Fidelidade?


O município, em vez de ensaiar uma operação urbanística de cariz predominantemente público que permitisse a integração de entidades de escala local e diferentes modelos de operacionalização, como vai sendo regra nas políticas de cidade mais contemporâneas e progressistas, lançou-se nas mãos da Fosun.


Quando, em 2014, a privatização da Fidelidade foi decidida a favor da chinesa Fosun, Vítor Gaspar anunciou um encaixe de 1263 milhões de euros. Mas a proposta continha duas cláusulas confidenciais que garantiam um robusto apoio público: a CGD passaria a estar obrigada a comercializar, em exclusividade, produtos da Fidelidade até 2039 e a abdicar de praticar comissões ao valor de mercado, o que resulta em perdas, segundo contas da “Sábado”, na ordem dos 40 milhões anuais.

Em 2017, Miguel Santana, administrador da Fidelidade Property, sociedade que gere os investimentos imobiliários da seguradora, declarava que havia investido em negócios imobiliários em Lisboa 80 milhões de euros e ter “no mercado uma operação de venda de 277 imóveis”. Esta operação de venda de imóveis ao fundo norte-americano Apollo rendeu 425 milhões de euros e inúmeros despejos por todo o país. Despejos não, corrijo. Na formulação que Assunção Cristas institucionalizou e que esta maioria não alterou, chamam-se cessações de contratos.

Esta semana, o “Público” revelou a intrincada construção de engenharia fiscal desta operação de compra, realizada a partir de quatro sociedades criadas para o efeito (Meritpanorama, Fragrantstrategy, Notablefrequency e Neptunecategory) e controladas a partir da Apollo e da sua sede na Box 309 da Ugland House, nas ilhas Caimão – morada-sede de 18 mil sociedades a que Obama se referiu como: “Ou é o edifício mais alto do mundo ou o maior estratagema fiscal de que há registo.”

Mas o que também é interessante recordar é que a privatização da Fidelidade foi disputada exclusivamente entre a Fosun (atual detentora da Fidelidade) e a Apollo (atual detentora de uma parte significativa dos ex-ativos imobiliários da Fidelidade). Sugerir que este acordo possa estar desenhado desde 2014 está longe de fazer parte das minhas cogitações.

Após um ano em que as cessações de contratos de arrendamento da Fidelidade forçaram o município de Lisboa a envolver-se no problema social criado, a seguradora constitui-se como a única parceira no maior processo de construção de cidade em curso, adquirindo, em hasta pública e por 274 milhões de euros, os direitos sobre a polémica Operação Integrada de Entrecampos. A compra inclui os terrenos da antiga Feira Popular, com 200 mil metros quadrados de potencial construtivo (habitação, comércio e serviços), e um outro terreno na Avenida Álvaro Pais, junto à estação de Entrecampos, com uma área de 40 mil metros quadrados de construção para serviços e comércio. Em nenhum destes terrenos se prevê a construção de fogos para arrendamento acessível pelo que, de uma forma escorreita e facilitada pelo modelo de operação urbanística definido pela autarquia, a Fosun refez a sua carteira imobiliária com lucro privado e o alto patrocínio do Estado. O município, em vez de ensaiar uma operação urbanística de cariz predominantemente público que permitisse a integração de entidades de escala local e diferentes modelos de operacionalização, como vai sendo regra nas políticas de cidade mais contemporâneas e progressistas – certamente mais difícil de desenhar, mas de gestão mais sustentável e menos monopolista –, lançou-se nas mãos da Fosun.

Em menos de cinco anos, a partir de milhões que vagueiam pela economia global, entrando e saindo de países sem serem devidamente taxados, a chinesa Fosun e a americana Apollo passaram a ser importantíssimos atores urbanos na cidade de Lisboa, à custa do que outrora foi património público.

 

Escreve à segunda-feira


Fidelidade?


O município, em vez de ensaiar uma operação urbanística de cariz predominantemente público que permitisse a integração de entidades de escala local e diferentes modelos de operacionalização, como vai sendo regra nas políticas de cidade mais contemporâneas e progressistas, lançou-se nas mãos da Fosun.


Quando, em 2014, a privatização da Fidelidade foi decidida a favor da chinesa Fosun, Vítor Gaspar anunciou um encaixe de 1263 milhões de euros. Mas a proposta continha duas cláusulas confidenciais que garantiam um robusto apoio público: a CGD passaria a estar obrigada a comercializar, em exclusividade, produtos da Fidelidade até 2039 e a abdicar de praticar comissões ao valor de mercado, o que resulta em perdas, segundo contas da “Sábado”, na ordem dos 40 milhões anuais.

Em 2017, Miguel Santana, administrador da Fidelidade Property, sociedade que gere os investimentos imobiliários da seguradora, declarava que havia investido em negócios imobiliários em Lisboa 80 milhões de euros e ter “no mercado uma operação de venda de 277 imóveis”. Esta operação de venda de imóveis ao fundo norte-americano Apollo rendeu 425 milhões de euros e inúmeros despejos por todo o país. Despejos não, corrijo. Na formulação que Assunção Cristas institucionalizou e que esta maioria não alterou, chamam-se cessações de contratos.

Esta semana, o “Público” revelou a intrincada construção de engenharia fiscal desta operação de compra, realizada a partir de quatro sociedades criadas para o efeito (Meritpanorama, Fragrantstrategy, Notablefrequency e Neptunecategory) e controladas a partir da Apollo e da sua sede na Box 309 da Ugland House, nas ilhas Caimão – morada-sede de 18 mil sociedades a que Obama se referiu como: “Ou é o edifício mais alto do mundo ou o maior estratagema fiscal de que há registo.”

Mas o que também é interessante recordar é que a privatização da Fidelidade foi disputada exclusivamente entre a Fosun (atual detentora da Fidelidade) e a Apollo (atual detentora de uma parte significativa dos ex-ativos imobiliários da Fidelidade). Sugerir que este acordo possa estar desenhado desde 2014 está longe de fazer parte das minhas cogitações.

Após um ano em que as cessações de contratos de arrendamento da Fidelidade forçaram o município de Lisboa a envolver-se no problema social criado, a seguradora constitui-se como a única parceira no maior processo de construção de cidade em curso, adquirindo, em hasta pública e por 274 milhões de euros, os direitos sobre a polémica Operação Integrada de Entrecampos. A compra inclui os terrenos da antiga Feira Popular, com 200 mil metros quadrados de potencial construtivo (habitação, comércio e serviços), e um outro terreno na Avenida Álvaro Pais, junto à estação de Entrecampos, com uma área de 40 mil metros quadrados de construção para serviços e comércio. Em nenhum destes terrenos se prevê a construção de fogos para arrendamento acessível pelo que, de uma forma escorreita e facilitada pelo modelo de operação urbanística definido pela autarquia, a Fosun refez a sua carteira imobiliária com lucro privado e o alto patrocínio do Estado. O município, em vez de ensaiar uma operação urbanística de cariz predominantemente público que permitisse a integração de entidades de escala local e diferentes modelos de operacionalização, como vai sendo regra nas políticas de cidade mais contemporâneas e progressistas – certamente mais difícil de desenhar, mas de gestão mais sustentável e menos monopolista –, lançou-se nas mãos da Fosun.

Em menos de cinco anos, a partir de milhões que vagueiam pela economia global, entrando e saindo de países sem serem devidamente taxados, a chinesa Fosun e a americana Apollo passaram a ser importantíssimos atores urbanos na cidade de Lisboa, à custa do que outrora foi património público.

 

Escreve à segunda-feira