O líder do PSD acabou ontem por dizer ao país que vai propor uma salvaguarda financeira para o descongelamento de carreiras dos docentes. Emendou-se a mão?
Há aqui um manifesto recuo. Rui Rio não volta a dizer que não conhece o texto aprovado em comissão [como o fez na passada sexta-feira]. O que diz é que não houve uma votação final global do diploma. E acusa o PS de ter votado contra a salvaguarda financeira. Mas a questão factual é esta: Rui Rio assume a contagem do tempo integral, diz que tem de ser negociada e não fala de uma questão muito importante. Independentemente da razão dos professores, a posição da Aliança é a de que se existe o descongelamento de carreiras para uma classe profissional, tem que ser avaliada as consequências dessa posição para todas elas. E das duas uma: Ou as condições de que Rui Rio fala são muito fortes e impedem a contagem e o pagamento aos professores, e então eles foram enganados, ou então é mera retórica. E o modo de fazer o pagamento das hipóteses de que Rui Rio fala para a recuperação da contagem integral? Como é que se avalia? Quanto é que vale a redução do horário de serviço? E a antecipação da reforma? Devo dizer que a peça de teatro continuou aqui. Não nego – e já o disse – que o Governo tenha feito um aproveitamento político. E que possa haver aqui uma lamentável peça de teatro. A mim só me interessam os factos. O PSD, o CDS, o PCP e o Bloco de Esquerda celebraram aquela aprovação na quinta-feira à noite, na Assembleia da República. E só sexta-feira, a meio do dia, após perceberem a contestação que estavam a gerar, é que começaram a reagir no sentido do recuo. O que Rui Rio disse foi: se não forem aceites as condições do PSD, nós não votamos o que foi aprovado em comissão. Vão pedir responsabilidades a quem lá estava ou não? Se o líder disse que não sabia o que estava no texto. Custa-me a crer, porque é de uma incompetência tão atroz não saber que me custa a crer que tenha acontecido com o presidente do PSD.
Rui Rio não poderia alegar que não conhecia o documento na primeira reação, na sexta-feira?
Custa-me muito crer porque se não conhecia é de uma gravidade extrema e não poderá ficar sem consequências políticas. Se, de facto não conhecia, então foi enganado.
Em seu entender, houve aqui alguma inabilidade?
Muita, muitíssima. Muitíssima irresponsabilidade porque, como a Aliança já teve ocasião de o dizer num comunicado, não me importo nem me faz diferença nenhuma se o Governo se demitir, quero a frente de esquerda fora do poder há muito tempo. Esta maioria, como se vê, é uma maioria absolutamente contranatura, incoerente em si mesma, é uma maioria que não é positiva para o país. O facto de o Governo vir dizer “ai, vamo-nos embora”, em termos de consequências, não é isso que é mau para Portugal. Qual é a consequência? Um mês para a frente ou para trás nas eleições?
Portanto a Aliança está pronta para ir a eleições legislativas antecipadas.
Estamos todos, completamente. Se for em julho também estamos. Não tenho problema nenhum com isso. A questão complicada e, que temos de facto que pensar, são as consequências eleitorais que isto pode ter para o centro-direita no seu todo, porque a memória que tenho de 85 é que quando o Governo de Assembleia atirou abaixo o Governo de Cavaco Silva, com uma moção de censura ao PSD, na altura depois tivemos maioria absoluta nas eleições seguintes, passámos de 27 para 51.
A história pode repetir-se?
Não quero, não desejo e não acredito. E espero que o povo português também saiba entender que as culpas aqui são repartidas. As culpas não são só da geringonça dois, também são da gerigonça um. O Governo, de facto, conduziu este processo dos professores muito mal logo de início, abrindo grandes expectativas. Depois no Orçamento de Estado (OE) de 2018, julgo eu, ou de 2017, ficou também estipulada uma frase mais ou menos equivalente àquilo que foi votado. Mas com os males da geringonça um podemos nós todos, o problema é quando o centro direita começou a fazer de geringonça. Ponho a seguinte questão: a Dr. Assunção Cristas, que eu muito prezo, anda a dizer pelo país “votem no CDS que são os únicos que dizem claramente que não se coligam com o PS”. E vai fazer acordos com o PCP e com o Bloco? Qual é a coerência disto?
Fica colada a Mário Nogueira, como admitiu Pires de Lima ao Expresso?
Exatamente, foi o António Pires de Lima que disse e com razão. Não me lembro de na história da democracia portuguesa os partidos do centro direita festejarem com Mário Nogueira. E o problema em Portugal está exatamente nisto: nos princípios, nos valores e nas regras. As pessoas não podem, à conta do entusiasmo eleitoral e de uma caça ao voto, esquecerem-se desses princípios, desses valores e dessas regras. Repito, a doutora Cristas diz “nós nunca nos coligaremos com o PS”. Mas agora quem é que acredita nisso se fazem acordos com o PCP e com o Bloco pela calada da noite? O que se passou é muito grave porque o nosso sistema de Governo é semipresidencial – quem governa são os Governos, sejam eles quais forem. Quando não gostamos, temos que lhes fazer oposição na Assembleia. Na Assembleia faz-se oposição: a Assembleia não governa, não pode governar. E depois há a questão do princípio da igualdade. A Assembleia não pode legislar o Governo, decidir por uma classe e esquecer todas as outras que têm uma natureza jurídica equivalente. E já não falo só dos outros funcionários públicos – e os outros portugueses? E os privados? E os pensionistas? Todos aqueles que passaram pela austeridade ao longo destes anos? Acho que esta atitude do PSD e do CDS abre um novo ciclo na disputa eleitoral e também com reflexo nas Europeias, que passaram a estar absorvidas pelo tema das legislativas.
O que faria a Aliança neste caso?
A Aliança só aceitaria falar na perspetiva de um trabalho para todas classes profissionais. E depois era preciso saber quanto custaria, saber qual era a margem financeira para depois tomar a decisão. A Aliança nunca aceitará decidir e trabalhar só para uma classe por razões meramente conjunturais ou meramente eleitorais.
Acha que o Presidente deveria começar a ouvir os partidos nesta fase? A Aliança pediu uma audiência ao Presidente da República?
Isto vai voltar à estaca zero, pelo que e pouco provável que existam eleições antecipadas. Isto foi na quinta-feira, hoje [ ontem] é domingo. Nem houve tempo para pedir nada. Sei que o CDS pediu, mas entendo que deve ser dada margem e espaço ao Presidente. Obviamente que Marcelo Rebelo de Sousa é uma instância essencial no bom senso de tudo isto, mas como é que é possível, entre quinta e hoje, já se ter decidido o que se decidiu, depois da reação do primeiro-ministro, depois de todos terem dito que iam manter a posição e, entretanto, já terem voltado atrás? Acho que é uma situação altamente desprestigiante para a política portuguesa. Fazia falta tudo menos isto, e então ter-se dado esta oportunidade a António Costa, que não a merecia e não a merece… Gostava que a posição da Aliança ficasse muito clara: censura a geringonça dois e censura a geringonça um. Apesar de tudo, quem tem a responsabilidade principal de ser julgado nas próximas eleições é quem governou estes quatro anos. Espero que os eleitores saibam distinguir quem está viciado numa certa maneira de fazer política, de aproveitamento oportunístico de situações, e de quem quer fazer as coisas de maneira diferente. Sempre foi o que preguei ao longo dos anos e continuo a fazê-lo. Respeitar os bons princípios, a separação de poderes, a igualdade, a serenidade, a solidariedade institucional, quando estamos no Governo ou na Oposição.
Em entrevista ao Sol chegou a admitir que seria útil existir uma coligação pré-eleitoral nas legislativas entre a Aliança, o PSD e o CDS. Mantém essa utilidade de uma coligação pré-eleitoral?
Fiz essa proposta na entrevista ao Sol de modo convicto, quer quanto quanto ao momento quer quanto ao conteúdo, mas sabia que ia parecer extemporânea para muitas pessoas. Cada vez me convenço mais de que fiz muito bem. A partir do momento em que foi recusada pelos líderes do PSD e do CDS, a proposta ficou sem efeito. Neste momento, e com tudo aquilo que se tem passado, naturalmente entendo que não há condições para ela ser retomada.
Se houver eleições antecipadas e, porventura, o PS for o partido mais votado, mas não tiver maioria absoluta, o partido Aliança admitiria algum entendimento, dar a mão ao PS em alguma circunstância?
Não. No nosso caminho agora não falamos de coligações nem em hipóteses de coligações com ninguém. Queremos lutar pelo melhor resultado. Espero que os eleitores deem esta oportunidade a um novo partido de contribuir para a renovação da política portuguesa, apesar de ser liderado por uma pessoa que está há muitos anos na política. E gostava de dar uma palavra aos militantes da Aliança. Ainda ontem estive na Nazaré, em Torres Vedras e em Leiria e tem sido absolutamente extraordinário. Tenho pena de que a comunicação social que pode – porque sei que há muita comunicação social que não tem hipótese de cobrir as campanhas de todos, pelo país todo – que não vá. Ontem estivemos em Vale Abraão, em Sintra, em Ponte de Lima, em Braga, em Faro. Todos os dias, todos os fins de semana, a Aliança está na rua de norte a sul do país e nas regiões autónomas. É absolutamente emocionante para mim ver essa entrega extraordinária, e estou certo de que isso terá tradução na eleição de uma representação em Estrasburgo no próximo dia 26.
Sente que a Aliança não tem o devido destaque na campanha das europeias, a começar pelos debates?
Não tem de todo. Por exemplo, sempre fui solicitado para entrevistas em televisões. Nunca mais. A Aliança não tem uma equipa de televisão a acompanhar. Paulo Sande está na rua todos os dias, de norte a sul do país, e nem uma vez. Já lhe sugeri que ele aparecesse na campanha do PS, do PSD ou do CDS, não a fazer de intruso – mas quase! – que é para ter direito a pedir um minuto, ou trinta segundos, em televisão. Estar no sítio onde se sabe que as televisões estão, que é nos partidos que já existem. E quando vejo um ou dois jornais de referência a organizarem debates só com os partidos que já estão no Parlamento, não tenho dúvidas de que a democracia portuguesa precisa, de facto, de ser muito renovada, porque isto está muito viciado. Poderão dizer-me que também estive num grande partido, muitos anos, mas durante o pouco tempo em que fui líder do partido, e enquanto presidente da Câmara de Lisboa, sempre procurei entendimento com os pequenos partidos e sempre lhes dei importância – ao PPM, ao MPT e outros. Ainda não sei se a Aliança vai ser um pequeno, um médio ou um grande partido. Nunca foi a eleições, mas acho que funcionar assim, em democracia, é ter uma democracia oligárquica – e não igualitária – que não faz sentido.
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