Serão bons negociadores os motoristas de matérias perigosas?


Repetir a receita da primeira greve poderá ser uma estratégia pouco inteligente, uma vez que agora não vão apanhar o país de surpresa. Será que Pardal Henriques estará à altura?


Para perceber o que está a acontecer entre o sindicato dos motoristas de matérias perigosas e a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) é preciso dominar a negociação, em todas as suas vertentes. E, se é certo que a primeira batalha acabou com uma vitória dos motoristas, a guerra ainda está longe do fim.

A segunda ronda de negociações acabou esta terça feira com um alegado acordo de “paz social” e o vice-presidente do sindicato a dar a entender que a ANTRAM havia cedido em quase toda a linha: “Em janeiro de 2020 estarão a fazer descontos sobre 1400 euros”. Bastou um dia para que se percebesse que havia bluff, muito bluff, faltando agora saber quem o está a fazer. É que, na quarta feira, a ANTRAM veio garantir que afinal o que o sindicato apresentou foi uma nova proposta cujo salário base indicado é de 700 euros, ou seja muito abaixo dos 1200 pedidos inicialmente.

Centrando-nos numa análise mais académica, quando se vai para uma reunião desta natureza em cima da mesa está sempre a chamada dimensão negocial, as zonas de procura direta e indireta, as melhores alternativas possíveis para acordo negociado (MAPAN) de cada uma das partes, os imperativos e a própria força negocial – e se há coisa que os motoristas ganharam com a primeira greve foi, de facto, força negocial. Em alguns casos existem margens de concessão, zonas de possível acordo e até potencial integrativo.

Tendo isto por certo, só quem participa nestas reuniões poderá saber em concreto quais as estratégias negociais (que na prática podem ser win-win, win-lose ou mistas) e as táticas utilizadas por cada uma das partes.

O bluff, assim como a lisonja, a desilusão ou a restrição de alternativas são táticas utilizadas recorrentemente por quem pretende seguir uma estratégia win-lose (ou seja, em que uma parte perde e outra ganha) – e pelas declarações públicas será esse o caminho que está a ser seguido.

Aquilo que os jornais têm dado como sendo sendo mentira de uma das partes, mais não é do que bluff, seguido de uma tática de desilusão. No caso de ter sido o sindicato a usar o bluff – ainda por cima com as duas partes a assumirem que a postura dos motoristas nesta segunda ronda foi muito mais compreensiva – isso dava o mote perfeito para uma desilusão dos trabalhadores quando a ANTRAM viesse a público desmentir e dizer que o que esteve em cima da mesa foram os 700 euros – o que acabou por acontecer.

Com a posição pública da ANTRAM, o sindicato apressou-se a avançar para uma nova greve, sabendo que beneficiava da imagem de tudo ter feito nesta segunda ronda para chegar a bom porto, inclusive com uma postura diferente.

Pedro Pardal Henriques tem sido até agora um ótimo negociador e com isso conseguiu o que nunca nenhum grupo de motoristas de matérias perigosas havia conseguido e o que poucas classes profissionais já provaram: mostrar que 800 homens conseguem parar o país. O advogado que esteve debaixo de todos os holofotes, por nunca ter sido motorista, por se ter licenciado já tarde e por alegadamente estar a ser investigado (o que o próprio já veio desmentir) parece ter percebido desde logo quais eram os pontos fracos da ANTRAM. O problema no meio disto tudo é que entretanto já todos entenderam que na sua estratégia não há meio termo e que se o ponto fraco da ANTRAM corresponder a um ponto fraco do país, Pardal Henriques não hesitará em avançar, prejudicando mesmo quem nada tem a ver com o caso – provocando o caos na vida de milhões de portugueses, sem sequer cumprir os serviços mínimos.

Analisando o curso de todo os acontecimentos, se Pardal Henriques for mesmo bom negociador não voltará a repetir a receita da primeira greve, porque arriscará perder toda a força que ganhou. Travar o abastecimento funciona uma vez, porque apanha todos de surpresa, mas agora não surtirá os mesmos efeitos, já que o Governo está de sobreaviso e preparado para agir.

 

Jornalista