A teia é grande. O presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso – detido ontem – está no centro de um mega esquema de viciação de concursos públicos e favorecimentos pessoais. Joaquim Couto e a sua mulher, Manuela Couto, também detida na Operação Teia, já tinham estado debaixo de fogo por um esquema idêntico que visava o Turismo do Porto e Norte (Operação Éter). Desta vez são suspeitos de negócios menos claros com o IPO do Porto e com a Câmara Municipal de Barcelos, cujos presidentes (Laranja Pontes e Miguel Costa Gomes, respetivamente) foram também detidos.
Mas as suspeitas não se ficam por aqui e ao que o i apurou Joaquim Couto, que é membro da comissão política nacional do PS, está a ser investigado em outros inquéritos. Além disso, no âmbito da Operação Teia não estará para já descartada a hipótese de virem a ser constituídos arguidos mais autarcas do norte.
Esta investigação da unidade de combate à corrupção da PJ do Porto, coordenada por Orlando Mascarenhas, está “centrada nas autarquias de Santo Tirso, Barcelos e Instituto Português de Oncologia do Porto”, tendo sido detetada a “existência de um esquema generalizado, mediante a atuação concertada de autarcas e organismos públicos, de viciação fraudulenta de procedimentos concursais e de ajuste direto com o objetivo de favorecer primacialmente grupos de empresas, contratação de recursos humanos e utilização de meios públicos com vista à satisfação de interesses de natureza particular”.
Na prática suspeita-se que as empresas de Manuela Couto, na área da comunicação, tenham sido escolhidas pelo IPO e pelo Município de Barcelos de forma irregular, em total desrespeito pelas regras da contratação pública. Joaquim Couto, como homem influente, terá conseguido exercer a sua influência sobre o presidente da Câmara Municipal de Barcelos e sobre o presidente do IPO Porto nesse sentido.
Mas então como é que se adulteravam as regras da contratação pública com vista à escolha das empresas de Manuela Couto? Os arguidos acordavam o fracionamento do valor do serviço, o que permitia a contratação por ajuste direto (para montantes baixos pode ser feito um ajuste direto em vez de se abrir um concurso público). Mas, além disso, o i sabe que há suspeitas de sobrefaturação de serviços e ainda de pagamentos por trabalhos nunca realizados.
No que toca aos crimes que estão a ser investigados na Operação Teia, a PJ acredita que tudo começou há três anos, sendo a empresa Mediana a principal beneficiada.
Corrupção e tráfico de influências
Segundo fonte oficial da PJ, nesta investigação do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto em causa estão suspeitas dos crimes de corrupção, tráfico de influências e participação económica em negócio.
Durante o dia de ontem foram feitas diversas “buscas domiciliárias e não domiciliárias, em autarquias, entidades públicas e empresas”. Nas diligências, que se realizaram no Porto, Santo Tirso, Barcelos e Matosinhos estiveram envolvidas “dezenas de elementos da Polícia Judiciária – investigadores, peritos informáticos, peritos financeiros e contabilísticos, bem como magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e representantes de ordens profissionais”.
Os quatro detidos serão hoje presentes a primeiro interrogatório judicial às 14h. As buscas, sabe o i, vieram consolidar as suspeitas que já existiam.
Num comunicado enviado às redações a PJ garante que a “investigação vai prosseguir para apuramento de todas as condutas criminosas e da responsabilização dos seus autores”. E outros autarcas poderão vir a ser considerados suspeitos pelos negócios realizados.
Além dos negócios com as empresas de Manuela Couto, os investigadores estão a passar a pente fino as férias na Austrália e em São Tomé e Príncipe de Joaquim Couto, da sua mulher e da filha de ambos, por suspeitas de uso indevido de dinheiro da autarquia de Santo Tirso.
O caso do Turismo do Porto e Norte
Ainda antes de se conhecer a investigação do MP, o semanário SOL revelou a teia de negócios da mulher de Joaquim Couto com o Turismo do Porto e Norte e não só. Nesse trabalho publicado em 2018 eram já referidos os serviços adjudicados pela Câmara de Barcelos às empresas da família do autarca de Santo Tirso. A My Press, no que respeita ao setor público, apenas havia prestado serviços ao Turismo do Porto e Norte de Portugal e ao município de Barcelos. E sempre por ajuste direto. Dedicando-se ao marketing, à assessoria, à instalação de stands, à animação e dinamização, a empresa encaixou centenas de milhares de euros nos últimos cinco anos.
E o mesmo pode dizer-se da Make it Happen, que presta serviços de organização de eventos, comunicação e assessoria, e também está na esfera familiar direta do presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso. Neste caso, a empresa, além do Turismo do Porto e Norte de Portugal, forneceu serviços ao Turismo do Algarve e municípios como Lamego, Barcelos e Caminha.
A WGC, detida apenas pela mulher de Joaquim Couto, é outro exemplo. Criada há dois anos e tendo como objetos a animação, a assessoria, promoção e comunicação, a parametrização e seleção de fontes de pesquisa, serviços de fotografia e vídeo e a instalação de stands, apenas foi contratada pelo Turismo do Porto e Norte de Portugal e pelo município de Barcelos, além da Presidência do Conselho de Ministros. Neste último caso, como nos restantes, tratou-se de um ajuste direto, feito em dezembro de 2017, com um valor superior a 64 mil euros. Qual o objetivo deste contrato? A “prestação de serviços de parametrização e seleção de fontes de pesquisa, definição de perfis de informação e disponibilização eletrónica de notícias”.
O que lucraram as empresas da família do presidente
No portal Base.gov é possível verificar que nos últimos anos a Make it Happen conseguiu 306 422 mil euros em adjudicações a entidades públicas – 148 mil vindos do município de Barcelos. Quanto à My Press, as adjudicações ascenderam a 536 329 euros, sendo a maioria (409 229 euros) proveniente de serviços prestados à Câmara Municipal de Barcelos. A empresa Mediana foi a que mais lucrou com as entidades públicas e o poder local – entre 2008 e 2019 foram adjudicados serviços a esta empresa na ordem dos dois milhões de euros, destes 452 mil são do município de Barcelos e 359 mil do IPO Porto. No que toca à SmartWin, esta sociedade não foi além dos 83 mil euros, sendo que se trata de adjudicações feitas em 2017 e 2018 ao Turismo do Porto e Norte de Portugal. Já a WGC, que faturou 176 118 euros, prestou serviços ao município de Barcelos na ordem dos 25 mil euros.
Tudo somado, estas empresas arrecadaram adjudicações (quase sempre ajustes diretos) de mais de três milhões de euros, dos quais perto de um 1,4 milhões são do município de Barcelos e do IPO do Porto.