Despesas com horas extra nos hospitais dispararam em 2018

Despesas com horas extra nos hospitais dispararam em 2018


Até novembro, os hospitais gastaram mais 265 milhões de euros com horas extra e suplementos do que no mesmo período de 2017, ao ponto de representarem 24,8% dos custos com vencimentos, um peso inédito


A despesa com horas extra nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde bateu recordes em 2018 e ainda não estão fechadas todas as contas do ano. Segundo a informação disponibilizada nos últimos dias no site da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), os hospitais gastaram até novembro 568 milhões de euros com trabalho extraordinário e suplementos, mais 265 milhões de euros do que no mesmo período de 2017. E uma análise da monitorização mensal revela que nesta fatura ainda não estão contabilizadas as despesas de cinco centros hospitalares de grande dimensão, como Coimbra, Amadora-Sintra ou Garcia de Orta.

O histórico da ACSS mostra uma evolução notória. Em 2018, os gastos com trabalho extraordinário e suplementos representaram 24,88% das despesas com pessoal. No ano anterior, o peso era de 11%, o mesmo em 2016 ou 2015. Tendo em conta a despesa, não há registo recente de montantes desta ordem, com a despesa quase a duplicar.

Como se explica? O i pediu um esclarecimento ao Ministério da Saúde, que não foi possível até à hora de fecho desta edição. Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, admite que estava à espera de um aumento, mas fala de uma dimensão “preocupante” com impacto na gestão das unidades que deve ser averiguada em detalhe pelo ministério, defende.

O gestor explica que o crescimento da despesa terá dois fatores: por um lado, a reposição de vencimentos ao longo de 2018 traduziu-se “num aumento do valor-hora”, o que representa por si só motivo para aumento da despesa com pessoal. O segundo fator é o regresso às 35 horas, aponta, que abrangeu todos os profissionais do SNS no segundo semestre de 2018. “As contratações foram insuficientes e os hospitais acabam por ter de recorrer às horas extra, até tendo em conta a grande dificuldade que existe para contratação de profissionais mesmo em situações comuns de substituição por motivo de doença”. O resultado é uma sobrecarga do pessoal, avisa Alexandre Lourenço, “com maior risco para os profissionais e para os doentes”.

Pediram 36 enfermeiros, foram autorizados 16 O i ordenou os diferentes hospitais pelo peso do trabalho extraordinário na rubrica de despesa com pessoal. Em cinco unidades, excedeu os 30% em 2018. A Unidade Local de Saúde da Guarda (ULSG) é a instituição que apresenta o maior peso: 34% da despesa com pessoal até novembro de 2018 foi para pagar horas extra e suplementos, no valor de 19,5 milhões de euros. Em novembro de 2017, os números eram bem diferentes: os custos com trabalho extraordinário tinham representado ao longo daquele ano 15,43% da despesa com vencimentos da unidade.

Questionada sobre esta trajetória, a administração da ULS da Guarda apontou ao i os diferentes fatores. Em primeiro lugar, a redução das 40 horas para 35 horas do período normal de trabalho (PNT) dos colaboradores com contrato individual de trabalho. De seguida, a reposição do pagamento a 100% das horas extraordinárias, conforme o Orçamento do Estado, e por fim a regularização, nos meses de janeiro e fevereiro de 2018, das horas em crédito aos trabalhadores enfermeiros, na sequência do regresso às 35h do período normal de trabalho dos funcionários públicos.

Já à pergunta sobre se o regresso às 35 horas foi bem acautelado, tendo em conta os levantamentos de necessidades pedidos pelo governo e pelas Administrações Regionais de Saúde antes de a medida entrar em vigor, o conselho de administração respondeu com as tabelas então enviadas à tutela. Enfermeiros e assistentes operacionais eram os profissionais onde esperava vir a ter mais impacto com a redução para as 35 horas decidida pelo governo, apontando para a necessidade de contratar 36 enfermeiros e 36 assistentes operacionais. As autorizações ficaram-se por um terço. “A ULS foi autorizada a contratar 16 enfermeiros e dez assistentes operacionais”, informou a ULS.

A solução acabou por ter de ser outra. “O regresso às 35 horas no 2.o semestre de 2018 foi acautelado, pela ULSG, com a redução do número de camas, de forma a assegurar dotações seguras e não colocar em causa a segurança e a qualidade dos cuidados prestados”, esclareceu, por email, o conselho de administração liderado por Isabel Coelho.

Sobre a sobrecarga dos profissionais, dizem que tem sido garantido o gozo de folgas e descanso compensatório, pelo que “a prestação de cuidados de saúde com segurança e qualidade não está assim a ser posta em causa”. A capacidade de resposta do hospital é que sai prejudicada: “A atividade programada tem sido penalizada.”

Quanto a soluções para o futuro, reiteram que têm feito vários esforços “no sentido de sensibilizar a tutela para a necessidade do reforço do quadro de pessoal e tenta diariamente captar novos recursos”. A gripe acabou por trazer uma ajuda: no âmbito do plano de contingência, foram “autorizadas as contratações de 14 Assistentes Operacionais e 12 Enfermeiros, que ficarão em definitivo no quadro da instituição”.

“Pior ano de sempre” na gestão de recursos humanos Quando se tem em conta o valor da despesa, é natural que surjam na dianteira os maiores hospitais. O recorde coube em 2018 ao Centro Hospitalar Lisboa Norte, que integra Santa Maria e Pulido Valente. Até novembro de, o gasto com horas extra foi de 52,8 milhões de euros, quando no mesmo período de 2017 não tinha ido além dos 19,5 milhões. Na altura, o peso desta rubrica nos vencimentos era de 11,64% neste centro hospitalar. Em 2018 disparou para 29,45%.

Carlos Martins, presidente do conselho de administração em gestão, admite que foi um ano muito difícil de gerir em termos de recursos humanos. “Entre ausências por direitos vários, absentismo e perda de Período Normal de Trabalho (regresso às 35 horas), tivemos em média menos 1200 a 1500 trabalhadores por dia no hospital. Costumamos ter 6300 trabalhadores e nos melhores dias tivemos 5000, é natural que as horas extra tenham de crescer”, diz o administrador, sublinhando que este resultado contraria a ideia de que a redução da carga horária dos funcionários públicos se ia traduzir em melhoria da eficiência e bem-estar. Em termos de motivação e absentismo, “foi o pior ano de sempre”, diz Carlos Martins.

O administrador concorda que o aumento do valor-hora e o aumento das greves na reta final do ano, por ser necessário recuperar mais tarde os atos cancelados, são outros fatores que aumentam a despesa com horas extra.

Consensual é a ideia de que faltam recursos humanos, mesmo quando a tutela tem sublinhando o aumento face aos anos anteriores. Enfermeiros e médicos são os profissionais que representam maior recurso a trabalho extraordinário.