O mundo não será salvo por energias renováveis


O número de turistas de cruzeiros (cujos navios são uma das maiores fontes de poluição do mundo) aumentou 70% numa década – com perspetivas de aumentar muito mais com procura chinesa


Vários países declararam o estado de emergência climática, o secretário-geral das Nações Unidas é fotografado na revista Time com água pelo joelho e clones adolescentes da jovem Greta Thunberg fazem greve às aulas pelo clima: estes são alguns dos muitos indicadores que demonstram como a preocupação mundial com as questões ambientais está a aumentar e a suscitar ações concertadas que visam alterar o rumo da degradação a que o planeta tem vindo a ser sujeito por décadas de exploração industrial.

As emissões de gases de estufa – de entre os quais se destaca o dióxido de carbono – foram eleitas como inimigo público número um do planeta, assim como todos os combustíveis fósseis intensamente utilizados para produzir a energia que a humanidade consome: madeira, carvão, petróleo e gás natural. Se o desejo de um mundo a funcionar 100% a energia renovável é o sonho de qualquer pessoa de bom senso, a concretização prática desse desejo é, no melhor dos casos, uma miragem técnica (bem descrita por cientistas como Vaclav Smil), e, no pior dos casos, um caminho para novas formas de degradação ecológica.

No melhor dos casos, a renovação de toda a infraestrutura de produção e distribuição energética para formas não combustíveis (especialmente a elétrica) implicaria uma revolução logística que exigiria recursos técnicos e financeiros que poucos países possuem capacidade de implementar sem sobrecarregar os seus cidadãos com mais impostos; no pior dos casos, a substituição de toda a infraestrutura civilizacional baseada na combustão fóssil por infraestruturas alternativas (centrais solares e eólicas, centros de compostagem e reciclagem, barragens, baterias, postos de recarga e toda uma panóplia de dispositivos eletrónicos de gestão inteligente) implicaria gastar incomensuráveis somas de dinheiro e energia na reciclagem e destruição das infraestruturas obsoletas e, simultaneamente, na obtenção de matérias-primas necessárias para edificar as infraestruturas da nova economia renovável: lítio, cobalto, níquel, cobre, urânio, ferro, prata, platina, metais raros, etc.

Infelizmente, os impactos ambientais e sociais decorrentes da extração destes minérios não só são tão ou mais nocivos e tóxicos quanto as extrações de combustíveis convencionais como também as matérias-primas associadas às energias renováveis são obtidas por uma indústria de exploração mineira que prejudica as comunidades locais e não cumpre critérios ambientais ou laborais adequados: Chile e Zimbabué (lítio), China (terras-raras), Indonésia e Filipinas (níquel) e Congo (cobalto) são alguns dos exemplos. O Congo, aliás, é um caso preocupante em matéria de sustentabilidade: responsável por 65% da produção mundial de cobalto (imprescindível em todas as baterias de lítio), este país africano tem vindo progressivamente a fragilizar-se com a emergência de conflitos militares locais e regionais, aos quais se juntam novos surtos epidémicos de ébola.

Para além do drama humanitário, é possível imaginar o que a desestabilização de um país destes poderia causar na cadeia logística de produção de baterias para veículos elétricos? Ainda que queiramos encarar as energias renováveis como uma solução mágica, só a mudança de hábitos poderá salvar um planeta habitado por sete biliões de consumidores/poluidores.

Os seres humanos transformaram-se em predadores de conforto e o conforto exige energia e gera poluição. Para confirmá-lo, um simples indicador: o número de turistas de cruzeiros (cujos navios são uma das maiores fontes de poluição do mundo) aumentou 70% numa década – com perspetivas de aumentar muito mais com procura chinesa. Como é que as Gretas deste mundo vão convencer as 30 milhões de pessoas que anualmente viajam em cruzeiros a andar de comboio – ou a não viajar de todo? Estaria a ONU disposta a banir todos os cruzeiros do mundo para que o seu secretário-geral não tivesse de molhar mais as calças?

Mestre em Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental

Escreve quinzenalmente