O apagão da carreira tem de ser resolvido no parlamento


O maior problema é que, dentro de poucos anos, vamos ficar sem professores. Essa é a consequência inevitável de uma classe em que apenas 1,65% dos profissionais têm menos de 30 anos e mais de metade têm mais de 50 anos


No dia 7 de março foi entregue na Assembleia da República uma petição com mais de 60 mil assinaturas. É uma mobilização expressiva, suficiente para entrar no top-5 das petições mais subscritas da legislatura. A sua particularidade é ter sido assinada exclusivamente por professores e professoras que querem que o parlamento volte a pronunciar–se sobre a recuperação do tempo de serviço dos docentes.

Na petição, os professores manifestam apoio à proposta negocial apresentada pelos sindicatos, ou seja, a uma solução semelhante à que foi negociada nos Açores e na Madeira. De acordo com ela, a recuperação do tempo de serviço congelado seria feita faseadamente até 2025. Como medidas complementares preveem-se o acesso a vagas nos escalões que são necessárias e uma redução do tempo para aceder à aposentação no caso dos professores que estão mais perto da reforma.

É uma proposta razoável, e se o governo alguma vez tivesse tido vontade de negociar com os sindicatos, este teria sido um bom ponto de partida. Por várias razões. Primeiro, porque tem como precedente uma negociação bem–sucedida entre os sindicatos e os governos das regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Segundo, porque 2025 é um horizonte que vai muito além daquele que foi dado à recuperação das carreiras gerais e é uma prova de abertura negocial para um faseamento significativo. Terceiro, porque a possibilidade de conversão de alguns anos de serviço em anos para aceder à aposentação e vagas de progressão na carreira permite, em simultâneo, aliviar o impacto orçamental e resolver problemas emergentes da carreira docente.

Um desses problemas, para o qual todos os governos se têm recusado a olhar, é o envelhecimento da carreira docente. Como se fosse possível ignorar a existência de 12 mil professores do quadro com baixas médicas prolongadas. Mas não se enganem, a tragédia maior não está no cansaço daqueles que têm de prolongar os anos à frente de turmas de crianças para além das suas forças físicas.

O maior problema é que, dentro de poucos anos, vamos ficar sem professores. Essa é a consequência inevitável de uma classe em que apenas 1,65% dos profissionais têm menos de 30 anos e mais de metade têm mais de 50 anos. Pondo a coisa de uma forma mais gráfica, estima-se que em dez anos se reformem 40% dos professores e não há outros para os substituir.

A dificuldade já começa a fazer-se sentir em determinadas disciplinas em que as escolas não conseguem encontrar professores para fazer substituições. As razões são múltiplas e complexas, mas passam indubitavelmente pelo despedimento massivo de professores contratados durante o governo PSD/CDS, pela precariedade como sentença imposta aos jovens que querem ser professores, pela pouca atratividade da carreira docente e pela permanência nas escolas de dezenas de milhares de professores à beira da reforma, o que não facilita a renovação do corpo docente.

A proposta apresentada pelos sindicatos permitiria começar a abordar todas estas questões. Aquela recuperação de uma década de tempo de serviço, além de justa por comparação às carreiras gerais, teria três efeitos imediatos: libertar o sistema dos professores mais velhos, abrindo vagas em grupos de recrutamento e zonas do país que estão bloqueadas; oferecer estabilidade e condições salariais dignas àqueles que têm agora entre dez e 20 anos de serviço mas vivem a frustração de não passar do início da carreira; conseguir um acordo muito amplo, pacificador e valorizador da escola pública.

A opção do governo foi outra. Fincou o pé numa guerra espúria contra os professores, alimentou mitos sobre a sua carreira, reabriu uma ferida nacional que só agora começava a ser sarada. Utilizar os docentes como bode expiatório ou arma de arremesso eleitoral é filme já visto e sem suspense final. O governo recusou a recuperação integral do tempo de serviço, recusou negociar e continuou teimosamente a dizer que isto não passa de um problema orçamental motivado por um capricho.

É um erro que o Bloco de Esquerda não acompanha. A apreciação parlamentar que devolverá o decreto-lei do governo para ser debatido e alterado na Assembleia da República está mais do que anunciada. Nos antípodas da arrogância do governo e das dúvidas existenciais do PSD está o nosso compromisso com a recuperação da carreira dos docentes. Não por ignorarmos, mas precisamente por compreendermos o que está em causa.

 

Deputada do Bloco de Esquerda