2018 e o fim de um tempo


Na frente económica, a que tanto orgulha o governo, Portugal não parou de cair na tabela dos mais pobres da Europa. A pobreza não abrandou e a dívida continuou a aumentar


2018 está a chegar ao fim. Não ficará na história como um ano brilhante. Não será recordado com saudade. 2018 é o ano em que se confirmou a impreparação e falhanço do Estado português. Sobretudo quando os portugueses mais precisaram dele.

Tinham-nos prometido que ia ser diferente. Que depois de 2017, as omissões que vitimaram mais de uma centena de portugueses não se repetiriam. Que o governo tinha aprendido com os erros. Que o Estado não voltaria a falhar. 

E foi tanto, e foi quase tudo, o que voltou a falhar em 2018. O problema é estrutural e nenhuma narrativa conjuntural o resolve.

O Algarve foi a triste casa da maior área ardida na Europa. “A prova de que a estratégia contra os incêndios funcionou”. Foi o que nos disseram. O Estado falhou. 

No norte caiu um helicóptero de socorro do INEM. O Estado falhou no socorro a heróis anónimos.

No Alentejo profundo desabou uma estrada que toda a gente – do poder local ao central – sabia insegura. Sinais, mais sinais, de um abandono dos portugueses que não têm agendas fraturantes. Sinais evidentes de uma política socialista que para dar benesses a alguns tirou a todos. Foi esta política que trouxe o investimento público em Portugal para níveis historicamente baixos. A estrada de Borba é uma entre tantas estradas e caminhos-de-ferro e pontes.

Infraestruturas que, por esse país fora, atingiram um grau de obsolescência tal que a segurança dos portugueses está sempre posta em causa. Bem podem vir, a uns meses de eleições, apresentar pacotes de investimento de centenas de milhões – mas só para depois de 2030. Isso não esconde o importante: o Estado falhou e continua a falhar, reiterada e impunemente. 

Na frente económica, a que tanto orgulha o governo, Portugal não parou de cair na tabela dos mais pobres da Europa. A pobreza não abrandou e a dívida continuou a aumentar. A desigualdade entre os mais ricos e menos favorecidos cresceu. A Saúde e a Educação são hoje uma triste reminiscência de um Estado Social que já foi. Os portugueses ganham hoje muito menos do que os seus concidadãos europeus, mas somos campeões a pagar impostos. Continuou o êxodo de jovens para o estrangeiro. Duplicou o número de crianças que vai para a cama com fome. E a isto, com o maior descaramento, chamam milagre económico. 

Não admira que os partidos apareçam tão mal na fotografia. 

Para sermos rigorosos, houve apenas um milagre nos últimos quatro anos. Foi o milagre da duração do governo. Mas quando a qualidade de um executivo se define pela sua capacidade de sobreviver, está tudo dito quanto a tudo o resto que faltou ao país. 

Tivesse o PSD uma liderança capaz de fazer uma oposição mais centrada nos problemas dos portugueses e menos apontada em fazer afrontamentos internos e o resultado de 2019 estaria tudo menos fechado. 

O abrandamento da economia mundial e a instabilidade política na Europa são o sopro que pode expor a maior das evidências: andámos quatro anos a construir uma casa de palha.  

Na arena internacional, 2018 também releva este traço de desagregação, de fim de ciclo. 

A ONU avisou, em outubro, que temos menos de doze anos para atuar contra as alterações climáticas. Antes que seja tarde demais. Antes que seja alcançado um ponto de não retorno. A frequência e violência de chuvas torrenciais, calor extremo e furacões – que, este ano, até Portugal conheceu – são um alerta potente para o que nos espera. Embora o globalismo seja a única resposta a um problema desta dimensão, o que tivemos em 2018 foi mais de nacionalismo e paroquialismo. Terá sido mais um ano perdido – quantos mais nos podemos dar ao luxo de perder? – no combate às alterações climáticas. 

Perdido é o tempo da Venezuela. É uma dor de alma assistir à destruição da outrora próspera e democrática Venezuela às mãos de lunáticos de extrema-esquerda que entre nós têm leais seguidores. Com uma vasta comunidade portuguesa em enormíssimas dificuldades (para eles também uma palavra de esperança neste Natal), a Venezuela é a segunda maior catástrofe humanitária do planeta. Só suplantada pela devastação insana e irresolúvel na Síria.
Ainda pela América do Sul, o Brasil guinou à direita com Jaír Bolsonaro. O militar promete luta sem quartel contra a corrupção. Quanto ao futuro do maior país da lusofonia só há uma certeza: será ainda mais polarizado do que o passado.   

Mais a norte, Donald Trump retirou os Estado Unidos do acordo nuclear com o Irão, lançou as sementes da destruição da ordem comercial internacional com rondas de tarifas sobre parceiros e competidores. E numa política de quero, posso e mando, entreteve-se a humilhar os aliados europeus com ameaças de saída da NATO entre outros dislates. Mesmo assim, é preciso reconhecer que ninguém faz tanto pela sua menorização como os próprios europeus. Os britânicos continuam a perder energia política, coesão social e recursos económicos naquele que será, porventura, o maior dano autoinfligido por uma democracia – o Brexit. 

A Itália vá bene de mão dada com os populismos. Macron perde energia reformadora. E a grande líder europeia da última década, a chanceler Merkel, está de saída de cena. Com eleições europeias de alto risco no horizonte, ainda há líderes na Europa? Ou, melhor, ainda há Europa para ser liderada?  

Erosão do Estado. Degradação da democracia. Nacionalismo e política musculada. Estamos no fim de um tempo e no início de qualquer coisa que ainda não sabemos bem o que é. Que 2019 nos traga a força para erguer um Estado que proteja as pessoas. E a lucidez para travarmos o combate necessário, em nome da liberdade, contra os radicais e os imoderados que por todo o lado pululam. 

Um próspero 2019 a todos os leitores do i. 

Escreve à quarta-feira


2018 e o fim de um tempo


Na frente económica, a que tanto orgulha o governo, Portugal não parou de cair na tabela dos mais pobres da Europa. A pobreza não abrandou e a dívida continuou a aumentar


2018 está a chegar ao fim. Não ficará na história como um ano brilhante. Não será recordado com saudade. 2018 é o ano em que se confirmou a impreparação e falhanço do Estado português. Sobretudo quando os portugueses mais precisaram dele.

Tinham-nos prometido que ia ser diferente. Que depois de 2017, as omissões que vitimaram mais de uma centena de portugueses não se repetiriam. Que o governo tinha aprendido com os erros. Que o Estado não voltaria a falhar. 

E foi tanto, e foi quase tudo, o que voltou a falhar em 2018. O problema é estrutural e nenhuma narrativa conjuntural o resolve.

O Algarve foi a triste casa da maior área ardida na Europa. “A prova de que a estratégia contra os incêndios funcionou”. Foi o que nos disseram. O Estado falhou. 

No norte caiu um helicóptero de socorro do INEM. O Estado falhou no socorro a heróis anónimos.

No Alentejo profundo desabou uma estrada que toda a gente – do poder local ao central – sabia insegura. Sinais, mais sinais, de um abandono dos portugueses que não têm agendas fraturantes. Sinais evidentes de uma política socialista que para dar benesses a alguns tirou a todos. Foi esta política que trouxe o investimento público em Portugal para níveis historicamente baixos. A estrada de Borba é uma entre tantas estradas e caminhos-de-ferro e pontes.

Infraestruturas que, por esse país fora, atingiram um grau de obsolescência tal que a segurança dos portugueses está sempre posta em causa. Bem podem vir, a uns meses de eleições, apresentar pacotes de investimento de centenas de milhões – mas só para depois de 2030. Isso não esconde o importante: o Estado falhou e continua a falhar, reiterada e impunemente. 

Na frente económica, a que tanto orgulha o governo, Portugal não parou de cair na tabela dos mais pobres da Europa. A pobreza não abrandou e a dívida continuou a aumentar. A desigualdade entre os mais ricos e menos favorecidos cresceu. A Saúde e a Educação são hoje uma triste reminiscência de um Estado Social que já foi. Os portugueses ganham hoje muito menos do que os seus concidadãos europeus, mas somos campeões a pagar impostos. Continuou o êxodo de jovens para o estrangeiro. Duplicou o número de crianças que vai para a cama com fome. E a isto, com o maior descaramento, chamam milagre económico. 

Não admira que os partidos apareçam tão mal na fotografia. 

Para sermos rigorosos, houve apenas um milagre nos últimos quatro anos. Foi o milagre da duração do governo. Mas quando a qualidade de um executivo se define pela sua capacidade de sobreviver, está tudo dito quanto a tudo o resto que faltou ao país. 

Tivesse o PSD uma liderança capaz de fazer uma oposição mais centrada nos problemas dos portugueses e menos apontada em fazer afrontamentos internos e o resultado de 2019 estaria tudo menos fechado. 

O abrandamento da economia mundial e a instabilidade política na Europa são o sopro que pode expor a maior das evidências: andámos quatro anos a construir uma casa de palha.  

Na arena internacional, 2018 também releva este traço de desagregação, de fim de ciclo. 

A ONU avisou, em outubro, que temos menos de doze anos para atuar contra as alterações climáticas. Antes que seja tarde demais. Antes que seja alcançado um ponto de não retorno. A frequência e violência de chuvas torrenciais, calor extremo e furacões – que, este ano, até Portugal conheceu – são um alerta potente para o que nos espera. Embora o globalismo seja a única resposta a um problema desta dimensão, o que tivemos em 2018 foi mais de nacionalismo e paroquialismo. Terá sido mais um ano perdido – quantos mais nos podemos dar ao luxo de perder? – no combate às alterações climáticas. 

Perdido é o tempo da Venezuela. É uma dor de alma assistir à destruição da outrora próspera e democrática Venezuela às mãos de lunáticos de extrema-esquerda que entre nós têm leais seguidores. Com uma vasta comunidade portuguesa em enormíssimas dificuldades (para eles também uma palavra de esperança neste Natal), a Venezuela é a segunda maior catástrofe humanitária do planeta. Só suplantada pela devastação insana e irresolúvel na Síria.
Ainda pela América do Sul, o Brasil guinou à direita com Jaír Bolsonaro. O militar promete luta sem quartel contra a corrupção. Quanto ao futuro do maior país da lusofonia só há uma certeza: será ainda mais polarizado do que o passado.   

Mais a norte, Donald Trump retirou os Estado Unidos do acordo nuclear com o Irão, lançou as sementes da destruição da ordem comercial internacional com rondas de tarifas sobre parceiros e competidores. E numa política de quero, posso e mando, entreteve-se a humilhar os aliados europeus com ameaças de saída da NATO entre outros dislates. Mesmo assim, é preciso reconhecer que ninguém faz tanto pela sua menorização como os próprios europeus. Os britânicos continuam a perder energia política, coesão social e recursos económicos naquele que será, porventura, o maior dano autoinfligido por uma democracia – o Brexit. 

A Itália vá bene de mão dada com os populismos. Macron perde energia reformadora. E a grande líder europeia da última década, a chanceler Merkel, está de saída de cena. Com eleições europeias de alto risco no horizonte, ainda há líderes na Europa? Ou, melhor, ainda há Europa para ser liderada?  

Erosão do Estado. Degradação da democracia. Nacionalismo e política musculada. Estamos no fim de um tempo e no início de qualquer coisa que ainda não sabemos bem o que é. Que 2019 nos traga a força para erguer um Estado que proteja as pessoas. E a lucidez para travarmos o combate necessário, em nome da liberdade, contra os radicais e os imoderados que por todo o lado pululam. 

Um próspero 2019 a todos os leitores do i. 

Escreve à quarta-feira