Neto de Moura. Juiz poderá pedir escusa em novos processos

Neto de Moura. Juiz poderá pedir escusa em novos processos


A polémica em torno de Neto de Moura não para. O próprio já admitiu sentir-se triste e abatido com toda esta situação e o seu advogado reconheceu, ainda antes de ter sido conhecida a sua transferência, que o juiz pode voltar a pedir escusa de processos de violência doméstica, pretensão recusada recentemente pelo Supremo Tribunal…


Neto de Moura está na boca de todos os portugueses, e não pelas melhores razões. Depois de a polémica ter rebentado no ano passado devido a um acórdão sobre violência doméstica – em que o juiz classificou a vítima como uma “mulher adúltera” –, Neto de Moura pediu para que durante algum tempo deixasse de julgar casos de violência doméstica. Contudo, o pedido de escusa foi recusado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

Contactado pelo i, Miguel Matias, advogado, explicou que é normal que o STJ recuse este tipo de pedidos. “Os magistrados têm a obrigação e o dever de julgar e têm de julgar independentemente das suas convicções pessoais e dos casos que aparecem pela frente”, afirmou, adiantando que um juiz alegar que “não quer julgar processos de violência doméstica não é admissível como fundamento para tal”.

O advogado do juiz Neto de Moura, Ricardo Serrano Vieira, também partilha da mesma visão de Miguel Dias. Ao i, esclareceu que o pedido foi recusado porque o Supremo Tribunal de Justiça considerou que “não há base legal, ou seja, entende que na lei não está prevista essa autorização”. “O juiz pediu escusa não porque não se sentisse apto para julgar”, mas por entender que existia uma “campanha contra a sua pessoa na sequência dos outros dois acórdãos” e, por essa razão, “seria conveniente” ser afastado para não alimentar mais polémicas. Posteriormente, o advogado acabaria por dizer à RTP que Neto de Moura poderá voltar a pedir escusa em casos de violência doméstica.

Mas o caso tem ganho novos contornos nos últimos dias. Entretanto, esta quarta-feira, o juiz foi transferido para uma secção cível do Tribunal da Relação do Porto (TRP) que não analisa processos-crime de violência doméstica.

Recorde-se que no sábado, a defesa de Neto de Moura anunciou que estava a analisar todas as declarações feitas sobre as decisões do juiz para avançar com várias ações judiciais. Inicialmente, a lista foi indicada como tendo 20 nomes mas, ao i, Ricardo Vieira explicou que esse número pode variar: numa primeira análise foi feito “um levantamento de 20 pessoas”, afirmou, adiantando que estavam a ser analisadas todas as declarações por elas proferidas e que isso não significava que “fossem instauradas ações cíveis contra todas”. O advogado garantiu ainda que já têm identificados alguns dos nomes contra os quais vão avançar (ver páginas 16-17), estimando que as ações deverão dar entrada no tribunal no final deste mês.

Contudo, este é um caso peculiar. Além de as ações serem contra humoristas, jornalistas e políticos, o juiz Neto de Moura não vai pagar qualquer despesa associada aos processos que está a preparar por ofensas à honra profissional e pessoal. Tal como dita o estatuto dos magistrados judiciais, os juízes estão isentos “de custas em qualquer ação em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções, incluindo as de membro do Conselho Superior da Magistratura ou de inspetor judicial”.

Contactado pelo i, Teixeira da Mota, advogado, confirmou isso mesmo: “Os juízes, quando metem processos judiciais por causa do exercício das suas funções – como se verifica neste caso –, não pagam despesas judiciais.” E deu o exemplo: “Se o juiz meter um processo contra um humorista ou um político, a pessoa vai ter de pagar” os custos da ação judicial, enquanto “ele não paga nada para andar com o processo” para a frente.

Teixeira da Mota esclarece ainda que o valor da taxa inicial a pagar varia consoante o valor de indemnização que o juiz pedir (ver páginas 18-19). Por exemplo, se Neto de Moura pedir uma indemnização acima dos 250 mil euros, os visados terão de pagar uma taxa inicial de 1632 euros. Já se a indemnização for acima dos 100 mil euros, o valor da taxa fixa-se nos 1020 euros.

 

Neto de Moura sente-se “triste”

Desde sábado que as reações dos visados nos futuros processos se têm manifestado. Ricardo Araújo Pereira – um dos nomes na lista – não tem dado descanso e no último domingo inventou o jogo “Salva o Neto”. O objetivo é evitar que o juiz seja atingido por dejetos que vão caindo.

Este jogo foi o mote da entrevista dada pelo juiz ao “Observador” em que afirma sentir-se “abatido, triste e indignado” com toda esta situação. “É evidente que eu não posso sentir-me bem. É evidente que isto provoca mossa. É evidente que me sinto abatido. É evidente que me sinto triste com toda esta situação e sinto-me indignado”, reiterou.

Admitindo que sabe aceitar as críticas que fazem às suas decisões judiciais, diz que o que os nomes na sua “lista negra” fizeram é diferente. “É atacar pessoalmente quem as profere”, explicou, acrescentando que é com base nisso que irá processá-los.

Para o juiz, o fundamental não é o dinheiro que poderá vir a receber com a indemnização, mas sim os seus direitos terem sido atacados de “forma perfeitamente inadmissível e intolerável”.

Quanto ao facto de o Bloco de Esquerda ter pedido a sua demissão, Neto de Moura recusou-se a comentar e alertou para o facto de esta situação vir a condicionar as futuras decisões dos juízes. “Com tudo isto, os juízes não se sentem inteiramente livres de decidir”, defendeu, acrescentando que estes terão de pensar duas vezes nas suas palavras.

Neto de Moura defende ainda que os acórdãos que escreveu não vão inibir as vítimas de violência doméstica de apresentarem queixa: “Isto veio tornar ainda mais transparente, mais pública, digamos assim, essa situação. Porque, acho eu, as vítimas veem que, efetivamente, o seu caso é analisado. Agora, se é bem analisado ou não, isso depende da perspetiva.”

 

CSM em silêncio

Contactado pelo i, fonte do Conselho Superior da Magistratura (CSM) disse que não fazia comentários à polémica que se tem gerado nos últimos dias relativamente ao juiz Neto de Moura.

Desde o ano passado que o juiz tem sido notícia pelas suas decisões em dois casos de violência doméstica: num dos acórdãos, desvalorizou uma agressão por existir um caso de traição, e no outro decidiu retirar a pulseira eletrónica a um agressor.

O primeiro acórdão gerou bastante polémica e levou a que o CSM, no início de fevereiro deste ano, punisse o juiz com uma advertência pela “prática de uma infração disciplinar por dever de correção”.

Na semana passada, o CSM recusou-se a abrir um novo inquérito ao juiz, por considerar que a decisão de retirar a pulseira eletrónica diz respeito a uma determinação do juiz e que, com base na Constituição, o CSM não tem competência para interferir.