Viagem ao fundo da liberdade de tourear


Para Manuel Alegre e o seu “epifenomenal” amigo Miguel Sousa Tavares – ambos pedem meças ao marquês de Marialva! –, o toureio é arte tão nobre como o boxe.


Conseguindo ir mais fundo do que a inteligência consegue descer, o político, poeta laureado e doutor honoris causa Manuel Alegre proclama, ex cathedra, que “quem não percebe o que há de ‘sagrado’ numa corrida de touros também não percebe a poesia, não percebe a literatura”. Leio e pasmo. Nestes últimos tempos, com as suas catilinárias taurinas, o poeta já me ofendeu várias vezes, fazendo-me passar por “promotor de Bolsonaros” e indigente que “não percebe a poesia, não percebe a literatura”. A arrogância deste poeta e político marialva, capaz de arrastar tantos “forcados da política” no grupo parlamentar do PS, não tem limites. É assim uma espécie de socialismo de bandarilheiros, forcados e toureiros de capote e estoque que em Portugal fingem que matam o touro, mas só o torturam.

Manuel Alegre diz e repete: “A questão das touradas é uma questão de liberdade.” E o seu companheiro de caçadas Miguel Sousa Tavares, um epifenómeno, repete exactamente o mesmo. Parecem Dupond e Dupont, amigos do Tintim. Para eles trata-se, é claro, da liberdade de tourear, de bandarilhar e de torturar um touro até o fazer sangrar, retirando-lhe energia bastante para que os forcados o peguem de caras sem grande risco, ou de cernelha se falharem de caras, antes de o touro voltar aos curros num grande sofrimento que se prolongará por mais uns dias, sem água nem tratamento para o aliviar. Ao menos em Espanha abrevia-se o sofrimento na arena, com a estocada mortal no touro, para gáudio dos fanáticos. Se o bicho não morre logo, espetam-lhe um punhal na cabeça e é um descanso.

Para Manuel Alegre e o seu “epifenomenal” amigo Miguel Sousa Tavares – ambos pedem meças ao marquês de Marialva! –, o toureio é arte tão nobre como o boxe. É, sobretudo, uma tradição sagrada e sacrificial que se inscreve no mais profundo espólio que uma nação deve conservar no seu depósito da consciência colectiva. A nação, pois claro, e a tradição, evidentemente, que vão bem mais longe e mais ao fundo do que a antiga musa canta! Trata-se de martelar infatigavelmente estas ideias. Como escreveu Gustave Le Bon: “A afirmação pura e simples, libertada de qualquer raciocínio e de qualquer prova, constitui um meio seguro para penetrar no espírito das multidões. Quanto mais concisa ela for, desprovida de provas e de demonstração, mais se torna autoridade. Os livros religiosos e os códigos de todas as idades sempre procederam por via da simples afirmação.” Trata-se, em suma, de reduzir ao máximo a actividade mental do “grande público” – e também de um “pequeno público” de deputados do PS – estruturando todo o discurso em torno de uma quantidade limitada de asserções. Nem é preciso que elas sejam brilhantes, novas ou originais. Basta que seduzam pela sua forma e pela concisão.
Tal como um toureiro em Espanha simplifica… até à morte do touro!

A diabolização de todos os que execram as touradas – porque as consideram um espectáculo bárbaro e cruel, em que o animal indefeso é alvo de tortura contínua para gáudio do público – é, na minha opinião, uma atitude inadmissível por parte de quem se apresenta perante os outros em bicos de pés, tão cheio de arrogância, como se fosse um espírito superior e o farol da ética democrática. Até parece que só haverá democracia enquanto houver “corridas de touros” e que a liberdade só deve servir para garantir o “gosto” dos “aficionados”, fórmula suave de mencionar os fanáticos das touradas. Mais: parece que só os “direitos do homem” devem ser defendidos e que a vida dos animais não dispõe de qualquer direito nem merece a menor protecção jurídica. Os fanáticos das touradas dizem mesmo que os que as detestam e contestam não são verdadeiros humanistas e que é essa atitude que os faz gerar Bolsonaros, ditadores, tiranos, il Duce e der Führer! 

Ora, isto é um insulto, um disparate, uma estupidez e uma contradição, dado que Bolsonaro é, como se sabe, um político rasca, de extrema-direita, com um cérebro reptiliano e um instinto de matança, precisamente dirigido contra todos os que o detestam e contestam – designadamente os políticos de esquerda (os vermelhos!), as mulheres em geral e as emancipadas em especial, os homossexuais, os mais pobres e desprotegidos (mesmo os que votaram nele) –, o que não levanta dúvidas quanto à posição que Bolsonaro adoptaria em relação à “questão das touradas”: ao lado de Manuel Alegre e do seu epifenómeno Miguel Sousa Tavares!

Confesso que não esperava que um doutor honoris causa me cobrisse de tantos e tão miseráveis insultos, ao insultar genericamente todos quantos não comungam da sua paixão até há pouco assolapada pelas corridas de touros. É verdade que já outros tinham feito mesmo, catalogando-me estupidamente, e aos que detestam e contestam as ditas cujas, como “ignorantes inúteis”. Enfim, pobres de espírito! Mas é certo que o feitio incandescente e “tremendista” de Manuel Alegre, sempre à espreita de pretexto para que falem dele – e, tauromaquicamente falando, para encostar às tábuas o PS –, submete-o, como a Savonarola, a uma “prova de fogo” que só uma «chuva diluviana” conseguirá apagar. Talvez Miguel Sousa Tavares acorra, disfarçado de bombeiro, para o “salvar”, à frente duma pequena multidão de aficionados e marialvas, forcados, bandarilheiros e toureiros, de inteligentes e corneteiros das corridas, de cavaleiros com as farpelas “à antiga portuguesa”, de ganadeiros, latifundiários e senhoras galantes de chapéu à mazantino e, é claro!, de vários deputados do PS, com o sempre inefável Carlos César à cabeça…

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


Viagem ao fundo da liberdade de tourear


Para Manuel Alegre e o seu “epifenomenal” amigo Miguel Sousa Tavares – ambos pedem meças ao marquês de Marialva! –, o toureio é arte tão nobre como o boxe.


Conseguindo ir mais fundo do que a inteligência consegue descer, o político, poeta laureado e doutor honoris causa Manuel Alegre proclama, ex cathedra, que “quem não percebe o que há de ‘sagrado’ numa corrida de touros também não percebe a poesia, não percebe a literatura”. Leio e pasmo. Nestes últimos tempos, com as suas catilinárias taurinas, o poeta já me ofendeu várias vezes, fazendo-me passar por “promotor de Bolsonaros” e indigente que “não percebe a poesia, não percebe a literatura”. A arrogância deste poeta e político marialva, capaz de arrastar tantos “forcados da política” no grupo parlamentar do PS, não tem limites. É assim uma espécie de socialismo de bandarilheiros, forcados e toureiros de capote e estoque que em Portugal fingem que matam o touro, mas só o torturam.

Manuel Alegre diz e repete: “A questão das touradas é uma questão de liberdade.” E o seu companheiro de caçadas Miguel Sousa Tavares, um epifenómeno, repete exactamente o mesmo. Parecem Dupond e Dupont, amigos do Tintim. Para eles trata-se, é claro, da liberdade de tourear, de bandarilhar e de torturar um touro até o fazer sangrar, retirando-lhe energia bastante para que os forcados o peguem de caras sem grande risco, ou de cernelha se falharem de caras, antes de o touro voltar aos curros num grande sofrimento que se prolongará por mais uns dias, sem água nem tratamento para o aliviar. Ao menos em Espanha abrevia-se o sofrimento na arena, com a estocada mortal no touro, para gáudio dos fanáticos. Se o bicho não morre logo, espetam-lhe um punhal na cabeça e é um descanso.

Para Manuel Alegre e o seu “epifenomenal” amigo Miguel Sousa Tavares – ambos pedem meças ao marquês de Marialva! –, o toureio é arte tão nobre como o boxe. É, sobretudo, uma tradição sagrada e sacrificial que se inscreve no mais profundo espólio que uma nação deve conservar no seu depósito da consciência colectiva. A nação, pois claro, e a tradição, evidentemente, que vão bem mais longe e mais ao fundo do que a antiga musa canta! Trata-se de martelar infatigavelmente estas ideias. Como escreveu Gustave Le Bon: “A afirmação pura e simples, libertada de qualquer raciocínio e de qualquer prova, constitui um meio seguro para penetrar no espírito das multidões. Quanto mais concisa ela for, desprovida de provas e de demonstração, mais se torna autoridade. Os livros religiosos e os códigos de todas as idades sempre procederam por via da simples afirmação.” Trata-se, em suma, de reduzir ao máximo a actividade mental do “grande público” – e também de um “pequeno público” de deputados do PS – estruturando todo o discurso em torno de uma quantidade limitada de asserções. Nem é preciso que elas sejam brilhantes, novas ou originais. Basta que seduzam pela sua forma e pela concisão.
Tal como um toureiro em Espanha simplifica… até à morte do touro!

A diabolização de todos os que execram as touradas – porque as consideram um espectáculo bárbaro e cruel, em que o animal indefeso é alvo de tortura contínua para gáudio do público – é, na minha opinião, uma atitude inadmissível por parte de quem se apresenta perante os outros em bicos de pés, tão cheio de arrogância, como se fosse um espírito superior e o farol da ética democrática. Até parece que só haverá democracia enquanto houver “corridas de touros” e que a liberdade só deve servir para garantir o “gosto” dos “aficionados”, fórmula suave de mencionar os fanáticos das touradas. Mais: parece que só os “direitos do homem” devem ser defendidos e que a vida dos animais não dispõe de qualquer direito nem merece a menor protecção jurídica. Os fanáticos das touradas dizem mesmo que os que as detestam e contestam não são verdadeiros humanistas e que é essa atitude que os faz gerar Bolsonaros, ditadores, tiranos, il Duce e der Führer! 

Ora, isto é um insulto, um disparate, uma estupidez e uma contradição, dado que Bolsonaro é, como se sabe, um político rasca, de extrema-direita, com um cérebro reptiliano e um instinto de matança, precisamente dirigido contra todos os que o detestam e contestam – designadamente os políticos de esquerda (os vermelhos!), as mulheres em geral e as emancipadas em especial, os homossexuais, os mais pobres e desprotegidos (mesmo os que votaram nele) –, o que não levanta dúvidas quanto à posição que Bolsonaro adoptaria em relação à “questão das touradas”: ao lado de Manuel Alegre e do seu epifenómeno Miguel Sousa Tavares!

Confesso que não esperava que um doutor honoris causa me cobrisse de tantos e tão miseráveis insultos, ao insultar genericamente todos quantos não comungam da sua paixão até há pouco assolapada pelas corridas de touros. É verdade que já outros tinham feito mesmo, catalogando-me estupidamente, e aos que detestam e contestam as ditas cujas, como “ignorantes inúteis”. Enfim, pobres de espírito! Mas é certo que o feitio incandescente e “tremendista” de Manuel Alegre, sempre à espreita de pretexto para que falem dele – e, tauromaquicamente falando, para encostar às tábuas o PS –, submete-o, como a Savonarola, a uma “prova de fogo” que só uma «chuva diluviana” conseguirá apagar. Talvez Miguel Sousa Tavares acorra, disfarçado de bombeiro, para o “salvar”, à frente duma pequena multidão de aficionados e marialvas, forcados, bandarilheiros e toureiros, de inteligentes e corneteiros das corridas, de cavaleiros com as farpelas “à antiga portuguesa”, de ganadeiros, latifundiários e senhoras galantes de chapéu à mazantino e, é claro!, de vários deputados do PS, com o sempre inefável Carlos César à cabeça…

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990