Os malefícios da memória


Na verdade, Portugal vive em democracia plena apenas há 37 anos


“Ah memória, inimiga mortal do meu repouso!”
                                                         Cervantes

 

Passou quase despercebido mais um aniversário do 11 de Março de 1975, data crucial da história recente de Portugal. 

Esse dia marcou o início da curta viagem da revolução portuguesa “rumo ao socialismo”, que sete meses depois seria interrompida, a 25 de novembro, colocando o país nos carris da democracia liberal, que seria ainda tutelada pelo Conselho da Revolução até 1982.

Na verdade, Portugal vive em democracia plena apenas há 37 anos. 

Nestas quase quatro décadas, vivemos sob o governo de nove primeiros-ministros, elegemos cinco Presidentes da República e sobrevivemos a duas gravíssimas crises económicas que levaram à intervenção do FMI e nos obrigaram a apertar vários furos nos nossos cintos.

Nos últimos anos, a nossa jovem democracia entrou em crise, com casos gravíssimos de corrupção ao mais alto nível do Estado e com escândalos financeiros que abalaram os frágeis alicerces de nossa economia.

Os portugueses vivem há séculos na corda bamba, equilibrando-se a custo entre crises políticas e económicas, cultivando a nacionalíssima arte do desenrasca.

Somos um povo de sobreviventes, entre as alegrias do futebol e a melancolia do fado, gozando o fantástico sol que nos aquece e mergulhando no mar que nos abraça.

Continuamos a ser um povo de emigrantes, com todas as vantagens e desvantagens que isso acarreta. Em muitos casos, conhecemos o mundo, mas ignoramos Portugal.

Vivemos apenas o curto prazo, guiados por políticos em compasso quaternário que se vão ajeitando em frágeis coligações para atingirem os almejados quatro anos de mandato, numa corrida que acelera sempre no último ano, com distribuição de benesses aos grupos com que contam para receber votos e com as promessas de uma “terra de leite e de mel” para os próximos quatro anos.

“Queria que os portugueses tivessem senso de humor/ e não vissem como génio todo aquele que é doutor/ sobretudo se é o próprio/ que se afirma como tal/ só porque sabendo ler/ o que lê entende mal”, escreveu Agostinho da Silva.

Cada vez mais distantes dos seus eleitos, os portugueses parecem contentar-se com críticas anónimas nas redes sociais ou rirem-se aos domingos com as mordazes e inteligentes rábulas de Ricardo Araújo Pereira.

Seria bom que pensássemos em agir em vez de esperar sentados. Porque, quando acordarmos, poderemos estar a viver um pesadelo que nunca sonhámos poder acontecer.

Pessimista? Talvez. Mas, como sabem, um pessimista não é mais do que um otimista bem informado. 

 

Jornalista