Fraude académica e castigo


“Tem de haver tolerância zero!”


Fim de ano letivo, reunião de responsáveis pelos diversos cursos, ordem de trabalhos onde se incluía um ponto relativo à fraude académica.

Entrados neste, os presentes foram confrontados com as estatísticas anuais, que mostravam crescimento. A discussão começou pela eterna questão que estes temas sempre trazem: “Significa que há mais fraude, ou é apenas sinal de que os docentes, guardiões primeiros da verdade académica, estão mais despertos para a necessidade de reportarem os casos detetados?”

Desta vez a questão beneficiou de informação adicional que ajudou a clarificar as posições e evitou o tradicional entrincheiramento de posições: verificara-se o crescimento do número de alunos estrangeiros defraudadores; havia algumas reclamações de alunos a propósito da falta de verdade na avaliação por via da fraude cometida por colegas.

Duas peças de informação que ajudaram a consolidar a ideia de que o problema se tem vindo a agravar e, adicionalmente, introduziam matizes diferentes nas tradicionais cores com que se pinta a fraude académica.

Os alunos estrangeiros, são tradicionalmente olhados como menos defraudadores, por via dos enquadramentos institucionais e culturais de onde são provenientes que, em geral, se caraterizam por acrescido rigor e exigência nestas matérias. O crescimento da fraude académica neste grupo poderia, portanto, ser olhado – e foi-o – como um reflexo da perceção de tais alunos quanto à extrema permissividade do sistema de ensino português neste domínio, porventura exponenciada pelo “passa a palavra” de compatriotas seus que por cá haviam passado. Preocupante, sem dúvida.

Reclamações quanto à injustiça introduzida no processo de avaliação, pela ocorrência de fraude, é novidade, pelo menos com a frequência verificada nos tempos mais recentes. Ainda são relativamente poucas, mas espera-se que constituam sinal de uma mudança de atitude face ao tradicional beneplácito com que os alunos defraudadores eram olhados pelos seus pares, para quem eram autênticos “heróis”, capazes de ludibriarem as regras sem se machucarem. Pela pressão que estas reclamações vêm colocar sobre os guardiões, mas também pelo que contêm de crítica social, são arma importante no combate à fraude académica.

“Tem de haver tolerância zero!”, sugeriu com voz forte um dos presentes. Para justificar a sua posição, fez eco de uma conversa que em tempos tivera com um colega finlandês, em que este lhe explicou que o país tinha circunscrito a fraude académica a níveis irrelevantes a partir do momento em que a penalização passou a ser a expulsão do defraudador da universidade. Ninguém colocou em causa a veracidade de tal explicação na medida em que alguns anos antes, com direito a notícia de jornal diário, um aluno português, em mobilidade Erasmus numa instituição de ensino finlandesa, foi recambiado de volta para Portugal, sem contemplações, quando, no decurso de uma prova de exame, um vigilante constatou que um código de leis que estava pousado em cima da mesa desse aluno continha pequenas notas explicativas na margem das folhas. A tal tolerância zero!

Depressa os presentes tomaram consciência de que na sua instituição, nas instituições de ensino portuguesas como um todo, tal castigo para o crime de fraude académica não era exequível. No limite, se houver reincidência, o aluno defraudado tenderá a ser sujeito a um processo disciplinar que, se puder provar o ato, lhe dará como sanção a impossibilidade de se submeter a novo exame no ano em que a fraude ocorreu, e lavrará o facto no processo do aluno (sem outra divulgação).

Qualquer que seja o ângulo pelo qual se olhe tal castigo, ressalta a convicção de que é demasiado brando. Para o aluno, em termos contabilísticos, a expetativa de benefício ao cometer o crime tende a ser superior à expetativa de custo na eventualidade de ser apanhado. O castigo, em tal caso, não funciona como desincentivo à adoção de prática criminosa.

A reunião caminhava para o término. No restante tempo dedicado à discussão da fraude académica, atendendo às armas disponíveis, a estratégia de “tolerância zero” ficou-se pela sugestão de um conjunto de medidas, onde pontuaram o aumento da atenção dos guardiões, bem como o respetivo posicionamento nas salas, no decurso da vigilância das provas; a elaboração destas em moldes em que as respostas sejam dadas na própria folha do enunciado; o evitar a utilização de máquinas de calcular com memórias; a disponibilização de múltiplas versões da prova nos casos em que esta contém questões com resposta de escolha múltipla. Enfim, paliativos num jogo cujas regras estão enviesadas à partida.

A universidade continua a ser um microcosmo da sociedade onde se insere.


Fraude académica e castigo


“Tem de haver tolerância zero!”


Fim de ano letivo, reunião de responsáveis pelos diversos cursos, ordem de trabalhos onde se incluía um ponto relativo à fraude académica.

Entrados neste, os presentes foram confrontados com as estatísticas anuais, que mostravam crescimento. A discussão começou pela eterna questão que estes temas sempre trazem: “Significa que há mais fraude, ou é apenas sinal de que os docentes, guardiões primeiros da verdade académica, estão mais despertos para a necessidade de reportarem os casos detetados?”

Desta vez a questão beneficiou de informação adicional que ajudou a clarificar as posições e evitou o tradicional entrincheiramento de posições: verificara-se o crescimento do número de alunos estrangeiros defraudadores; havia algumas reclamações de alunos a propósito da falta de verdade na avaliação por via da fraude cometida por colegas.

Duas peças de informação que ajudaram a consolidar a ideia de que o problema se tem vindo a agravar e, adicionalmente, introduziam matizes diferentes nas tradicionais cores com que se pinta a fraude académica.

Os alunos estrangeiros, são tradicionalmente olhados como menos defraudadores, por via dos enquadramentos institucionais e culturais de onde são provenientes que, em geral, se caraterizam por acrescido rigor e exigência nestas matérias. O crescimento da fraude académica neste grupo poderia, portanto, ser olhado – e foi-o – como um reflexo da perceção de tais alunos quanto à extrema permissividade do sistema de ensino português neste domínio, porventura exponenciada pelo “passa a palavra” de compatriotas seus que por cá haviam passado. Preocupante, sem dúvida.

Reclamações quanto à injustiça introduzida no processo de avaliação, pela ocorrência de fraude, é novidade, pelo menos com a frequência verificada nos tempos mais recentes. Ainda são relativamente poucas, mas espera-se que constituam sinal de uma mudança de atitude face ao tradicional beneplácito com que os alunos defraudadores eram olhados pelos seus pares, para quem eram autênticos “heróis”, capazes de ludibriarem as regras sem se machucarem. Pela pressão que estas reclamações vêm colocar sobre os guardiões, mas também pelo que contêm de crítica social, são arma importante no combate à fraude académica.

“Tem de haver tolerância zero!”, sugeriu com voz forte um dos presentes. Para justificar a sua posição, fez eco de uma conversa que em tempos tivera com um colega finlandês, em que este lhe explicou que o país tinha circunscrito a fraude académica a níveis irrelevantes a partir do momento em que a penalização passou a ser a expulsão do defraudador da universidade. Ninguém colocou em causa a veracidade de tal explicação na medida em que alguns anos antes, com direito a notícia de jornal diário, um aluno português, em mobilidade Erasmus numa instituição de ensino finlandesa, foi recambiado de volta para Portugal, sem contemplações, quando, no decurso de uma prova de exame, um vigilante constatou que um código de leis que estava pousado em cima da mesa desse aluno continha pequenas notas explicativas na margem das folhas. A tal tolerância zero!

Depressa os presentes tomaram consciência de que na sua instituição, nas instituições de ensino portuguesas como um todo, tal castigo para o crime de fraude académica não era exequível. No limite, se houver reincidência, o aluno defraudado tenderá a ser sujeito a um processo disciplinar que, se puder provar o ato, lhe dará como sanção a impossibilidade de se submeter a novo exame no ano em que a fraude ocorreu, e lavrará o facto no processo do aluno (sem outra divulgação).

Qualquer que seja o ângulo pelo qual se olhe tal castigo, ressalta a convicção de que é demasiado brando. Para o aluno, em termos contabilísticos, a expetativa de benefício ao cometer o crime tende a ser superior à expetativa de custo na eventualidade de ser apanhado. O castigo, em tal caso, não funciona como desincentivo à adoção de prática criminosa.

A reunião caminhava para o término. No restante tempo dedicado à discussão da fraude académica, atendendo às armas disponíveis, a estratégia de “tolerância zero” ficou-se pela sugestão de um conjunto de medidas, onde pontuaram o aumento da atenção dos guardiões, bem como o respetivo posicionamento nas salas, no decurso da vigilância das provas; a elaboração destas em moldes em que as respostas sejam dadas na própria folha do enunciado; o evitar a utilização de máquinas de calcular com memórias; a disponibilização de múltiplas versões da prova nos casos em que esta contém questões com resposta de escolha múltipla. Enfim, paliativos num jogo cujas regras estão enviesadas à partida.

A universidade continua a ser um microcosmo da sociedade onde se insere.