“Tinha dinheiro para comprar o monte do Alentejo?” A pergunta do juiz Ivo Rosa, na sessão de ontem da instrução do caso Marquês, foi certeira. E Sofia Fava, mãe dos filhos de José Sócrates e arguida neste processo, também foi perentória: “Não”. Ainda assim, Fava justifica que avançou para a compra do Monte das Margaridas por estar à espera que se resolvesse com celeridade o processo de partilhas de bens do seu ex-companheiro, entretanto falecido, de que seria uma das beneficiárias.
A arquiteta garantiu ainda que o projeto de comprar o monte nasceu em 2010 quando começou a namorar com Costa Reis – com quem manteve uma relação até 2017.
Perante a versão apresentada, o juiz questionou a arguida sobre as razões que levaram a que no Contrato Promessa Compra e Venda só constasse o nome de Costa Reis, que segundo Fava avançou com um sinal de cem mil euros (oriundos de uma herança que também tinha recebido). A antiga namorada de José Sócrates diz que tudo tem a ver com o facto de este ter dinheiro disponível para avançar naquele momento e de tentar preservar-se por ter estado casada com José Sócrates.
As explicações, porém, acabam por deixar de fazer sentido, uma vez que na escritura passou a ser o seu nome a aparecer, saindo o do seu companheiro da altura.
Segundo Sofia Fava, apesar de todas as incertezas e do preço elevado, decidiu avançar e ficar com o monte todo em seu nome
O reforço e a ajuda de Santos Silva Antes da escritura já os proprietários tinham deixado que fossem para lá viver – apenas com base no sinal de cem mil euros que tinha sido pago. Mas a determinada altura, foi pedido um reforço do sinal. É aí que o nome de Santos Silva aparece como fiador. Estamos no ano de 2011 – ano em que acabaria por ser feita a escritura.
De acordo com a versão de Fava, surge a necessidade de fazer este empréstimo de 150 mil euros para o reforço. Costa Reis, na versão da arquiteta, bebia e rebentou com os outros cem mil euros que recebera da herança – ainda que uma parte tenha sido usada igualmente em obras.
E, como da herança do seu pai ainda não tinha recebido nada mais que os 200 mil euros iniciais, acabou por sair da equação na escritura, que fora feita apenas em nome de Sofia Fava.
A estupefação volta a invadir a sala, quando Ivo Rosa pergunta a que propósito foi então feita uma transferência de 85 mil euros de Santos Silva para Costa Reis. Sofia Fava afirma que foi uma estimativa sua do valor gasto com as obras – os restantes 15 mil teriam sido gastos com bebida e outras coisas – e que ela decidiu devolver o dinheiro que o então companheiro lhe tinha avançado, “por não ser a madre Teresa”, com recurso a um empréstimo feito por Carlos Santos Silva.
Carlos Santos Silva não foi a sua primeira opção Sofia Fava disse ao juiz Ivo Rosa que quando teve de avançar para o empréstimo de 150 mil euros no BES pensou num tio para fiador, mas estava doente.
É por isso que decidiu ir “à sua lista de amigos” e achou que poderia ser Carlos Santos Silva.
Antes, o juiz já tinha perguntado se o gestor de conta não a tinha avisado que não tinha condições para suportar os 760 mil euros do monte.
Mas Sofia Fava esclareceu que apesar das reservas se considerou que a sua avença de cinco mil euros da XLM, o seu património – uma casa alugada a uma idosa que acreditava que ia morrer em breve – e um fiador eram suficientes.
Tanto ao juiz como ao procurador Rosário Teixeira, Fava afirmou que até à altura do empréstimo nunca falou com Sócrates nem com Santos Silva sobre este assunto.
Mas se por um lado afirmou que Costa Reis havia saído da equação, por outro justifica algumas transferências de Santos Silva para o seu então companheiro como uma necessidade que este sentia de entrar com dinheiro para não ser apenas usufrutuário – pedia emprestado enquanto não chegava o resto da sua herança.
Sócrates não achou bem, disse Sofia Fava garante que o monte não só não era de Sócrates, como quando ela contou que o ia comprar, o ex-primeiro-ministro disse-lhe que era um mau negócio e que ela não tinha condições para pagar.
Fava, instigada, disse que nunca lhe passou pela cabeça que o dinheiro de Santos Silva fosse de Sócrates.
Os valores recebidos por transferências foram sempre justificados ou com empréstimos, ou com a sua avença mensal da XLM ou com dinheiro da pensão de alimentos dos filhos. Mas nunca era nada certo, até porque os valores das transferências iam variando.
Da pensão de alimentos disse que não recebia nada estipulado, mas que Sócrates lhe dava dinheiro quando precisava.
E disse que pouco gastava para poder ter os encargos que tinha: Ela e os filhos eram muito contidos, quase só iam ao supermercado.
Quanto à vida de Sócrates disse também não saber nada: “Porque haveria de saber?”, disse, deixando Ivo Rosa irritado: “Eu não sou adivinho, tenho de lhe fazer as perguntas”.
Os incumprimentos no pagamento da mensalidade do empréstimo, diz, começaram em setembro de 2014 – precisamente quando a Operação Marquês começou a apertar as malhas.
Não fala sobre Paris O juiz Ivo Rosa ainda tentou questionar a arguida com o apartamento de Paris, mas Fava afirmou que não tem nada a ver com a casa e não respondeu a nada.
Quanto à sua avença de cinco mil euros da XLM, empresa ligada a Carlos Santos Silva, afirmou que o contrato de trabalho não era nenhuma farsa, como defende o MP.
E que não há registos de pagamentos certos, porque ela tinha de pedir. As avenças não entravam regularmente e quando vinham vinham juntas – disse, justificando as grandes transferências de dinheiro.
Apesar de contrariar a tese do MP, confirma que não conhecia ninguém na empresa, porque trabalhava de casa. Além disso, nem sequer trocava emails com colegas.
E adiantou que estava combinado que só trabalharia quatro horas por dia, mas que como chegou a trabalhar mais, às vezes, faziam o ajustamento e pagavam-lhe mais.
O procurador Rosário Teixeira não entende porque Sofia sempre recebeu a avença com cheques e não por transferência. O que só veio a acontecer em março de 2013. A arquiteta dá um explicação aparentemente pouco lógica no mercado de trabalho: “Era mais fácil. Para eu não me deslocar!” O procurador insiste. A tese do MP é que Sócrates teria sido avisado nesta altura que estava a ser investigado e tinha dificuldade em fazer circular o dinheiro da forma habitual. Tendo ela começado a receber da XLM em 2009. O magistrado voltou várias vezes à questão: “Mas porquê só em 2013?” A resposta da ex-mulher de Sócrates provocou algumas gargalhadas: “É porque eu sou lenta e só me lembrei disso nessa altura”.