Portugal. De braços abertos para suspeitos da Lava Jato


São cada vez mais os casos de brasileiros que acossados pelas investigações que correm naquele país procuram em Portugal a impunidade. Uma acusação dos últimos dias deixa isso claro


O Brasil é visto por muitos como um paraíso para umas boas férias, mas nos últimos anos o nosso país também passou a figurar no imaginário de muitos brasileiros, que veem Portugal como um destino culturalmente próximo e seguro. Muitos vêm para descobrir o passado, outros para umas boas férias e até há os que procuram uma vida mais tranquila. Mas não deixa de ser irónico que o pequeno país europeu, que se diz seguro, seja já visto também como um escape para os brasileiros que querem fugir à Justiça daquele país e que aqui buscam um porto seguro – entenda-se de impunidade.

São já vários os envolvidos no maior escândalo de corrupção do Brasil – desmantelado no âmbito da Operação Lava Jato – que por terem nacionalidade ou ascendentes portugueses vieram para Portugal foragidos à Justiça brasileira. Um desses casos, talvez o mais conhecido, é o de Raul Schmidt, que apesar de ter estado a um passo da extradição, conseguiu à última hora ser reconhecido como cidadão português de origem e evitar assim a extradição há tanto tempo pedida pelas autoridades brasileiras.

Mas este não é caso único e as autoridades brasileiras estão a sentir que cada vez mais os suspeitos deste complexo esquema de criminalidade económica – que tem a petrolífera estatal Petrobras no centro – procuram cidades como Lisboa e Porto quando se veem nas malhas destas investigações.

Ainda este mês uma nova acusação da Lava Jato – fase Vitol – deixou a nu esta fuga. Mas por aqui o caso passou longe dos holofotes. Na acusação estavam em causa crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Os investigadores acreditam mesmo que no âmbito de negócios de compra e venda de óleos combustíveis realizados entre a Petrobras e a empresa Vitol foram feitos pagamentos de subornos que chegaram quase aos três milhões de dólares – negócios que foram ruinosos para a petrolífera estatal.

Na acusação, com 181 páginas, era possível ler que um dos 12 acusados tinha fugido já para Portugal. “Cesar Joaquim Rodrigues da Silva, brasileiro, casado, filho de Joaquim Pereira da Silva e Deolinda Rodrigues da Silva, natural do Rio de Janeiro/RJ, […]; atualmente foragido em Portugal”, lê-se do documento.

Mas basta avançar mais um pouco na acusação para se perceber que Portugal é mesmo cada vez mais um paraíso para suspeitos de crimes no Brasil: “Acrescente-se que Carlos Herz, em conversas interceptadas com autorização judicial, manifestou expressamente planos de fugir para Portugal (autos nº 5030784-76.2017.4.04.7000, evento 47, Anexo 2)”.

A cooperação de Portugal já tinha sido arrasada pelos procuradores da Lava Jato em julho. Ao semanário “Sol”, procuradores do Rio de Janeiro apontaram o dedo aos formalismos e à demora excessiva em julgar suspeitos da Lava Jato que se refugiaram em Portugal e não podem ser extraditados por terem nacionalidade portuguesa. Os magistrados brasileiros afirmaram ainda que a cooperação com França, Suíça ou Uruguai tem sido muito mais célere. Incompreensível!

Um dos casos mais insólitos foi o envio por parte do Brasil de documentos digitalizados e Portugal pedir o envio em formato físico. “Nós mandámos uma media [suporte informático] com vários documentos e o MP português exige que seja tudo impresso, e como é um volume bastante grande falaram que não poderiam imprimir essas folhas porque isso obrigaria a fazer um processo de licitação para contratar uma empresa para imprimir essa documentação”, denunciou na altura a procuradora Marisa Ferrari ao “Sol”, referindo-se ao caso de José Carlos Lavouras, o principal mentor de um esquema de pagamento de ‘luvas’ de mais de cem milhões de reais ao ex-governador Sérgio Cabral.

É por isso que o acordo firmado no último mês entre as procuradorias-gerais dos dois países se reveste de grande importância. Em causa está uma declaração de cooperação para que sejam criadas equipas conjuntas de investigação, sobretudo em casos como a Lava Jato. É uma boa notícia, mas sabe a pouco. Não era preciso ter chegado até aqui – a colaboração nestes casos e com países como o Brasil tem de ser imediata. Teríamos evitado certamente a fama de paraíso da impunidade.

 

Jornalista