O abacate era uma iguaria das festas, com vinho do Porto e açúcar ou com maionese e camarão. Diziam os gourmets da família, que para mim era só aquele fruto esquisito que ficava cinzento num instante e sabia mal. Depois, um dia deixou de ser estranho e tornou-se uma obsessão global, com uma pegada ecológica de fazer tremer os consumidores mais conscienciosos. O certo é que hoje sabemos quando está caro e barato, qual é o ponto certo de maturação para o guacamole (o píncaro solta-se…), como usá-lo em musses e tostas. É só um exemplo disto que tem estado a acontecer-nos. Aparentemente, há muito tempo que a dieta ocidental não era tão exploradora de novos e velhos sabores, numa busca um pouco insana por uma vida mais saudável e, ao mesmo tempo, tão contagiosa quando se trata de incorporar todas essas descobertas na lista de compras.
Tirando os fanatismos, ainda bem que assim é, porque comemos mais variado e com menos alimentos processados. As curgetes ganharam nova vida, idem a batata-doce ou as lentilhas. Descobrimos o sésamo, a linhaça, as sementes de mostarda. A couve-flor faz bases de pizza e “arroz” – cá em casa é sempre uma luta quando me ponho com estas receitas, o que vale é que nem sempre há tempo. O grão faz quilos e quilos de húmus, que se barra no pão ou se come com cenouras cruas com o mesmo prazer com que, antigamente, se abria um pacote de manteiga ou se servia de entrada um patê de cogumelos ou grãos de pimenta. Até a água de cozer o grão é algo precioso nos tempos que correm – noutro dia, para fazer a festa a uma amiga vegana, experimentei preparar a musse de chocolate com a tal “aquafaba” (os 180 ml de água que vêm no frasco de grão, que ainda não passei para o nível de cozer as leguminosas sempre que preciso delas) e correu surpreendentemente bem. Bate-se aquilo um bocado e a água “cresce” mesmo como se fossem claras em castelo. Depois é só juntar o chocolate derretido. Nós acreditamos antes de ver porque já lemos dezenas de posts sobre o assunto na internet, mas os mais velhos ficam de boca aberta. Nada disto se sabia no passado ou não estávamos para aí virados? Não devíamos estar.
E que dizer da aveia, da quinoa, do bulgur, da cevadinha ou do trigo-sarraceno? Com tanto acompanhamento alternativo, hoje, um quilo de arroz dura uma eternidade em casa e contam-se pelos dedos de uma mão os pacotes de massa que abri nos últimos anos. Há ainda a alfarroba e a espelta, trigo selvagem, dizem eles… de repente, está em todo o lado. No campo dos frescos, a minha experiência mais recente foram as chips de couve kale e é realmente curiosa a consistência com que ficam as folhas depois de irem ao forno. Bom, talvez não sejam as “novas batatas fritas”, mas vale o esforço.
Como boa millennial que sou, tenho experimentado tudo, mas sem grandes fundamentalismos – só ainda não me meti por aquele mundo dos pacotinhos de maca, cacau cru e pós do género porque continuo a preferir o meu café com leite e torradas a papas de aveia e demais taças de autor pela manhã. Eis, então, porque escrevo agora sobre isto – de tudo o que descobri nos últimos anos, há um claro e simples vencedor pelo qual não consigo passar no supermercado sem um sorriso interior: o dióspiro de roer. Cresci com aquela ideia melosa dos dióspiros moles que apareciam lá em casa, oferecidos por alguém, e que ficavam a rebolar-se entre a bancada e o frigorífico até acabarem no caixote de lixo – quantas árvores de dióspiros sem amigos por esse país fora. Sei que muitas pessoas têm o mesmo trauma e, por isso, ainda não deram uma oportunidade ao dióspiro de roer. Dizem que não gostam de dióspiros e não sabem o que estão a perder. Experimentem: está na altura deles e estão ótimos. Eu também era cética até ao dia em que o senhor que nos levava o cesto de fruta para a copa da redação – outra das grandes invenções dos últimos anos – desistiu de os levar para trás todas as semanas porque ninguém os comia e nos pediu que esperássemos um pouco. Voltou com um prato de dióspiro fatiado com canela por cima e a vida nunca mais foi a mesma. Hoje até já gosto dos outros, por solidariedade.
Jornalista
Escreve à sexta-feira