O meu poucochinho é melhor do que o teu?


Há menos de seis meses, o PS aparecia como grande força incontestada no sistema político nacional. Era o vencedor antecipado das eleições. Subitamente, o vento mudou. Os portugueses começam a perceber o engodo da governação


O título deste texto não é uma frase extraída de um diálogo entre António Costa e António José Seguro. Mas bem podia.

O ambiente político no país está a mudar.

Há menos de seis meses, o PS aparecia como grande força incontestada no sistema político nacional. Era o vencedor antecipado das eleições. De todas as eleições. Acima dos 40% nas intenções de voto. Sonhos de maioria absoluta.

Subitamente, o vento mudou. Os portugueses começam a perceber o engodo da governação e a contradição insanável, cínica e disfuncional da frente de esquerda. O PS começou a cair nas sondagens. Nos discursos dos responsáveis socialistas, a euforia deu lugar a caldos de galinha.

Há cinco anos, António José Seguro venceu as eleições europeias com 31,5% dos votos e oito deputados eleitos. Resultado que, para o então presidente da Câmara de Lisboa, era “poucochinho”. O score eleitoral do PS em plena saída limpa do memorando da troika serviria de móbil para Costa assaltar o poder interno. Mesmo que ele próprio, em eleições legislativas, um ano depois, tenha conseguido apenas 32,31% dos votos e uma derrota no lugar da vitória de Seguro. Zero vírgula oito por cento mais poucochinho, se quiséssemos usar a mesma terminologia de Costa.

Convém recordar que em cima das legislativas de 2015, as sondagens davam insistentemente a vitória ao PS. E só viriam a mudar já perto do último mês de campanha.

Ora, entre as legislativas de há quatro anos e as idas às urnas de 2019 parece desenhar-se um padrão de gravidade de intenção de voto no PS: tudo o que sobe também desce. Costa sabe-o bem.

Mas o que é então um bom resultado para António Costa? É ganhar por poucochinho? É perder por poucochinho?

Tem toda a razão Castro Almeida, vice-presidente do PSD, quando diz que o partido só não ganha eleições se for incompetente. A escolha de Paulo Rangel é, nesse sentido, tranquilizadora. Com Paulo Rangel temos a garantia de combate político, com demarcação de território social-democrata, com detonação de pontes possíveis ou imaginárias para blocos centrais que não interessam nem ao PSD nem ao país.

Paulo Rangel vai enfrentar aquele que foi, muito provavelmente, um dos piores ministros que passaram pelas Obras Públicas. Os problemas dos caminhos-de-ferro portugueses não nasceram com Pedro Marques, mas foi com ele que explodiram os níveis de obsolescência da CP e da generalidade das linhas deste país. A falta de manutenção das estradas portuguesas também não é exclusiva do turno de Pedro Marques, mas foi nele que de norte a sul se esmagaram investimentos. Até as pequenas obras deixaram de ser feitas em nome da viragem da página da austeridade.

Antes de Pedro Marques, Portugal ocupava o primeiro lugar na execução de fundos comunitários. Depois de Pedro Marques caímos para o fundo da tabela no aproveitamento dos dinheiros de Bruxelas. Com Pedro Marques houve muito PowerPoint e pouca obra, muito anúncio e pouca concretização. De qualquer que seja o ponto de vista, Pedro Marques foi um mau ministro. Não disputo a sua competência técnica. Mas, afinal de contas, Pedro Marques acaba por ser julgado pela sua fraqueza política. Um homem que cedo foi sacrificado pela “solução governativa” e ficou refém da extrema-esquerda e dos seus grupos de pressão, sem engenho ou arte para se libertar dos grilhões. O problema é que o fracasso de Pedro Marques tem tido consequências: na degradação da segurança dos portugueses, no decréscimo de qualidade de alguns serviços públicos e na perda global de competitividade da economia portuguesa.

Quadro politicamente competente e astuto como é, caberá a Paulo Rangel a primeira investida na demolição do gigantesco edifício de propaganda montado pelo PS neste país.

O que não será uma novidade para o eurodeputado: fez o mesmo quando, em 2009, foi ponta-de-lança no escrutínio à governação Sócrates.

O ambiente político não mudou excessivamente desde então: o governo de Costa é uma reprise do governo Sócrates mas com o apoio da extrema-esquerda e um défice controlado; tudo o resto se manteve constante. Para maior infelicidade do país.

Este fim de semana também foi profícuo na demonstração de outra característica da gestão de Costa – e não estou a falar da gestão de um governo equilibrado em famílias (em toda a sua latitude), incluindo as ideológicas internas, com ganho para a dupla Fernando Medina/Pedro Marques, mas também para a família Pedro Santos/Vieira da Silva/Duarte Cordeiro; opositoras mas vencedoras.

Referia-me, isso sim, à gestão da saída de dois membros do governo para as listas europeias. Do atual executivo saíram um dos piores ministros (Pedro Marques) e uma das melhores ministras (Maria Manuel Leitão Marques). Quem foi colocado no primeiro lugar da lista? O pior, claro está. António Costa escolheu o pior em detrimento da melhor. Enfim, feitios. Ou, como diz o povo, não é defeito, é feitio.

Como é seu jeito, o primeiro-ministro já está a sacudir o capote antes de a água ter sequer caído.

Dificilmente um mau ministro como Pedro Marques dará um bom candidato – sobretudo alguém com manifestas dificuldades de socialização.

Mas o abaixamento das expetativas fez-se no momento em que o nome foi apresentado.

Com Pedro Marques, Costa fez o exercício de alinhar as intenções de voto com o valor real do candidato.

Todavia, isso não muda a natureza das coisas: um poucochinho será sempre um poucochinho.

 

Escreve à quarta-feira