de areia foram repostos em treze praias ao longo de oito semanas – e a tempo da época balnear, ao contrário do que vai acontecer este ano. Quando o tempo pressiona e as decisões têm de ser tomadas com caráter de urgência, o mais fácil é sempre escolher a reposição de areias, até porque tem resultados imediatos, mesmo se não duradouros.

Segundo o relatório técnico da Agência Portuguesa do Ambiente, publicado em janeiro de 2018, o número de operações de alimentação de praia tem vindo a aumentar ao longo dos anos. Desde 1950 até 2017, foram depositadas areias em 134 praias. Só entre 2010 e 2017 foram feitas 42 alimentações artificiais – é o registo mais alto. No total foram depositados mais de 33,7 milhões de metros cúbicos nas praias portuguesas. Só nas praias da Costa da Caparica, o relatório refere que em quatro alimentações artificiais – entre 2007 e 2014 – foram gastos perto de 20 milhões de euros.

Solução a longo prazo: Casas longe e menos barragens “A solução encontrada – reposição de areias, de nada serve a médio prazo”, explica ao i Adriano Bordalo, hidrólogo e investigador do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. E, para sustentar a sua tese, Adriano Bordalo relembra o “fiasco de dezembro de 2006”. Há cerca de 13 anos, depois de um temporal que galgou as dunas e atingiu o parque de campismo do Inatel, na Costa da Caparica, o Estado gastou, “num par de meses, o orçamento do então INAG [Instituto da Água] em areia”. De facto, de pouco serviu a reposição de areia, porque anos mais tarde a areia foi levada outra vez pelo mar.

A solução? “Aplicar um re-ordenamento costeiro sério. A linha de costa recua, as construções também deveriam, por muito que custe a quem investiu”, explica o investigador do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. No entanto, o especialista adverte que “esperar que o Estado central acuda sempre que há uma emergência na Costa mostra um enorme egoísmo face às carências do resto do país”.

Para criar soluções a longo-prazo é necessário ter em conta todos os fatores que impedem a reposição natural de areia e aceleram a o seu desaparecimento. “A ocupação desenfreada da zona costeira, e mesmo da linha de costa” é um problema. Aliado às “alterações climáticas e subida do nível médio da água do mar em curso”, complica ainda mais as contas. “Esquecer a interação de todos eles impede a tomada de decisões sustentáveis”, diz Adriano Bordalo.

A todas estas questões, junta-se a que João Branco, presidente da Quercus, considera a mais importante: as barragens. Para este especialista, “o problema é a erosão costeira e a questão de fundo – que normalmente se tenta esconder – é não haver reposição natural de areia”. Ora, a reposição natural de areias é feita através dos rios, já que são estes os responsáveis pelo transporte das areias até à costa e que alimentam as praias do país.

Ao deitar areia para um balde cheio de água, essa mesma areia vai ao fundo, porque não existe corrente – a água está parada. O mesmo acontece quando existem barragens. “Os rios estão cheios de barragens, então quando o rio chega à barragem a velocidade fica zero, porque é agua parada. Aí as areias vão ao fundo e, essas areias são aquelas que não estão a chegar ao litoral. Quanto mais barragens se constroem, maior é o problema”, alerta João Branco. Aliás, um estudo feito pela Arcadis em 2009, a propósito do Plano Nacional de Barragens, dava exatamente conta do impacto que a construção de mais barragens tem em relação à erosão costeira e à retenção das areias.

Problemas da reposição de areia Além de ser uma solução que custa muitos milhões aos cofres do Estado, há ainda outros problemas na reposição de areia. Primeiro, alerta o presidente da Quercus, “a qualidade da areia que se utiliza na reposição” nem sempre é a melhor, ou a mais adequada. Por exemplo, em Ofir, Esposende, “a areia que foi utilizada não tinha qualidade, tinha terra misturada”. Hoje, a quantidade de pó é bem visível quando se visita esta praia.

E há também a questão do transporte das areias. “Elas têm de vir de algum lado e, portanto, esse transporte vai ter um impacto ambiental grande”. Por último, e relembrando o que vai acontecer já no mês de agosto, vem o impacto de repor areia em plena época balnear. “Isso podia ter sido feito em maio, ou em junho, não precisava de ser em agosto”, refere João Branco. “As pessoas querem ir para a praia e têm lá as máquinas a despejar areia, isso podia ser feito no próximo ano, ou podia ser feito em setembro”.

Até agora, as soluções encontradas não são viáveis Já se percebeu que a reposição de areia é uma opção que desaparece num futuro próximo. Além da alimentação artificial, foram construídos esporões ao longo da costa portuguesa. Aliás, basta olhar para a vista aérea da costa e percebe-se facilmente que Portugal tem uma estrutura idêntica à de um pente: são os esporões. “Aquilo é um remendo”, diz João Branco relativamente a estas construções.

Antes de se optar pela alimentação artificial das praias, a construção de esporões, ou molhes, parecia a solução para o problema da erosão costeira. Segundo o relatório da Agência Portuguesa do Ambiente relata esta realidade: entre 1990 e 2000 – década em que se registaram 71 obras costeiras consideradas pesadas –, o número de alimentações artificiais aumentou. “Na década de 90 houve um incremento significativo no número de intervenções de alimentação artificial de praias e, simultaneamente, um decréscimo (de cerca de 30%) no número de obras costeiras ditas ‘pesadas’”, lê-se no relatório. Depois de atingir o pico, a construção de esporões abrandou.

O problema destas estruturas é que, ao contrário do objetivo inicial – evitar que a areia desapareça –, os sedimentos só ficam acumulados a norte do esporão. “A areia acumula-se a norte do esporão e desaparece ao sul do esporão. Se formos ver uma foto de uma zona que tenha esporões – que infelizmente agora é quase por todo o lado –, vamos verificar que a norte do esporão há areia e a sul não há”, explica João Branco. E conclui: “Os esporões não são a solução”.

Projetos, estudos e promessas na gaveta Em 2008, o Governo aprovou um decreto-lei para a elaboração de Planos de Ordenamento dos Estuários (POE). Na altura, um dos objetivos dos POE era “assegurar a gestão integrada das águas de transição com as águas interiores e costeiras confinantes, bem como dos respetivos sedimentos”, conforme se lê no documento aprovado. No entanto, o projeto ficou na gaveta e as últimas reuniões sobre o assunto remontam a 2012. Este é apenas um exemplo dos estudos e planos que têm sido ignorados. Adriano Bordalo garante, aliás, que “ao longo dos anos têm sido feitos vários estudos e ignoradas as soluções”.

Apesar de o ministro do Ambiente João Matos Fernandes ter assumido há pouco tempo que a barragem do Fridão não será construída, João Branco alerta para as barragens que estão desativadas e que deveriam ser destruídas para dar lugar ao natural curso dos rios. “As primeiras promessas do ministro do Ambiente eram deitar abaixo algumas barragens em Portugal, algumas que já estão em desuso, mas não deitou nenhuma até agora”, alerta o presidente da Quercus, acrescentando que a tutela “permitiu a construção de três barragens no Alto Tâmega, que vão influenciar muito mais o problema da costa portuguesa”.

Os estudos feitos para perceber o que se passa com a erosão costeira do país têm vindo a ser ignorados, como notam os especialistas. É nesta linha que o engenheiro civil José Cerejeira garante que é preciso atualizar o estudo feito pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) em 1990, que previa a obra do Fecho da Golada – intervenção que não chegou a avançar por falta de autorização. Esta obra, a realizar nos meses de verão, consistia na construção de um dique com mais quatro milhões de metros cúbicos de areia, e pretendia recuperar as praias de ambas as margens do rio Tejo.