“Sou conhecida como a Cecília Carmo do desporto da RTP.” A frase é da jornalista que durante vários anos foi o único rosto feminino da área do desporto na televisão portuguesa. É verdade que não foi a primeira mulher a dar a cara pelas notícias de desporto na televisão porque “a Natália Oliveira já estava na RTP [desde 1986]” mas, depois de ela deixar de aparecer nos ecrãs, Cecília Carmo ganhou espaço para ser a cara que durante muitos anos ficou associada a esta área na televisão. “Não era normal uma mulher trabalhar no desporto.”
Estes foram os primeiros nomes. Foram elas as pioneiras. A elas juntou-se ainda Pilar de Carvalho. Ao i, Natália Oliveira recorda esses tempos: “Não havia mulheres no desporto. Naquela altura havia a ideia de que a redação era um mundo de homens e o desporto também. Fiquei até 1988, por opção, mas sempre me senti muito bem lá. Eram só homens, mas eles fizeram de tudo para me apoiar. Nunca senti assédio nem bocas. Senti muito apoio.” E sublinha até que foi um homem quem abriu a porta. A ideia de apostar em Natália Oliveira foi de Afonso Rato, na altura responsável pelo desporto da RTP.
Agora, muitos anos depois, o que se pode dizer que tenha mudado em Portugal? O desporto continua a ser rei e soberano na televisão. A prova disso são as audiências. O futebol, em específico, continua a liderar a tabela dos mais vistos na televisão portuguesa. As polémicas desportivas continuam a colar os espetadores ao ecrã e, apesar de a tecnologia ter conseguido alterar o consumo de TV, ainda somos um país de futebol, como o demonstra a aposta generalizada dos principais canais de televisão em programas vários de debates desportivos. Mas e no resto? O que mudou? Numa altura em que muito se fala da igualdade de género nas mais diversas áreas, o i foi tentar saber como é a realidade do desporto e de quem não é atleta mas leva quem o é até aos telespetadores. Falamos do movimento #MeToo e de mudanças que têm acontecido e deverão continuar a acontecer, mas poderemos dizer que o desporto continua a ser um mundo de homens?
É verdade que já ninguém se admira de ver mulheres a acompanhar os treinos, a fazer comentários na pista e até a viajar com as equipas de futebol. Mas terão as mesmas oportunidades?
Ao i, Cláudia Lopes, jornalista da TVI, garante que começou a trabalhar na área por acidente, depois de ter começado a carreira de jornalista na economia. “Desafiaram-me. Queriam uma visão diferente. Eu tinha 25 anos e queriam aproveitar o facto de não ter vícios de linguagem.” Agora com 20 anos de experiência na área, sublinha que já foi feito um grande caminho mas que continuam a existir diferenças que encontram pilar no género. “Se um homem se enganar é porque se enganou, se for uma mulher é porque é mulher. Além de que ofender uma mulher é muito mais fácil.”
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Também na forma como o trabalho é visto interna e externamente, Cláudia Lopes assume que não tem dúvidas de que “temos de fazer o caminho o dobro das vezes. Tem de ser muito mais bem feito. Tem de ser defendido 50 vezes mais”. Ainda assim, admite que a questão diz respeito a todas as áreas e não apenas a esta, que muito tem evoluído: “Estamos a anos-luz do que já foi.”
Também Rita Mendonça, da TVI, considera que, “na grande maioria das áreas, uma mulher tem muito mais obstáculos do que um homem e mais a provar. Nesta área é pior, claro, porque o fenómeno desportivo é maioritariamente composto por homens e o próprio produto é direcionado para os homens. Acho que ainda existe muito a ideia generalizada de que as mulheres não percebem tanto de desporto como os homens. Na minha opinião, apesar da simpatia ser maior para uma mulher, a própria relação de confiança entre os profissionais/jornalistas e os agentes desportivos é mais fácil se for entre homens”. A jornalista admite ainda: “Apesar de trabalhar numa empresa onde mulheres e homens são vistos como iguais e têm as mesmas oportunidades (estamos em igual número no desporto), não acho que isso aconteça na maioria das empresas. Apesar de, ao longo dos anos, as coisas terem vindo a mudar, na área desportiva veem–se muitos mais jornalistas homens do que mulheres. Os homens são vistos como tendo mais conhecimentos de desporto e, por isso, são contratados em maior número. Em geral, é a eles que são atribuídos os trabalhos mais importantes.”
Já Clara Osório, da RTP, evidencia que “nos últimos anos há cada vez mais mulheres nas equipas de desporto dos vários meios de comunicação. Na minha geração, penso que a ideia de estigma é demasiado forte. Reconheço que assisti e senti alguma resistência em situações muito esporádicas. Mas, como sempre acreditei que a competência e o profissionalismo falam mais alto que o masculino/feminino, fiz questão de seguir esse caminho”.
Já em relação às portas que se abrem e se fecham e à forma como isso acontece, Clara Osório entende que “há bons e maus profissionais, no masculino e no feminino. Sinto que cada vez mais temos as mesmas oportunidades. E sei que, quando isso não se verificar, cá estaremos para lutar e para provar que, em tudo, o mérito tem de estar naquilo que fazemos, e não no nosso género”.
Ana Barros, da RTP, explica ao i que não vale a pena esconder “algo que acaba por ser óbvio. Ainda existe estigma, mas já vai sendo diluído na qualidade do trabalho que se mostra. Se não existisse já não seria tema, mas é. Creio que tudo isto resulta da própria formação, mentalidade do país, dos pais e da história de vida de cada um. É um mundo entregue, na maioria, aos homens, mas creio que isto está a mudar. No jornalismo desportivo e no desporto em geral. E uma coisa está relacionada com a outra”. E acrescenta: “Por sermos poucas, damos nas vistas. Ponto. Isso não é mau, é natural. Acredito que muitas vezes podem olhar com ‘desconfiança’, mas temos nas nossas mãos a possibilidade de mudar esta ideia, com o nosso trabalho. Um trabalho que pode ser feito de forma igual, por homem ou mulher. E sobre isso não tenho dúvidas.”
Também Andreia Palmeirim, da TVI, confessa que “não só sempre existiu como ainda existe [o estigma de ser uma mulher num mundo de homens]. Apesar de cada vez mais não ser um mundo só de homens e de existirem cada vez mais mulheres a trabalhar em jornalismo desportivo, ainda existe uma diferença entre certos trabalhos que são atribuídos tendo em conta o género. Penso que certas oportunidades e certos trabalhos acabam por recair muitas vezes para o lado masculino”. Ainda assim, há uma ideia de base em todos os discursos: mudança. Estamos a mudar e, felizmente, em todas as áreas, até em mundos que se apresentavam como sendo apenas de e para homens.
A esta forma de encarar o cenário junta-se ainda Inês Gonçalves, da RTP: “Desde pequena que queria trabalhar numa área relacionada com o desporto e o jornalismo foi a primeira escolha. Não sinto que haja um estigma nem que seja um mundo só de homens. Atualmente há cada vez mais mulheres nesta área e parece-me que isso é visto como algo normal.” No entanto, remata: “Numa fase inicial, acredito que é preciso provar que as mulheres dominam os temas desta área.”
Andreia Candeias, da CMTV, também admite que tem “sorte por trabalhar num grupo de média que aposta sem reservas em mulheres. Mas o jornalismo desportivo não é diferente das outras áreas da nossa sociedade: as mulheres continuam a ter de se esforçar mais e de provar mais que os homens para obterem as mesmas oportunidades”. Também Mariana Águas, deste canal, refere que “o estigma existe em muitos meios profissionais, mas o jornalismo desportivo em televisão tem características muito particulares. Nos últimos anos houve quase uma inversão de papéis. Se há alguns anos se dava preferência a um homem por haver o preconceito de que seria sempre mais competente do que uma mulher nesta área, hoje dão-se mais oportunidades a mulheres, por uma questão de imagem. Por outro lado, nem sempre essas mulheres são respeitadas dentro do meio. Felizmente, comigo esse cenário não se coloca, porque acredito que conquistei o respeito daqueles que me rodeiam no meio profissional. De qualquer forma, sou uma defensora acérrima da meritocracia, independentemente do género”.