Andamos todos distraídos


Não teria problema nenhum andarmos todos enredados nestas questões se não houvesse mais nada com que nos preocuparmos. Só que não vivemos no país das maravilhas


O mundo não avança todo em bloco e até num país pequeno como Portugal pode haver discrepâncias gritantes do ponto de vista do desenvolvimento. Enquanto no Parque das Nações “unicórnios” discutem startups e tecnologias de ponta, no interior há aldeias onde os benefícios do progresso demoram a chegar. Como já foi escrito, somos um país a duas velocidades em que a ânsia de modernidade coabita, de forma às vezes aflitiva, outras vezes apenas ridícula, com os aspetos mais arcaicos.

Essa ânsia de modernidade pode ser observada nalguns dos assuntos que mais tinta têm feito correr nos últimos tempos. Poderíamos começar pelas touradas. A não descida do IVA de 13% para 6% tornou-se uma questão de vida ou de morte para aqueles que veem neste espetáculo um sinal de atraso e de barbarismo. Antes disso, houve quem achasse fundamental, a bem da tolerância, aprovar uma lei que permitisse aos jovens de 16 mudar de género sem precisarem do consentimento dos pais nem de parecer médico. Outros ainda – e daí talvez fossem os mesmos… – bateram-se para que os cãezinhos não fossem discriminados e pudessem passar a frequentar os restaurantes com os seus donos. E não esqueçamos os que ficaram profundamente indignados com a retirada de três ou quatro fotografias explícitas de uma exposição em Serralves – uma autêntica questão de Estado, ao ponto de suscitar uma audiência parlamentar com os responsáveis envolvidos.

Não teria problema nenhum andarmos todos enredados nestas questões se não houvesse mais nada com que nos preocuparmos. Só que não vivemos no país das maravilhas. Vivemos num país onde há incêndios devastadores, pessoas que morrem esmagadas por causa de uma salamandra que explode (Tondela), hospitais sem recursos, estradas que abatem, etc., etc. E é em alturas como esta, quando acontecem tragédias como a de Borba-Vila Viçosa, que percebemos que discussões sobre touradas, identidade de género, cãezinhos e fotografias de pirilaus eretos até podem ser muito estimulantes, mas só servem para andarmos todos distraídos.