Testes de ADN. “Roubar” copos e garrafas? “Tudo o que faço é legal”

Testes de ADN. “Roubar” copos e garrafas? “Tudo o que faço é legal”


Fernando Osuna teve em mãos alguns dos casos mais mediáticos que envolveram testes de paternidade. O mais recente é o de Julio Iglesias. O advogado revelou ao i alguns pormenores sobre a investigação ao cantor espanhol, falou sobre as técnicas que utiliza para recolher provas e os casos que mais o marcaram ao longo das…


Uma garrafa de água, um guardanapo, a beata de um cigarro. Para Fernando Osuna e a sua equipa, qualquer objeto serve para ajudar filhos bastardos a provarem em tribunal que são, de facto, descendentes de determinada pessoa. O advogado espanhol de 64 anos já teve mais de 500 casos em mãos – um dos mais conhecidos foi o de um filho do cantor Júlio Iglesias.

Osuna conta com a ajuda de vários detetives, que tudo fazem para recolher informações que ajudem a provar uma relação biológica entre o seu cliente e o alegado progenitor – mesmo que isso implique seguir os visados e registar todos os seus passos. Diz nunca ter tido problemas em tribunal e que todas as provas que apresenta são aceites pelos juízes.

“Nunca tive problemas, tudo o que faço é legal. Temos apenas de seguir três critérios essenciais: primeiro, os objetos recolhidos pelos detetives não podem ser de valor – devem ser apresentadas garrafas de água deixadas numa mesa, beatas de cigarros, um guardanapo de papel ou um copo de plástico, por exemplo; segundo, o detective tem de fazer esse trabalho num lugar público e não numa morada privada – os objetos podem ser recolhidos, por exemplo, no meio da rua, num café ou num bar; por último, o objetivo desta recolha tem de ser lícito, como averiguar a paternidade de um indivíduo. Não se pode fazer esta investigação para outros fins”, explica Fernando Osuna ao i.

Mas como se prova que o objeto recolhido é de determinada pessoa? Não pode haver manipulação de ADN para, consequentemente, condicionar os resultados das análises? O advogado sevilhano deposita total confiança na sua equipa e na forma como atua, lembrando que as consequências do perjúrio podem chegar à pena de prisão: “O detetive tira muitas fotografias durante a investigação e grava vídeos com o telemóvel ou com uma câmara, documentando tudo o que é recolhido. Para acompanhar esta ação, é obrigatório fazer um relatório, uma espécie de diário de investigação, com todos os detalhes do que vê e faz, contado ao minuto. Além disso, o detetive assina uma declaração de honra na qual se compromete a prestar apenas declarações verdadeiras. Se mentir, pode ser condenado a uma pena de prisão”.

Este princípio de honra é também aplicado nos laboratórios onde são feitas as análises. “O objeto recolhido é enviado para um laboratório genético, onde são feitos todos os exames. O próprio laboratório e os especialistas que lá trabalham também assinaram um compromisso de honra. Os responsáveis pelos resultados têm ainda de lidar com outra parte do processo: terão de prestar declarações perante o juiz e responder às questões dos advogados – tanto as que são colocadas por mim como as que são levantadas pelos advogados de defesa”, declara ao i.

Grande parte dos casos que Osuna tem em mãos envolve figuras de relevo a nível mundial, daí que os seus serviços sejam pagos a peso de ouro – o dia de trabalho de um detetive ronda os 500 euros, sem despesas incluídas. Se o trabalho for feito fora de Espanha, este valor pode aumentar. Por isso, muitas pessoas não conseguem recorrer ao trabalho do advogado sevilhano. E existe outra questão: como é que o escritório de Osuna lucra no caso de uma pessoa cuja afinidade fique provada mas o progenitor já tenha morrido? “Quando o valor da herança é estipulado, cobro uma percentagem. Esta varia, normalmente, entre os 8 e os 10% da herança”, explicou.

No final, nada compensa mais do que ver justiça a ser feita: “Enche-me de alegria e satisfação ver que, graças ao nosso trabalho, há justiça para estes miúdos que têm um pai mas não são reconhecidos. Estas pessoas passam muito mal na vida, sofrem muito. E as mães passam também por situações muito difíceis. Gosto de ver um final feliz”.

Um dos casos mais conhecidos de Fernando Osuna é o de Júlio Iglesias. Vinte e seis anos depois de esta história se ter tornado pública, Javier Sánchez-Santos está prestes a ser reconhecido como filho do famoso cantor.

O caso de Julio Iglesias Em 1992, a portuguesa Maria Edite Santos contou, em conferência de imprensa, que o filho, na altura com 16 anos, tinha sido concebido a 19 de julho de 1975, em Girona, no dia em que a então bailarina de 20 anos tinha estado com o cantor espanhol, que na altura era casado com Isabel Presley. O caso extraconjugal entre Maria Edite e Julio Iglesias durou apenas dez dias, mas foi o suficiente para a jovem portuguesa engravidar. O cantor nunca reconheceu a criança como sendo sua e recusou-se a fazer testes de ADN.

Javier Sánchez-Santos nunca se conformou com esta atitude de Iglesias e exigiu que tudo fosse feito para que se provasse se existe ou não uma relação biológica entre ambos. É aqui que entra Fernando Osuna. O advogado colocou vários detetives a trabalhar neste processo, que disse ao i ser o caso em que foi “mais difícil” recolher amostras de ADN. “Estivemos oito ou nove dias em Miami, nos EUA, e foi muito complicado recolher objetos” que pudessem servir como prova. A oportunidade acabou por chegar no meio da praia: “Quando estava a fazer surf com o seu filho Julio José [filho de Isabel Presley e também ele cantor de profissão], apanhámos guardanapos e garrafas [que estavam no areal]”.

O julgamento está marcado para o próximo dia 30 de maio e Osuna tem muitas dúvidas que algum juiz dê razão ao cantor. “É muito dificil que corra mal – Nós já temos o ADN de 99% [de correspondência entre Iglesias e Sánchez-Santos] e Júlio Iglesias não apareceu para fazer a prova de ADN [para descartar a existência de parentesco entre o cantor e o ex-marido de Maria Edite Santos]. Este comportamento é muito negativo para ele, pois uma atitude destas implica sanções: ao não aparecer está a impedir o acesso à verdade”, disse ao i.

O que acontece a quem recusa fazer o teste? Em Espanha, se o alegado pai se recusar a fazer testes de paternidade, o tribunal reconhece-o como progenitor. Em Portugal, o cenário é idêntico – um dos casos mais conhecidos envolveu uma decisão respeitando estes critérios.

O Supremo Tribunal de Justiça decidiu na semana passada que o comendador António da Silva Rodrigues tinha de assumir a paternidade de um menino de oito anos, depois de se ter recusado a realizar testes de paternidade. O comendador de Oliveira de Azeméis alegou uma contradição jurisprudencial, criticando a inversão do ónus da prova em caso de recusa na realização deste tipo de testes, explica o Correio da Manhã. No entanto, o Supremo rejeitou rever as decisões do Tribunal de Família e Menores da Relação do Porto e declarou António Rodrigues ‘pai à força’ (ver páginas 22 e 23).

Para Fernando Osuna, faz todo o sentido que os tribunais tenham este mecanismo de reconhecimento da paternidade: “O juiz não pode obrigar ninguém a fazer um teste de paternidade, por isso, perante várias recusas, acaba por declarar que determinado sujeito é o pai da criança. Creio que este é um bom mecanismo: o suposto filho encontra-se indefeso, sem provas. Se não existissem sanções para quem se recusa a fazer os testes, seria muito fácil fugir às responsabilidades”.

“Quando um filho encontra o seu pai, há uma enorme sensação de tranquilidade. Viver durante anos na incerteza, na dúvida, no desconhecimento provoca muitos danos. Assim que há uma declaração formal que oficializa a existência de um pai, isso traz segurança e serenidade”, disse ao i.

Outros casos Dos mais de 500 casos defendidos por Osuna, apenas “três ou quatro” dizem respeito a portugueses. “Não posso falar sobre esses casos, pois nunca foram revelados pela comunicação social”, diz o advogado ao i. Atualmente, os processos que envolvem Júlio Iglesias e o futebolista Samuel Eto’o – Erica, uma jovem de 19 anos que passa muitas dificuldade, diz ser filha daquele que chegou a ser o jogador mais bem pago do mundo – são os casos que mais dão que falar, mas Fernando Osuna já teve outros igualmente polémicos em mãos.

“Tenho casos de cantores, atletas, banqueiros, gente do mundo artístico e do mundo rural, muita gente dos mais diferentes meios”. Mas o que mais o marcou foi o de Manuel Benitez Pérez, conhecido como El Cordobés. O toureiro recusava ser pai do pequeno Manuel, que não desisitu de averiguar cientificamente se existia ou não uma relação genética.

Foram precisos alguns anos, mas acabou por conseguir: um dos detetives de Osuna apanhou um guardanapo usado pelo El Cordobés, depois de este tomar o pequeno-almoço num café em Córdova. Foram feitas análises e o resultado deu 99% de compatibilidade. O toureiro quis repetir o teste de paternidade, que deu um resultado idêntico. Há três anos, Manuel Díaz (na altura com 47 anos de idade) tornou-se oficialmente filho de El Cordobés. “Este caso foi muito importante. Resolveu-se rapidamente, em apenas cinco meses conseguimos um veredito”, recorda Osuna ao i.

Um processo que encontrou muita resistência “O caso mais difícil que tive em mãos foi o do marido da ‘duquesa roja’ [marquesa vermelha em português]”, assegura ao i. Refere-se ao marido de Luisa Isabel Álvarez de Toledo e Maura, duquesa de Medina-Sidonia, uma das famílias nobres mais tituladas de Espanha. Em 2017, um teste de ADN confirmou que Rosario Bermudo, na altura com 67 anos, era filha de José Leoncio González de Gregorio y Martí, marido da duquesa. Rosario era fruto de uma relação entre José Leoncio e Rosario Muñoz, uma empregada da quinta que a família tinha em Badajoz.

“A minha mãe disse-me que estavam ambos muito apaixonados e que ele sabia que ela tinha engravidado quando tinha apenas 18 anos”, contou ao El País. O segredo deste casal veio a público quando Rosario Bermudo decidiu, em 2011, avançar com um processo para reconhecer a sua paternidade. Osuna, seu advogado, conseguiu fazer com que os restos mortais de José Leoncio, que morreu em 2008, fossem exumados, uma decisão que deixou a família González de Gregorio muito descontente. Aliás, todo o processo foi visto com maus olhos por parte dos filhos legítimos, que acabaram por ser condenados em tribunal a pagar as custas judiciais.

“Foi um processo que durou seis anos e que gerou muita resistência”, admite Fernando Osuna.

E nem todas as investigações acabam bem: o advogado espanhol já teve vários casos em que o ADN não coincidia. “Um dos casos que me deixou mais frustrado envolve uma figura pública cuja identidade não posso revelar. O detetive conseguiu recolher um guardanapo, fizemos uma análise e o resultado deu negativo. Isso não quer dizer que a mulher não tenha estado com a pessoa em causa, mas não engravidou dela. Ficou grávida de outra pessoa. A mulher tinha estado com dois homens e engravidou da outra pessoa, não aquela que suspeitava ser o pai da criança”.