Crónica sobre a lição da crise política construída sobre nada


Rendido ao espartanismo dos tratados e olhando para a despesa que a medida implica, Costa está a ver bem, e é pena que os partidos à direita embarquem às cegas nesta novela dos professores.


Este episódio da votação na Comissão da Educação sobre a recuperação do tempo de serviço dos professores é, infelizmente, sintomático da qualidade e preparação dos nossos políticos e do seu quadro ético e moral, bem como do escrutínio que a comunicação social não faz à actuação e percurso de alguns políticos relativamente a alguns dossiês.

Se nos abstivermos dos muitos atropelos à verdade, aos factos e às promessas feitas, e à verdade do momento que fica na espuma dos dias, será difícil conceber situação em que o amadorismo do PSD e do CDS saísse tão profundamente marcado como neste caso, do qual (com alguma razão), ainda assim, provavelmente, ainda sairão pior do que entraram, depois da votação em plenário.

E no qual também a visão política de Costa e o seu costumado desprezo pela verdade (e, já agora, a coerência e a história) tivessem dado aos conjurados da referida comissão uma lição de tática política tão poderosa à esquerda e à direita do PS.

Note-se que são várias as intervenções, datadas de 2017, onde o PS reconheceu e votou no Parlamento a necessidade de ver reconhecido todo o tempo de congelamento das carreiras dos professores, como no caso da recomendação ao Governo feita para efeitos de recuperação na carreira, que o mesmo PS votou favoravelmente em conjunto com o BE e o PCP, com as abstenções do PSD e CDS, na resolução da AR n.o 1/2018, votada a 15/12/2017.

Acontece, porém, como com tanta coisa para Costa, que para ele a verdade a coerência são realidades (muito) relativas. É que o PM consegue, na mesma frase, dizer uma coisa e o seu “genérico” sem se engasgar e sem se rir.

Em finais de 2017, como dava conta o Expresso de 4/11/2017, e em linha com o que o seu partido lhe recomendava por esses dias, noticiava-se que “em resposta a uma questão sobre o descongelamento de carreiras, Costa aproveitou para deixar claro o que vai ser feito e assegurar que o descongelamento é para todas as carreiras da administração pública, professores incluídos”, mas também que “no entanto, explicou que ‘os modos de progressão na administração pública não são idênticos para todas as carreiras’ e o descongelamento não significa reconstruir a carreira como se não tivesse havido congelamento”, isto dias antes da acima referida recomendação…

Este é, pois, o habitual nó górdio a que se chega quando se tenta dissecar usando a lógica, coerência e verdade para analisar as posições e as tiradas políticas de Costa num intervalo superior a uma semana ou coisa que tal.

Está, aliás, em linha com aquilo que representa mistificação dos factos com outras aberrações quejandas, como aquele, pelo mesmo propalado, fim da austeridade e devolução de rendimentos, que afinal acaba por não existir, por ser consumida pela maior carga fiscal de sempre.

Sem embargo, e para já, ainda que a hipótese da coligação negativa acabasse por ser o pretexto de que Costa precisava para agitar as águas depois de o BE, outra vez, ter sido enxovalhado com pompa e circunstância, e sem a verdadeira ou a esperada reacção na questão da Lei de Bases da Saúde, a verdade é que ver Costa provar do seu próprio veneno não deixou de ser um bálsamo para a democracia portuguesa nos dias que passam.

A verdade é que tal veio a demonstrar–se útil, e assim, aproveitando uma tecnicalidade da Comissão de Educação, que como Costa não ignora teria sempre de ser aprovada em plenário para a plenitude dos seus efeitos (nomeadamente, de eventualmente vincular o Governo), este aproveitou em antecipação para infligir aos descuidados CDS e PSD um ataque que, naturalmente, ou não seria Costa, parte de uma viciação voluntária, mas muito eficaz, dos factos, e que lhe vai dar uma provável vitória em que, imagine-se, depois dos quatros anos que passámos, vai parecer o campeão das finanças públicas sozinho contra os outros, os despesistas.

Mas mais, consegue, capitalizando o populismo fácil do CDS e PSD, que se puseram numa situação frágil e difícil de explicar (porque ninguém falou nas cláusulas chumbadas das suas propostas, mas só no spin que Costa criou), que fique sobre estes o ónus da crise política quando são exactamente os parceiros do Governo quem, ostensiva e frontalmente, diz ir votar contra as intenções deste Governo que (em teoria) dizem apoiar.

Num mundo normal, seria por aí que o Governo se demitiria e já não por ter a sua oposição a votar contra si.

A verdade é que Costa, rendido ao espartanismo dos tratados e olhando para a despesa que a medida implica, está a ver bem, e é pena que os partidos à direita embarquem às cegas nesta novela dos professores. É que enquanto o país não fizer escolhas muito certas sobre o que o Estado pode e deve pagar (além da sua colossal dívida externa), não há condições para pagar os custos desta recuperação total e cumprir metas do défice, mesmo que Costa tenha prometido tudo para todos (o que é manifestamente impossível, por muito que nos custe), e agora, fatalmente, recue.

A verdade é que a evolução dos tempos no discurso de Costa não tende a glorificar a coerência e a verdade, mas sim a demonstrar que a verdade não é mais que o spin do momento. Aqui, tem razão, mas o percurso, para pessoas de bem, não é bonito. Mas isto é a política e, aqui, ele deu uma forte lição aos conjurados da comissão, vitimizando-se em cima de, para já, coisa nenhuma!

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990