Chegou muito antes de começar a sessão da tarde do julgamento de Abdesselam Tazi, marroquino acusado de terrorismo, e sentou-se numa das cadeiras do corredor do 5.o andar do Edifício A do Campus de Justiça. À entrada do tribunal, a mulher, na casa dos 40 anos, já se havia identificado como diplomata japonesa, exibindo mesmo um documento amarelo desdobrável plastificado onde se podia ler “Embassy of Japan”. A fotografia batia certo e o nome que constava no documento foi registado na folha dos seguranças. Na revista também não foi detetado qualquer objeto proibido.
A japonesa, que viria a dizer aos funcionários não falar português nem francês, queria assistir ao julgamento do marroquino que o MP acredita ter ligações ao Estado Islâmico, que decorreu precisamente nestes dois idiomas.
Tratando-se de um julgamento de crimes de terrorismo internacional, o episódio lançou o alerta no coletivo no final dos trabalhos e o i sabe que o tribunal se prepara para deixar as portas da sala de julgamentos apenas abertas aos jornalistas e a quem obtiver autorização prévia dos juízes – já a partir de amanhã.
Ontem, o i questionou a embaixada do Japão sobre esta presença insólita e a resposta foi clara. “Não é ninguém da embaixada”, disse por telefone uma fonte, adiantando que a embaixada não pretendia fazer mais comentários.
Mulher falava português
Além de ter tirado notas sobre o que se estava a passar na audiência, a suposta diplomata japonesa chegou mesmo a dizer algumas palavras em português antes de chegarem juízes, funcionários judiciais e a maioria dos jornalistas.
Às 14h, meia hora antes de a sessão da tarde começar, a japonesa estava atenta a todos os movimentos naquele piso e, quando a funcionária judicial que estava afeta ao julgamento que corria na sala ao lado chamou pelas partes, questionou, sem saber, o jornalista do i: “Posso entrar?” De forma arrastada, mas em português, com sotaque estrangeiro. E, perante a resposta “penso que sim”, lá foi.
Foi, mas acabaria por voltar quando se apercebeu de que não era a sala onde decorria o julgamento do caso de terrorismo.
Entre uma e outra sala terá ainda mostrado aos funcionários judiciais dois documentos que tornam a história ainda mais misteriosa: uma espécie de uma notificação, com o cabeçalho do tribunal – documentação a que apenas as partes têm acesso – e a descrição pública que consta no Citius, programa informático da justiça, sobre o caso de Abdesselam Tazi.
À saída do tribunal, perante a presença misteriosa, o i abordou a mulher, já no exterior do edifício A do Campus de Justiça, também em português: “É jornalista?” A resposta foi negativa e, de seguida, a interpelada pediu para que a conversa fosse noutra língua por não falar quase nada de português. Expressando-se também com alguma dificuldade em inglês, terá feito uma referência difusa ao Turismo do Japão. E foi embora com o mesmo sorriso que fez sempre que interagia com alguém.
A presença misteriosa não passou ao lado do coletivo de juízes que, logo no final do primeiro dia de julgamento deste caso, pediu que se percebesse quem era aquela cidadã.
Documento com nome em alfabeto romano
Ao que o i apurou no alegado documento diplomático, o seu nome surgia escrito no alfabeto romano. E as informações já terão sido recolhidas pelas forças de segurança, nomeadamente pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, para que se consiga identificar esta mulher e perceber se se trata verdadeiramente de alguém ligado à diplomacia ou às autoridades nipónicas.
Fonte judicial que preferiu não ser identificada explica que o caso está a ser analisado, uma vez que não se podem desvalorizar estes episódios, nomeadamente em casos que envolvem terrorismo internacional, e que é preciso perceber ao certo quem é esta mulher e quais os seus interesses num processo que não tem qualquer ligação aparente com o Japão – ou mesmo saber se se trata de algum elemento ligado aos serviços de informações de outro país.
O caso de terrorismo que está a ser julgado em Lisboa
Abdesselam Tazi, que está preso desde o início de 2017 na prisão de Monsanto, foi acusado dos crimes de adesão a organização terrorista internacional, falsificação com vista ao terrorismo, uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo, recrutamento para terrorismo e financiamento para terrorismo.
Para o Ministério Público, Tazi foi o responsável pela radicalização de Hicham El Hanafi, preso em França por ter levado a cabo um atentado em 2016. Ambos viveram num quarto alugado por uma mulher, em Aveiro, e eram tratados por outros nomes (Salim e Xan). A proprietária descreveu-os como pessoas que falavam muito em Alá, que gostavam de Portugal e de jogar à bola e ao pião – cada um tinha o seu.
Para o MP, Tazi não radicalizou apenas Hicham. Ou seja, seria uma espécie de líder da célula que atuava em Portugal, centrada em Lisboa e Aveiro, e com ligações a vários países europeus e ao Daesh. O marroquino de 65 anos, ex-polícia e que chegou a Portugal pela primeira vez em 2013, recrutaria também no Centro de Acolhimento de Refugiados.
O arguido nega todas as acusações e na segunda-feira, perante os juízes, disse mesmo que veio para Portugal para fugir do regime marroquino e salvar a vida: “Era ativista contra o regime marroquino, contra a monarquia”, sublinhou.