Tudo o que se está a passar presentemente com a liderança de Rui Rio no PSD passou-se com a liderança de António José Seguro no PS. António José Seguro procurou libertar o seu partido da herança do socratismo, que tinha conduzido o país à bancarrota. Mas a ala socrática do PS nunca lhe perdoou essa atitude e manteve uma oposição constante à sua liderança, colocando António Costa sob reserva para o derrubar no momento mais oportuno. António Costa bem se fazia de desentendido, garantindo apoiar a liderança de Seguro, e chegando os dois a assinar um célebre “documento de Coimbra”, de união em torno da estratégia eleitoral do PS. Mas, mal Seguro ganhou as europeias, Costa desafiou a sua liderança, aproveitando a constante presença mediática que tinha, quer através da câmara, quer através de um programa regular na televisão. Aí, Seguro cometeu o erro de aceitar discutir a liderança numas eleições primárias, terreno muito mais favorável a António Costa, e acabou trucidado.
Rui Rio procurou seguir no PSD uma estratégia semelhante à de António José Seguro no PS, libertando o partido da herança do passismo, responsável pelo seu afundamento nas autárquicas. É verdade que também cometeu erros nessa estratégia, colocando o PSD demasiado à esquerda e chegando a apresentar propostas completamente absurdas para o seu eleitorado tradicional, como a da adesão à taxa Robles, proposta pelo BE. Com isso desguarneceu a ala direita do partido, levando a que Santana Lopes, inconformado com a derrota nas últimas eleições directas, tentasse criar um novo partido para pescar nessas águas. Mas a ala passista não seguiu Santana Lopes nessa aventura e, com o sucessivo isolamento a que Rui Rio a votou, receou perder os lugares no parlamento que ainda ocupa, pelo que decidiu derrubar imediatamente Rui Rio, para o que tinha também Luís Montenegro de reserva.
Efectivamente, Montenegro estava há imenso tempo a seguir ponto por ponto a estratégia de António Costa contra Seguro no PS. Recusou-se a disputar a liderança há um ano, mas fez um discurso no congresso a reservar-se para o futuro. Ia fazendo promessas de lealdade a Rio, mas foi utilizando o enorme espaço que lhe deram na rádio e nos jornais (vá lá saber-se porquê!) para minar a sua liderança. E agora, com um pretexto ridículo (umas declarações de Manuela Ferreira Leite), apresentou-se a desafiar Rui Rio, mas verificou-se logo que não reúne sequer o apoio do pleno dos seus críticos, tendo aparecido imediatamente vários outros candidatos a querer também disputar a liderança. Com uma disputa interna dessa ordem nesta altura, o PSD ameaça assim transformar-se num saco de gatos em pleno ano eleitoral.
Por muitos erros que esteja a cometer um líder partidário – e Rui Rio, infelizmente, tem cometido bastantes -, não é manifestamente correcto colocar a todo o tempo a liderança em causa, apenas porque aparece alguém com pretensões à mesma. Nem António José Seguro deveria ter aceite o desafio de Costa, nem Rui Rio pode aceitar as pretensões de Montenegro, sob pena de ter de marcar eleições directas no partido de cada vez que qualquer militante entenda ter chegado a sua hora de se candidatar à liderança. Os partidos são instituições e os mandatos eleitorais têm de ser respeitados.
Karl Marx escreveu uma obra intitulada “O 18 de Brumário de Louis Bonaparte”, sobre o golpe efectuado em 1851 pelo presidente francês Louis Bonaparte, que imitava o derrube do Directório pelo seu tio, Napoleão Bonaparte, em 1799. Essa obra inicia-se com uma afirmação que ficou célebre, a de que os acontecimentos na História acontecem sempre duas vezes: a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. Na verdade, se o derrube de Seguro por António Costa e a geringonça que este a seguir montou foram uma verdadeira tragédia nacional, este golpe de Montenegro no PSD constitui uma autêntica farsa. Os adversários do PSD estão a rir-se desta confusão em que o partido caiu. Esperemos que não continuem a rir-se por muito mais tempo.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990