Estava previsto quase duplicar a resposta para transplantes, mas por agora vai continuar tudo na mesma. A nova Unidade de Transplante de Medula (UTM) do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, um investimento de um milhão de euros anunciado em 2017, está pronta para abrir. São doze quartos, mas só sete – a resposta que havia até aqui – vão poder receber doentes. O IPO pediu há nove meses autorização para contratar os profissionais necessários para abrir todas as camas conseguidas com as novas instalações da UTM, mas ainda não teve luz verde das Finanças e da Saúde.
A denúncia dos atrasos foi feita esta semana por Fernando Leal da Costa, médico hematologista no IPO e ex-ministro da Saúde. Num artigo de opinião no Observador, em que critica o Executivo e o «espartilho do Estado sobre os hospitais», o médico chama a atenção para dificuldades no instituto, entre as quais a promessa de um novo edifício e a falta de espaço e de profissionais, referindo os atrasos na UTM.
«Não há enfermeiros nem há previsão para os contratar, para fazer funcionar as 12 camas», diz Leal da Costa ao SOL, indicando que a mudança dos doentes para as novas instalações deverá acontecer dentro de duas semanas, terminados os controlos bacteriológicos necessários numa ala em que os doentes ficam em isolamento. «Depois do investimento, ficamos com as mesmas sete camas que já tínhamos e que são insuficientes. Um escândalo. Pior porque há mais de 30 doentes a aguardar transplantação autóloga e outros tantos à espera de transplantação alogénica. Temos tentado a ajuda de outras unidades em Portugal, mas também estão com dificuldades para fazer mais, essencialmente por falta de camas», continua.
«Se a nossa situação não se resolver, poderemos ter de fechar admissões, por razões éticas e técnicas, e passar a enviar doentes para o estrangeiro», alerta o médico, lamentando as condições exíguas de espaço e de pessoal no instituto. «Os doentes não param de chegar e, felizmente, cada vez mais sobrevivem muitos anos. Faltam anestesistas, dermatologistas e o Ministério da Sáude e das Finanças empurram as contratações a recebidos verdes em que os médicos recebem em junho o que deveriam receber em janeiro. As pessoas fartam-se e vão para outro lado», afirma o médico. Neste interregno, e no caso concreto da UTM, Leal da Costa adianta que um dos médicos interessados em reforçar a equipa acabou por sair do país. «Esteve mais de seis meses à espera de autorização do Ministério das Finanças para ser contratado e decidiu emigrar».
Pedidos foram feitos em agosto
Ao SOL, o conselho de administração do IPO de Lisboa aponta a abertura da nova UTM para junho e confirma os pedidos pendentes. «As obras de ampliação da Unidade de Transplante de Medula (UTM) estão concluídas e o IPO Lisboa está neste momento a ultimar a transferência do serviço».
Com o investimento feito, a perspetiva é que passe a ser possível transplantar 140 doentes por ano, mais 50 do que com a capacidade atual de sete camas. Um reforço que chegou a estar em cima da mesa para meados do ano passado. O SOL sabe que atrasos na obtenção de vistos do Tribunal de Contas e no desbloqueio das verbas demoraram a empreitada. Mas agora o problema é a falta de pessoal. «Ciente de que a UTM só poderá funcionar na sua capacidade plena com o reforço da equipa de recursos humanos, o IPO Lisboa pediu autorização, em agosto de 2018, para contratar 20 enfermeiros e 11 assistentes operacionais e, em outubro do mesmo ano, pediu mais um médico especialista», indicou a administração.
Até ontem não tinha havido resposta, num processo que passa inicialmente pelo Ministério da Saúde mas tem de ter aval das Finanças. Em março um despacho assinado pela ministra da Saúde e pelo secretário de Estado do Tesouro simplificou as contratações nos hospitais mas só em caso de saídas para a reforma ou baixa prolongada – o pedido só tem de ter luz verde da Saúde. Quando se trata de reforçar equipas, é obrigatória a permissão dos dois ministérios, uma limitação da autonomia que há vários anos é criticada pelos hospitais e tem arrastado vários pedidos no tempo.
Quanto a um eventual risco de fecho de admissões ou de enviar doentes para o estrangeiro, o IPO indica que a solução tem sido articular resposta com os restantes hospitais do SNS. «O IPO Lisboa tem atualmente 66 doentes inscritos em lista de espera para transplantação de medula. Considerando que hoje há mais indicações para realização de transplante e que há dadores disponíveis, a UTM tem tentado articular-se com as restantes unidades do país no sentido de diminuir os tempos de espera dos doentes até à realização do transplante». Só excecionalmente, em casos de doenças muito raras, têm sido referenciados doentes para o estrangeiro.
Investir sem contratar
O IPO admite também que a UTM não é caso único. Depois de «avultados investimentos» nos últimos anos para «responder atempadamente aos doentes», aguarda-se autorização para contratar «enfermeiros e médicos anestesistas para o bloco operatório e realização de numerosos procedimentos invasivos efetuados atualmente em ambulatório; técnicos, físicos e médicos para o Serviço de Radioterapia; enfermeiros para a Unidade de Cuidados Intensivos e assistentes operacionais para todos os serviços», elenca o instituto. A remodelação do bloco operatório está em conclusão. O hospital aguarda ainda luz verde para atualizar a planta do novo edifício, previsto para Praça de Espanha.
Questionado pelo SOL sobre por que motivo, feito um investimento de um milhão de euros, a unidade está em vias de abrir apenas com as camas que já tinha em funcionamento, o Ministério da Saúde respondeu que as contratações «estão em fase de apreciação, prevendo-se que a respetiva autorização ocorra nas próximas semanas». Já sobre este não ser o único investimento com pedidos pendentes de pessoal, o gabinete de Marta Temido indica que a Saúde está a «trabalhar com o Ministério das Finanças com o objetivo de melhorar a articulação que respeita à apreciação e decisão destes projetos, para que, preferencialmente, venham a ser incluídos na aprovação dos PAO (Planos de Atividade e Orçamento)».