Pensar fora da caixa para combater o mieloma múltiplo

Pensar fora da caixa para combater o mieloma múltiplo


Projeto liderado por químico do Técnico vence bolsa da Associação Portuguesa Contra a Leucemia e da Sociedade Portuguesa de Hematologia.


Não é uma área que se associe tanto a uma escola de engenheiros, matemáticos, físicos e químicos, mas Vasco Bonifácio acredita que estão a dar passos nesse sentido. O químico orgânico do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, venceu a 3.a Edição da Bolsa de Investigação em Mieloma Múltiplo, uma iniciativa da Associação Portuguesa Contra a Leucemia e da Sociedade Portuguesa de Hematologia. O financiamento de 10 mil euros, atribuído ontem, vai ajudar a dar seguimento a um projeto com que esperam ajudar a encontrar uma nova abordagem terapêutica para este cancro da medula óssea, uma doença hoje incurável e que é a causa de morte de 600 portugueses por ano.

O ponto de partida são nanopartículas sintetizadas no Instituto de Bioengenharia e Biociências do IST. Ao i, Vasco Bonifácio explica que foram desenvolvidas com a função de transportar medicamentos para o organismo, até que começaram a tentar outros usos. Uma vez que têm propriedades oxidantes, uma das hipóteses foi perceber se poderiam, de alguma forma, ajudar na diferenciação de células estaminais, um dos pilares na busca por novos protocolos de tratamento na área da medicina regenerativa em que se usam células indiferenciadas para repor células maduras dos diferentes tecidos do organismo.

Foi nessa linha que surgiu o projeto com que se candidataram à bolsa, que tem o apoio da Amgen Biofarmacêutica. Em estudos preliminares verificou-se que um tipo de células dos ossos, os osteoblastos, evitam a progressão de células cancerígenas neste tipo de cancro, diz o investigador. Sabe-se também que, muitas vezes, a acumulação de células cancerígenas desenvolve-se dentro dos ossos, apesar de a origem serem células sanguíneas. Isto leva a que os doentes apresentem maior risco de lesões, osteoporose e fraturas, o que aumenta a taxa de mortalidade. Surgiu assim o novo projeto de investigação, para já em culturas celulares e posteriormente em estudos com modelos animais: e se estimular a produção de osteoblastos nos doentes com mieloma puder travar a progressão da doença ou levar mesmo a uma reversão dos tumores? “Estamos a propor uma nova abordagem terapêutica que acaba por se diferenciar das que já são usadas atualmente: quimioterapia, radioterapia, anticorpos monoclonais e transplante de medula”, descreve o investigador. “O objetivo seria, administrando estas nanopartículas, aumentar a produção destas células e perceber se poderiam combater as células cancerígenas. A ideia é fortalecer o próprio organismo de forma a que consiga debelar a doença”.

Para já numa fase de estudos preliminares, os investigadores sabem que as partículas não são tóxicas para o organismo e vão explorar os diferentes cenários que poderiam vir a resultar num novo protocolo terapêutico: ou via manipulação de células estaminais da medula antes do transplante ou administrando diretamente as nanopartículas aos doentes.

Vasco Bonifácio admite que a mesma linha de investigação poderá fazer sentido noutros tipos de cancro e diz que, nesse sentido, a equipa tem estado a trabalhar com o IPO de Lisboa. Uma ligação pouco habitual no IST? O químico diz que é mais recente, mas existe. “Há muita investigação a decorrer e as pessoas vão começar a associar o Técnico à oncologia. Depende muito das ligações dos investigadores às outras instituições”, frisa. “Não vejo a ciência de forma compartimentalizada, penso sempre no assunto de uma forma multidisciplinar. Sempre que estou no laboratório a sintetizar um composto novo penso sempre nas diferentes aplicações. Não fazemos química só por fazer química, por descobrir compostos interessantes. Tenho falado muito com os oncologistas e tenho vindo a aperceber-me dos problemas e, em conjunto, temos vindo a delinear estratégias para encontrar respostas. Estamos a tentar orientar a nossa investigação em química para os problemas da oncologia”.