São raras as obras de grande vulto em Portugal que avançam sem uma boa dose de polémica. Seja um importante centro cultural, um complexo de torres de escritórios ou a recuperação de um forte arruinado, tudo serve de motivo de discussão. E o pior que o poder político pode fazer é deixar-se intimidar pelas críticas, optando pura e simplesmente por nada fazer para não levantar ondas. Se fôssemos dar ouvidos a toda a gente, provavelmente hoje não teríamos o CCB, as Amoreiras ou algumas das igrejas mais vanguardistas.
Dito isto, foi um pouco surpreendente a celeridade da tomada de decisão do governo relativa ao aeroporto do Montijo, decidindo avançar mesmo antes de estarem preparados os estudos de impacto ambiental. Num país onde vemos questões importantíssimas a arrastarem-se dia após dia, mês após mês, ano após ano, a opção pelo Montijo foi tomada em tempo recorde.
Repito: é bom que Portugal não fique paralisado refém de polémicas e que os decisores políticos promovam o desenvolvimento.
Mas não podemos deixar de ficar um pouco preocupados com os sinais de promiscuidade entre o poder político e os negócios que vão aparecendo.
No momento da assinatura deste acordo, por exemplo, do lado dos privados encontrava-se um antigo ministro (com responsabilidades noutra grande empreitada, os estádios do Euro 2004, pois à época detinha a pasta do Desporto), que hoje é o chairman da ANA. José Luís Arnaut esteve ainda, enquanto advogado, envolvido no processo de privatização da empresa que gere os aeroportos. Por outro lado, a concessionária dos aeroportos, a francesa Vinci, detém também uma posição significativa na Lusoponte, concessionária da Ponte Vasco da Gama, cujo fluxo (e receita) irá aumentar com a construção de um novo aeroporto no Montijo.
Provavelmente nem há nada de errado neste caso. Mas não consigo deixar de pensar noutro contrato de muitos milhões, também assinado à pressa por um ministro do Ambiente, também controverso do ponto de vista ambiental e que, por coincidência, também se situa do outro lado do Tejo.