Num ano que é de eleições – vão ser três, os chamamentos às urnas – convém relembrar alguns aspetos sobre a importância da participação individual dos cidadãos, no combate aos comportamentos lesivos – daqueles que elegemos para nos governar. Governar, entenda-se, em sentido amplo: uma nova atitude é também reclamada relativamente aos que nos governam nos palcos profissionais, sejam públicos ou privados.
Permitir o desvirtuamento da prossecução do interesse público é compactuar com criminosos – à face da lei, mas também dos mínimos padrões éticos. Falemos de corrupção, tráfico de influências, branqueamento de capitais, abuso de poder, peculato ou suborno, conflito de interesses ou práticas de lóbi, certo é que nos referimos a uma estrada de dois sentidos: se por um lado permitimos que se interrompa uma relação de confiança necessária e fundamental, por outro lado consentimos que o que é público, se degrade, se escoe num esboroamento sem retorno. Urge não só uma diferente estruturação mental relativamente à legítima reivindicação da boa gestão da res publica, como também um incremento substancial da preparação cívica, que deverá começar nos bancos da escola.
Os académicos denominam esta forma de intervenção pública de accountability vertical, que à falta de melhor tradução em português, pode definir-se como a responsabilidade de cada um de nós e de uma comunicação social livre em acompanhar, monitorizar e fiscalizar quem nos governa, com a mesma legitimidade e – espera-se – efeito persuasivo – dos controlos horizontais, realizados geralmente pelas instâncias judiciais e entidades específicas do setor público. É poder (e dever) exigir que estes sejam responsivos, isto é, que promovam os interesses dos cidadãos adotando políticas adequadas àqueles. Está bom de ver que ao permitirmos os níveis de corrupção que Portugal apresenta, este dever, para dizer o mínimo, surge-nos beliscado.
É que não nos deve interessar pacotes legislativos de aparente eficácia, porque em cumprimento às vezes tão somente, de compromissos internacionais. Devemos isso sim, reivindicar uma colaboração ativa na preparação daqueles, visto que, ao contrário de países como a Noruega, que se apresenta sistematicamente nas melhores classificações dos rankings sobre a matéria, em Portugal não se incentiva uma gestão transparente, que garanta a clareza e melhor difusão da informação, nem práticas de decisão inclusivas e promotoras de verdadeira cidadania, nem tão-pouco a incorporação do interesse público devidamente organizado no planeamento e implementação de processos de proteção de denunciantes. Mas o velho adágio continua atual, especialmente para os corajosos – “se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha”.
Apenas para relembrar os incautos, este nosso direito – dever – querendo-me parecer que apenas através do seu exercício, nos legitimamos à possibilidade efetiva de vociferação, e aguda – está constitucionalmente consagrado (nos artigos 48º a 52º da Lei Fundamental). Previamente convirá, não obstante, refletirmos seriamente sobre o nosso comportamento, aquele, enfim, tão bem conhecido como chico-espertismo luso, para que as pedras que possamos atirar, não nos caiam em cima.